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A ideia de “jerico” de Patrícia Audi

Como o Santander virou o coronavírus dos jornais e revistas impressas

Por Cláudio Magnavita*

Nunca uma campanha publicitária gerou tanto desconforto e ganhou ares de oportunismo. A tentativa do Banco Santander de abduzir as bancas de jornais de todo o Brasil chega a ser sórdida com os editores. Em um comercial de televisão, o banco decreta a morte dos jornais e revistas impressas. Chega a colocar uma pilha de jornais sendo desfolhada por um vento apocalíptico.

Com o original título: "A gente banca", o Santander resolveu patrocinar o surgimento de novas atividades nos quiosques de venda, demonstrando uma absoluta falta de conhecimento sobre a venda no varejo das bancas, além de desconhecer aspectos jurídicos das licenças e permissões municipais.

O que causa perplexidade é que a vice-presidente de Marketing da instituição, Patrícia Audi, atuou no serviço público tanto em Niteroi como Governo Federal. A soberba de Brasília deve ter lhe seguido para a carreira bancária.

Nunca assistimos uma instituição financeira tentar influenciar na cadeia produtiva de uma atividade, como está fazendo o Santander. A "genial" Audi resolveu transformar as bancas de jornais em pontos de diversas outras atividades comerciais, como floricultura, conserto de celulares, conserto de roupa, em um flagrante desvio de finalidade da atividade fim, que permitiu que, a exemplo do que existe no mundo, especialmente nos países latinos, quiosques de venda de jornais e revistas fossem instalados em lugares nobres na cidade.

O banco Santander patrocina na verdade o maior golpe contra o direito de informação e a imprensa livre na história brasileira. É uma ação similar aos atentados terroristas que resolveram explodir bancas de jornais nos anos 70.

Existe sim um declínio de jornal e revista impressos. Existe um mundo digital que cresce, inclusive no sistema bancário, que afastou o cliente da agência bancária, do gerente amigo e do cafezinho no banco.

Em Copacabana, a ida ao banco era um ritual e o gerente criava uma carteira de amigos e, quando mudava de agência, geralmente levava boa parte da clientela. Haviam gerentes que, na época do Natal, tinham um enorme problema - levar para casa uma quantidade enorme de presentes que recebia.

Os do Real eram campeões de carinho e afinidade. Isso morreu. Cliente agora é senha e número e, se liga para a central, tem que falar com uma máquina durante horas, até aparecer um humano de verdade. Deve ser por vingança que a senhora Audi resolveu acabar com os jornaleiros .

Pergunte ao Carlos Luppi, presidente do PDT e que durante anos foi o jornaleiro do Leonel Brizola, como nasceu a amizade com o nosso inesquecível caudilho ?

Pergunte à família Marinho, a importância que o Doutor Roberto dava aos jornaleiros ou à do Carlos Lacerda e ainda a família Bittencourt, do Correio da Manhã. Os jornaleiros eram o termômetro das manchetes e eram reverenciados pelos senhores da mídia.

A banca de jornal sempre foi uma janela para o mundo. As suas localizações estratégicas são decorrentes das conquistas legislativas, pela força política que possuíam.

No final da década de 50, explodiu o fenômeno das capatazias. Famílias calabresas, a maioria de Paola, possuíam grande parte das bancas do Rio. O Dia do Jornaleiro era festivamente comemorando no Dia de São Francisco de Paula, com enorme festa patrocinada por todos os grandes jornais .

Por conta do sacrifico de uma ou duas gerações de calabreses, os seus filhos são médicos, advogados, empresários, e foram educado pelos pais que trabalhavam de madrugada e sete dias por semana.

As bancas tiverem de se reinventar, mas em um movimento orgânico, incluindo a venda de sorvetes, refrigerantes e virando espaço de conveniência. As próprias editoras, com brindes e colecionáveis, transformaram as bancas em um grande bazar.

