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A corrupção do poder

Por Joaci Góes*

Consequências sanitárias, à parte, a serem conferidas pelos níveis de infecção do Coronavírus, dos próximos dias, a manifestação popular prevista para o dia 7 de setembro último transcorreu no plano da mais completa ordem, contrariando o cassandrismo que anunciava os maiores riscos já vividos pela “tenra planta da democracia”, no dizer de Octávio Mangabeira. Os milhões de eleitores que se acotovelaram em centenas de cidades brasileiras, com a predominância de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, deram uma demonstração de primorosa educação política de que não temos memória. O temor de eventual confronto entre as facções que polarizam as preferências partidárias deixou de existir em face, até, da abissal diferença numérica entre os apoiadores de Bolsonaro e os pequenos bolsões em favor de Lula. Por isso, é de imaginar-se que os adversários do Presidente venham a organizar, nos próximos dias, movimento que corresponda à sua inegável força eleitoral.

Não obstante essa louvável maturescência das massas, no modo de expressar o seu apoio, as tensões que inquietam a Nação cresceram a partir das declarações do Presidente Bolsonaro de que, doravante, deixará de cumprir decisões do Ministro do STF Alexandre de Moraes, condicionando a restauração da paz entre os poderes Executivo e Judiciário à decisão dele, o Ministro, de “deixar de ser canalha”. Sem dúvida, essa manifestação inédita de irresignação presidencial, diante dos inegáveis abusos de poder praticados por Alexandre de Moraes, equivale ao propósito de apagar fogo com gasolina.

Numa reação orquestrada com velocidade inédita, as oposições vieram a público para condenar, à unanimidade, o destempero presidencial, culminando com o anúncio de breve fundamentação de coletivo pedido de impeachment por crime de responsabilidade, o que, de fato, seria o caso, não tivesse todo esse indesejável imbróglio sido iniciado com a decisão do Ministro Alexandre de Moraes de interditar a legítima nomeação presidencial de conceituado delegado de carreira para ocupar a chefia da Polícia Federal, atitude infeliz por sua gritante inconstitucionalidade, consolidada com o erro presidencial de não haver recorrido ao pleno da Suprema Corte, no que obteria êxito, segundo a opinião dos maiores juristas brasileiros, bem como das manifestadas, em off, por membros daquele “excelso” pretório. Precipitadamente, porém, no conhecido estilo de atirar primeiro e perguntar depois, o Presidente retirou a nomeação, legitimando o erro palmar do jovem Ministro. Daí em diante, é o que se viu: a escalada das retaliações que conduziram à sequência, sem precedentes, de membros da Suprema Corte, invadindo a competência de outros poderes, ao lado da prática de erros monumentais, o maior dos quais sendo a garantia de impunidade aos fraudadores do Erário, restaurando o antigo entendimento de que, no Brasil, prisão é coisa para pretos, pobres e putas.

Se o domínio do próprio ódio é objetivo indispensável para alcançar a paz social e o crescimento espiritual das pessoas, tema que abordamos na Anatomia do Ódio, no juiz, profissional a quem a sociedade confere poderes quase divinais, essa observância tem caráter imperativo, como nos advertiu o Padre Antônio Vieira, em 1674, no Memorial em favor das gentes da Nação Hebreia, perante o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição: “Se no juiz há ódio, nunca sua sentença há de ser justa”.

O momento brasileiro recomenda que todos os detentores de poder inscrevam na parede de seus ambientes de trabalho a máxima de Lord Acton: “Todo poder tende a corromper, e o poder absoluto a corromper, absolutamente”.

*Jornalista e advogado

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