Transcrição da gravação das audiências. Obrigação legal ou mera faculdade?

Por Rui César Públio B. Correa* e Renata B. Castralli Mussi**

Nas palavras de Miguel Reale, a jurisdição é o ápice, o momento culminante da vida do direito.

O papel do Magistrado extravasa os autos e recai diretamente na vida da sociedade, não apenas dos litigantes, mas de toda a coletividade, que de alguma forma, observa e espera uma atuação daquele representante do Estado.

Diante do renovado panorama da sociedade brasileira, não deve o Juiz atuar tão somente na crise jurídica revelada nos autos. Consciente de suas obrigações como condutor do processo, tem o dever de vislumbrar os efeitos de seus atos, de modo a garantir a celeridade, a economicidade e a eficiência ao longo de todo o curso processual.

A complexidade da vida social e a expectativa na figura do Julgador, não lhe permite acomodar-se diante das dificuldades diuturnas. Sob tal espectro, deve-se analisar a questão ora posta.

O artigo 2º da Resolução CNJ nº 105/2010, dispensa a transcrição dos depoimentos colhidos por meio audiovisual, assegurando ao Magistrado “quando for de sua preferência pessoal” a faculdade de determinar que servidores procedam à de gravação.

No mesmo sentido, os parágrafos 4º e 5º do artigo 23 da Resolução CSJT nº 185/2017, que expressam ser mera faculdade dos juízos em suas respectivas instâncias.

Por meio do Ato nº 11/GCGJT/2020, o E.TST estabeleceu no parágrafo 3º do art. 2º que “Ao final de cada videoconferência deverá ser promovido o registro dos atos praticados em ata, pelo sistema AUD, bem como da forma de acesso à gravação, se houver.”

Normas que admitem a não transcrição, a critério do Magistrado.

Referido entendimento foi acolhido pelo PP nº 1001015-64.2020.5.00.0000, para determinar a observância dos mencionados regramentos, tornando sem efeito a determinação de transcrição de depoimentos gravados em vídeo e disponibilizados às partes pelo PJe Mídias ou por outro meio eletrônico.

A pergunta que fica é: será que a transcrição dos depoimentos representa uma dificuldade para a realização das audiências ou um desestímulo à produção em primeira instância? Creio que não.

O simples fato de não transcrever os depoimentos e as oitivas no primeiro grau dá uma aparência de celeridade e economicidade, que se for confrontada com todo o sistema processual não se sustenta.

O Magistrado que colhe a prova dos autos tem muito mais diligência e recursos para transcrever referido ato que o Tribunal ou qualquer outro servidor. Isso porque basta simplesmente materializar o que viu e ouviu em sede de audiência.

A atuação diligente do Juiz a quo permite um processo mais célere e coeso.

Impor a servidores e magistrados que não participaram da colheita das provas, ter que ouvir os atos da assentada é no mínimo uma atuação indiferente às demandas das partes e das dificuldades administrativas dos órgãos jurisdicionais e administrativos do Tribunal que integra.

Examinando o papel do Juiz sob a ótica de seus deveres, especialmente daquele que determina a condução equilibrada do processo, é fácil vislumbrar que a não de gravação e registro em ata impõem aos demais um ônus absolutamente desnecessário e prescindível.

A grandiosidade do TRT da 2ª Região, em eficiência, produção e demandas, exige de sua Administração, a instituição de normas capazes de atender às peculiaridades e realidade própria.

Jungido a elas, o TRT2 publicou regramentos internos determinando que todas as audiências telepresenciais fossem reduzidas a termo: Ato GP nº 08/2020, Portaria GP/CR nº 04/2020, e a Recomendação CR nº 71/2020. Normativos que objetivam padronizar e adequar os atos dos Juízes.

A atuação contrária aos regramentos do seu próprio Tribunal, além de representar um descumprimento dos deveres ínsitos aos Magistrados, transfere a outrem responsabilidade que lhe é própria. Referido entendimento encontra amparo no CSJT, por meio do Ato CSJT.GP.SG.SETIC nº 65/2021,que suspendeu o Ato nº 45/2021, acenando para uma atuação em conformidade aos artigos 851 e 852-F da CLT.

Por fim, necessário registrar a insegurança jurídica imposta às partes, que não teriam como balizar suas razões recursais ante sentença baseada em depoimentos não transcritos, prejudicando, ainda, a apreciação da Instância Superior, que ficaria sem referência para compreender os motivos daquela decisão.

Por outro lado, determinar que um servidor ou o próprio Desembargador perca horas a fio transcrevendo ou ouvindo os depoimentos para formar o seu convencimento em grau de recurso, mostra-se injusto e irracional, na medida em que além de ilegal, posto ferir a própria norma processual, conforme acima mencionado viola o princípio da celeridade dos atos processuais, além de transferir a terceiros obrigação que é imposta ao Juiz de Primeiro Grau.

Em verdade, o termo transcrito em ata representa um dever do Magistrado trabalhista, responsável pela condução da audiência, mais ainda, uma segurança jurídica às partes envolvidas e, no mínimo, uma atuação respeitosa aos operadores do direito que lhe seguirão, tratando-se assim, de obrigação que lhe é imposta.

*Juiz do Trabalho do TRT da 2ª Região e Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Direito do Trabalho pela PUC/SP
**Assistente de Juiz no TRT da 2ª Região e Mestre em Direito do Estado pela UFBA