Pezão: ‘Eu vou lutar e provar a minha inocência’

Ex-governador do Rio e ex-prefeito de Piraí, Luiz Fernando de Souza, mais conhecido como Pezão, foi o entrevistado  do “Jogo do Poder” do último domingo (20), programa da CNT comandado pelo jornalista Ricardo Bruno. Na entrevista, Pezão comenta sobre sua vida longe da política, faz um balanço do seu período à frente do governo do Rio e revela detalhes do tempo em que ficou detido.

Ricardo Bruno: Pezão, você que já esteve aqui como governador várias vezes e agora volta fora do poder. Quero começar fazendo uma pergunta bem genérica e bem singela: o senhor sente falta do poder?

Pezão: Não sinto falta, Ricardo. Eu pude exercê-lo com muita dificuldade, mas tive um enorme prazer de ter sido governador do Estado e prefeito da minha cidade. Dei minha cota e, com muita tranquilidade, enfrentei as crises, principalmente como governador do Estado. Peguei a uma das maiores crises em preço do barril do petróleo. Fiquei 14 meses com ele a 28 dólares e depois de um ano com 32 dólares. Não foi fácil.  Foram 26 meses de muita dificuldade e nesse intervalo eu tive um câncer muito forte, raríssimo, e graças a Deus, pude sair. Mas foi prazeroso.

RB: O senhor diz que foi prazeroso, mas, no entanto, na semana passada, o juiz Marcelo Bretas da 7ª Vara Federal o condenou a uma pena estratosférica, de 98 anos, maior até que a do Fernandinho Beira-Mar, que foi condenado a 80 anos, alegando que o senhor teve vantagens indevidas no exercício do cargo. Gostaria que o senhor comentasse essa decisão do juiz Marcelo Bretas.

P: Ricardo, eu respeito muito e obedeço as decisões judiciais. Queria voltar no tempo só um pouquinho para falar um pouco da minha prisão. Eu considero que fui um preso quase que político, preso arbitrariamente, pois não tive direito de defesa. Fui retirado do Palácio às 6 horas da manhã, com seis homens apontando fuzis para a cama onde eu e a Maria Lúcia estávamos, além de mais quatro mulheres de metralhadora. Ou seja, 10 policiais dentro do quarto.

RB: O senhor estava no Palácio Laranjeiras?

P: Sim, estava. Eram 6 horas da manhã. Tinham três helicópteros em cima do Palácio. Foi espetacularização desnecessária. Todas as vezes que fui chamado para ser testemunha, para dar um depoimento, tanto pelo ex-juiz Sergio Moro quanto pelo doutor Bretas, pelo Ministério Público, eu sempre me coloquei à disposição. Eu podia por fazer por carta, por videoconferência, mas fazia questão de ir pessoalmente. Portanto, achei aquilo uma arbitrariedade muito grande. Eu fui à sede da Polícia Federal e respondi 83 perguntas. Quando chegou na trigésima sexta, eu falei para eles “eu acho que vocês estão vendo uma conta bancária...’’ que o grande motivo da minha prisão é que eles falaram que eu só movimentava dinheiro em espécie e foram pegar uma conta minha que eu nem lembrava mais. Pegaram uma conta minha de 1997 que tinha 10 reais na conta do banco BCN, que nem existia mais em 2018, quando eu fui preso.

RB: Mas a alegação da conta é que ela não tinha movimento, é isso?

P: Não tinha movimento. Tinham apenas 10 reais na conta, mas o saldo era de 1997, e essa não era a minha conta. Então, durante o depoimento, a Maria Lúcia foi passando para o meu advogado a minha conta. Eu dava mil reais para ela toda semana para comprar a comida do Palácio, pois nós estávamos em um momento de crise muito grande. Tudo debitado na minha conta, na minha vida inteira, eu sempre tive apenas uma conta, a conta salário. E eles foram pegar uma conta inativa minha de 1997 para justificar que eu só movimentava dinheiro em espécie. Então eu senti um clima ruim entre os procuradores que vieram de Brasília e o delegado. Passaram para mais 20 perguntas de como eu paguei a equipe médica no meu câncer.

RB: Questionaram o pagamento da equipe médica em relação ao tratamento do seu câncer?

P: Não viram o pagamento a minha equipe médica. O meu plano de saúde cobriu metade e a outra metade eu paguei com o dinheiro de uma poupança que eu tinha, com cerca de 140 mil reais. Inclusive, eu coloquei essas despesas, como eu sempre fiz, em todos os anos que eu fui governador. Eu sempre publiquei meu imposto de renda no Diário Oficial do estado. Entreguei e mostrei. Eles estavam com uma equipe médica que eu conheço muito, a do Dr. Jacob Kligerman e mais sete médicos. Só que o Dr. Jacob Kligerman não foi meu médico, o meu médico foi o Dr. Daniel Tabak e, surpreendentemente, era uma das questões que estavam no meu interrogatório.

RB: Ou seja, eles estavam perguntando por que não vinha o depósito para o Dr. Jacob Kligerman, como se ele tivesse sido seu médico, e, na verdade, o seu médico foi o Dr. Daniel Tabak e, obviamente, no caso dele, havia o depósito. E eles seguiram na acusação?

