Zuzu Angel: força de mãe e mulher

Por Claudia Chaves (Especial para o Correio da Manhã)

1921 é um ano marco para a moda. Chanel, visionária do que seria a indústria da moda, cria o Chanel Nº 5, e com isso anuncia a mulher do Século XX. No Brasil, em uma família de trabalhadores de Curvelo, no interior de Minas Gerais, no dia 5 de junho de 1921, nasce Zuleika de Souza Netto. Assim como Gabrielle Bonheur Chanel, Zuleika também será uma marca de nove letras, que revolucionará o panorama da moda brasileira.

Criadora, inventiva. Brasileira. Zuzu será também o símbolo da maternidade arrasada pela ditadura. Torna-se a grande figura ao não descansar para mostrar a verdade sobre a brutal morte de seu filho, Stuart Angel Jones, por militares do Centro de Informações da Aeronáutica.

Zuleika passa a infância em Belo Horizonte, quando começou a ajudar os pais na despesa de casa, costurando para fora. Nesse momento, começa a incorporar o que seria a base do seu design. Em suas brincadeiras nos tempos livres, utilizava retalhos que sobravam das costuras da mãe para criar modelos de manequins, fazendo roupas para as primas e para as bonecas delas.

Outra influência importante acontece quando, alguns anos depois, sua família mudou-se para Salvador, onde Zuleika passou a juventude. A rica cultura afro-brasileira e as cores quentes da capital baiana influenciaram significativamente o estilo das suas criações.

É essa mistura de retalhos, pequenos cortes, artesanato, cores do tropical, branco, rendas bordados que irão explodir em Zuzu Angel, a pioneira na moda brasileira, com o estilo de sucesso que se torna apreciado em todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos. Misturava renda, seda, fitas e chitas com temas regionais e do folclore, com estampados de pássaros, borboletas e papagaios. Zuzu também trouxe para a moda as pedras brasileiras, o bambu, madeira e conchas.

Em 1940, conheceu o americano Norman Angel Jones, com quem se casa em 1943, Em 1945, Zuzu e o marido foram viver em Salvador, onde Stuart nasceria naquele ano. Em 1948, voltam para o Rio, onde nasceu a filha do meio, Ana Cristina. No ano seguinte nascia a caçula Hildegard. Em 1960, Zuzu e Norman Angel Jones se desquitaram.

E foi do sobrenome que criou sua marca, um cândido anjo com que assinava todas as suas peças, lindas exclusivas, artesanais. Obras de arte mesmo. E depois transforma esse anjo na arma contra a truculência da ditadura, que sistematicamente matava, torturava, bania e censurava qualquer voz que se insurgisse contra eles. Stuart, estudante de economia, fora preso em 14 de abril de 1971, sendo torturado e morto no Galeão e dado como desaparecido pelas autoridades. A partir daí, Zuzu entraria em uma guerra contra o regime pela recuperação do corpo de seu filho, envolvendo os Estados Unidos, país de seu ex-marido e pai de Stuart.

Como estilista, criou uma coleção estampada com manchas vermelhas, pássaros engaiolados e motivos bélicos. O anjo, ferido e amordaçado em suas estampas, tornou-se também o símbolo do filho. Em setembro de 1971, promoveu desfile-protesto no consulado do Brasil em Nova York.

Foram seis anos de lutas, embates, revelações, mas ao mesmo tempo de um trabalho que até hoje é pioneiro pelo aproveitamento criativo de diversos materiais, sobras, com motivos pintados à mão.

Foi a primeira mulher da vida contemporânea brasileira a ser declarada Heroína da Pátria, tendo seu nome incluído no livro de aço dos Heróis e Heroínas da Pátria no Memorial dos Heróis, em Brasília. Sua misteriosa morte na saída do túnel Dois Irmãos, em 14 de abril de 1976 encerra a vida, mas não apaga a obra. E muito menos a herança da mulher independente, criativa, combativa.

Sua filha Hildegard Angel, jornalista combativa, torna-se portadora deste legado. Assim como o Chanel Nº 5, dura um século a obra e a força de Zuzu Angel, que ainda guiam o mundo da moda brasileira e a nossa cidadania.