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Anitta para exportação de 'Girl from Rio' só reforça clichês do pop

Lucas Brêda (Folhapress)

Atualmente, o funk é o ritmo brasileiro mais ouvido no exterior. E cantado em português mesmo. O fenômeno internacional mais recente do gênero foi "Bum Bum Tam Tam", que foi lançada há quatro anos e hoje tem a marca invejável de 1,6 bilhão de views no YouTube. Mas faz pouquíssimo tempo que Cardi B tocou um trecho de um remix de Pedro Sampaio no Grammy. E também que Drake chamou Kevin o Chris para regravar "Ela É do Tipo", música do brasileiro, com participação do canadense, um dos artistas mais ouvidos do mundo.

Nesta semana, Anitta lançou "Girl from Rio", single que apresenta suas intenções para um novo álbum, de mesmo nome, a ser lançado nos próximos meses. A faixa traz um sample de "Garota de Ipanema", clássico da bossa nova também bastante conhecido fora das nossas fronteiras, em meio a batidas suaves de trap, enquanto ela canta em inglês sobre como "um Rio diferente", o das favelas, corre em suas veias.

É verdade que Anitta hoje é um dos símbolos da nossa música, e consegue mobilizar o público seja com polêmicas ou ideias criativas. Na capa do novo single, ela posa em frente a um ônibus urbano que leva ao Piscinão de Ramos, um dos cenários do clipe que acompanha a faixa. A imagem foi recriada milhares de vezes na internet, tanto por fãs quanto por famosos, incluindo times de futebol ao redor do mundo e as mais diversas páginas internet afora. Não há como negar -a identificação com a imagem do ônibus, assim como as cenas das pessoas se banhando ou comendo milho no piscinão, como uma cena tipicamente brasileira, é instantânea.

Mas caso "Girl from Rio" toque no rádio –ou em alguma playlist no streaming– ao redor do mundo, é possível que o ouvinte desavisado não saiba que se trata de uma música brasileira. Além dos vocais processados e da letra cantada em inglês, a canção soa como uma música americana contemporânea qualquer. Em entrevistas, Anitta tem comparado o funk à bossa nova e dito que seu objetivo com o próximo trabalho é cantar em inglês e fazer sucesso no exterior. Mas, além disso, ela quer apresentar ao mundo a cultura brasileira, o que já tem feito nas redes sociais ao divulgar ícones nacionais, de Fernanda Montenegro ao Cristo Redentor.

É interessante perceber como, para tentar conquistar ouvidos ao redor do mundo, Anitta abra mão da brasilidade de sua música para soar, para dar um exemplo, como qualquer música da cantora pop Ariana Grande no último disco dela, "Positions".

E, aqui, o sample de "Garota de Ipanema" não cumpre exatamente a função de levar nossa cultura para o mundo, afinal, é um hit tão vastamente conhecido que qualquer americano ou europeu poderia ter sampleado. De certa forma, "Girl from Rio", o clipe, retoma a estética de "Vai, Malandra", um dos maiores hits de Anitta, lançado há quatro anos. A música é um funk produzido por Tropkillaz e pelo DJ Yuri Martins e, no clipe, ela aproveita o cenário do morro do Vidigal e toma banho de sol na laje com as amigas.

Mesmo cantada em português –com a exceção de um verso em inglês do rapper e produtor Maejor–, a música chegou ao Top 200 do Spotify de 15 países, incluindo Suíça e Hungria, além dos latinos, conforme revelou levantamento deste jornal feito há dois anos. Agora, Anitta quer novamente cantar e mostrar o Rio de Janeiro, mas ao contrário do hit de 2017, acaba só reforçando ícones nacionais já cristalizados no imaginário gringo.

É provável que música e clipe rendam milhões de visualizações para a cantora, e que ela até aumente seu público no exterior. É provável também que, daqui a alguns anos, esta música nem sequer seja lembrada no Brasil, enquanto "Vai, Malandra", mais de três anos depois, ainda seja capaz de botar qualquer um para dançar país afora. Ano passado, o rapper porto-riquenho Bad Bunny abriu seu disco "YHLQMDLG" –que o impulsionou a se tornar o artista mais ouvido do planeta no Spotify, em 2020– com "Si Veo a Tu Mamá", faixa cuja parte melódica lembra o clássico de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Não se trata de um sample de "Garota de Ipanema", mas do uso de uma melodia semelhante, num piano que soa como quase como um toque de celular e sobre batidas suaves de trap –como fez Anitta–, além das letras em espanhol. Naturalmente, é menos arriscado cantar em espanhol, uma língua mais internacionalmente falada que o português. Ainda assim, não é como se a pequena ilha caribenha de Bad Bunny tivesse uma tradição musical tão vasta –e internacionalmente conhecida– a ser explorada como a de um país continental como o Brasil.

E, se pensarmos historicamente, talvez a maior parte dos artistas brasileiros que fizeram sucesso no exterior cantava em português. Há exceções, como o Sepultura, mas a lista vai de Mutantes a Daniela Mercury, de Caetano e Gil a Michel Teló, de João Gilberto a Kevin o Chris, de Jorge Ben Jor a Seu Jorge. No contexto atual, Bad Bunny se apresenta e é reconhecido por uma premiação americana como o Grammy, na mesma noite em que Cardi B usou o funk –com vozes em português– para incrementar sua performance.

Já Anitta, no esforço de soar relevante no exterior ao mesmo tempo em que mantém a popularidade em seu país, corre o risco de deixar de lado justamente aquilo que diz querer valorizar –o funk, a cultura brasileira. Até porque, assim como o funk é a música brasileira mais ouvida no exterior, os brasileiros são o povo que mais ouve a própria música em todo mundo. Não é atoa que as versões em português fazem sucesso por aqui desde quando "In the Mood" virou "Edmundo" com Elza Soares. A depender do sucesso de "Girl from Rio", é possível que até essa música ganhe sua versão brasileira –o que seria um favor a Anitta.

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