O papel social das bancas de jornais tem ainda um longo caminho pela frente. É só olhar um quiosque de periódico na Argentina, na Espanha ou na Itália. Eles fazem parte da paisagem e se um banco quisesse fazer o que o Santander está fazendo, seria apedrejado. Banca de jornal é um patrimônio dos países com alto índice de leitura.

Além de disseminar informação, uma banca de revista ou jornais, o leitor escolhe como chamar, é um ponto de cultura. Em Portugal , agora com a pandemia, nunca se vendeu tanto jornal.

O público acima de 50 anos ainda gosta do impresso. O sucesso do relançamento do Correio da Manhã e da revista O Cruzeiro é um exemplo disso. No Rio, jornais como o Extra, O Dia, Expresso e Meia Hora vivem prioritariamente da venda em bancas. A televisão não matou o cinema e nem o rádio morreu. Há espaço para todos, desde que agentes externos oportunistas não queiram matar o nosso negócio.

Ao invés de valorizar a cultura e a informação, o Santander usa de puro oportunismo e, no fundo, camufla uma estratégia oculta (banqueiro não faz nada de graça), uma campanha para reduzir ainda mais o espaço para os jornais, revistas e livros na sua rede de distribuição histórica.

O banco ganha ao colocar suas máquininhas e ao agregar no futuro estes pontos como apoio logístico e, o que é mais cruel, transforma as quatrocentas mil bancas do Brasil em seus totens de publicidade.

O lado ardiloso se revela na leitura do contrato. Uma das cláusulas diz: “O Santander arcará com até 1/3 do valor da reforma, limitados a R$ 10.000,00 e, como contrapartida, o dono da banca de jornal se compromete a firmar contrato para a divulgação da marca Santander no espaço da banca, destinado especificamente para isso, pelo prazo de duração do Contrato de Empréstimo, podendo haver a utilização de telas de LED na publicidade.”

Pagar R$ 10 mil reais para cada ponto de publicidade é esmola. Chega a ser ofensivo para o jornaleiro de uma grande cidade.

No mesmo contrato fala das atividades: “O Cliente ou uma pessoa da sua confiança (p. ex. parente ou funcionário) deverá realizar um curso profissionalizante de sua preferência, dentre as seguintes opções:
manicure; chaveiro; costureira; manutenção de celular; ou floricultura.”

Não há uma linha que obrigue a usar o espaço de forma obrigatória para a venda de jornais e revistas. Estes itens são secundários.

De bom samaritano está campanha não tem nada. É inacreditável a incapacidade de reação de uma Associação Nacional de Jornais-ANJ e da Associação Nacional de Editores de Revistas-ANER contra uma investida sórdida do Santander sobre o nosso modelo de negócios.

O banco patrocina também uma concorrência desleal contra o comércio instalado e legalmente habilitado. Como se sente um florista, instalado em loja e pagando aluguel, assistindo a banca da esquina virar floricultura?

Cada cidade regula as suas bancas de acordo com o seu legislativo municipal e os privilégios de localização são concedidos pela função social das bancas, aliada à força política dos veículos que distribui. Mudar isso, cidade a cidade, é uma utopia. Mais uma falácia do Santander (é só observar as queixas de clientes que acompanham cada postagem nas redes sociais) que, por falta de verdade, nunca chegará ao patamar do antigo Real, do doutor Aloysio Faria.

Em plena pandemia, o Santander entrará para a história como a instituição que ajudou a acabar com a venda de revistas e jornais impressos e que se deixou levar pela soberba, cada vez mais crescente da sua diretora de Marketing. De quebra, ganhará a antipatia histórica de todos os editores de jornais e revistas do país. Como o banco é internacional, este é um caso para ser levado para todos os grandes jornais e revistas do mundo, mostrando como o Santander se transformou num verdadeiro coronavírus da imprensa brasileira .

*Claudio Magnavita é diretor de redação do Correio da Manhã.

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