P: E depois, mais 12 perguntas de como eu comprei uma fazenda à vista em Bom Jardim por 2,5 milhões de reais. Ricardo, eu nunca tive fazenda, eu nunca tive um boi e nunca tive uma vaca, eu nunca tive nada! Não tenho um bem comprado desde 2007, quando eu fui vice-governador de  Sergio, e, depois, governador. Eu não comprei nenhum bem! Minhas declarações de imposto de renda estão todas legais. Eu nunca tive problema com a Receita Federal, com o Coaf, as pessoas não fizeram uma investigação. Então, o que me doeu muito foi chegar ao fim das 83 perguntas o delegado falar que eu estava preso porque eu poderia movimentar cerca de 39 milhões de reais, inclusive conta no exterior. Será que eu sou mais esperto que todo mundo dentro desse país para esconder 39 milhões de reais? Eu não conheço um doleiro na minha vida. Eles nunca acharam. Fizeram uma busca na minha casa, no palácio, em tudo que é lugar e não acharam mil reais. Não acharam uma mala de dinheiro. Não acharam nada!

RB: Tem uma acusação, que eu achei absolutamente espantosa e esdrúxula, alegando que você teria recebido o produto de algo indevido, de vantagem indevida, a instalação de um som na sua casa, de uma aparelhagem de som, uma coisa absolutamente irrelevante. E isso como é sinal de malversação de recursos?

P: Você precisa ver o que isso gerou dentro desse processo. Isso foi um presente que o Sergio me deu no meu aniversário, onde estavam diversas pessoas. Ele me deu a instalação de um som, que eu nem sabia o preço.

RB: A instalação de uma aparelhagem de som na sua casa foi um motivo para a acusação?

P: Uma televisão com umas caixas de som. O delegado perguntou para mim, eu respondi “eu não sei, talvez uns 20 mil’’. Botaram a nota fiscal de 300 mil reais falando que eu ganhei um suborno. Umas coisas estapafúrdias. E isso levar a uma condenação de 98 anos, sem prova nenhuma. A única prova que o Ministério Público tinha foi que o operador do Sergio falou que tinha entregado 150 mil na minha mão. E quando ele foi dar mais detalhes falando que no outro dia ele abriu o jornal e viu que meu apartamento tinha sido arrombado, então Dr. Bretas pediu mais detalhes para ele e perguntou “você sabe se levaram o dinheiro?”. Ele dá uma risada e deixou insinuado na resposta dele de que poderia ter sido levado o dinheiro. Depois de um ano e onze dias preso que me chamaram para depor. Depois disso, nunca mais me chamaram. Uma das maiores arbitrariedades que existe.

RB: Pezão, gostaria de falar agora um pouco dos momentos na prisão. Como foi a prisão? Você é um dos poucos governadores que foi retirado de dentro do palácio para a prisão. Diferentemente até do Sergio Cabral, que foi preso depois que deixou o governo. O senhor foi preso no momento em que estava exercendo o poder, uma coisa atípica. Tivemos agora algo em relação ao governador Witzel, mas ele não chegou a ser preso. Sofreu só uma ação de busca e apreensão, também no exercício do poder. Você sofreu esse tipo de situação, mas depois permaneceu um ano preso e, durante esse período, você sequer foi chamado para esclarecer, para depor, para oferecer a sua versão sobre o que estava ocorrendo?

P: Eu só quero voltar nesse dinheiro que a pessoa falou que me entregou no Leblon. Eu entreguei meu passaporte ao doutor Bretas no dia em que fui depor, depois desse 1 ano e 11 dias preso. Entreguei a passagem, a minha estadia no hotel. Eu estava na Itália no dia em que o meu apartamento foi arrombado. Então, ele pegou e falou assim: “entrega para o seu advogado que o seu advogado vai saber fazer bom uso disso”. E é essa é a grande testemunha que ficou contra mim. Portanto, acho que foi uma violência muito grande.

RB: Queria falar um pouco sobre sua rotina na prisão. Quer dizer, sair do Palácio e ir para prisão, ainda que seja no Batalhão Especial da Polícia Militar de Niterói. Que tipo de sensação você teve? Como você acordava, era tratado, como você experimentou esse momento?

P: Momentos difíceis, mas também foram momentos em que eu pude fazer muitas amizades. Ali era um presídio de PMs e muitos me receberam espetacularmente bem. Fiquei amigo de diversos ali. Tinha um senhor que eu gostava muito, ele é um grande exemplo que eu vi. Ficou sete anos e meio preso e depois, quando eu saí, logo teve o julgamento e ele foi absolvido por unanimidade. Um crime que ele foi acusado que nem sabia o que era. Então, eu tive momentos ali de muita fraternidade, de pessoas me acolherem. Eu achava que ia ser um momento muito difícil, porque eu tive problemas com atrasos de salários, não da polícia, que eu mantive em dia, mas eles sempre me trataram com muito carinho, com muita gentileza e principalmente os familiares desses policiais, que consegui manter contato. Quando eles (policiais presos) saem, normalmente me procuram. Fiz muitos amigos e fiquei muito amigo das famílias desses policiais que estão lá. Eu jogava bola de manhã e à tarde fazia atividade física. Eu cuidei muito da saúde e lia muitos livros. Estudei e fiz Enem lá dentro. Quando eu saí, estava fazendo as provas do Enem. Então, Deus dá o fardo que a gente pode carregar. Carreguei esse fardo e estou aí, com saúde, para lutar e para mostrar minha inocência e eu vou provar. Tenho certeza que em uma instância vão ler a minha defesa.

RB: Diante dessa condenação do juiz Marcelo Bretas você vai recorrer ao TRF 2, que é a segunda instância?

P: Agora, Ricardo, uma coisa que me marcou muito e mostraram as dificuldades que a gente tem para entender a Justiça. Eu entrei na primeira fase da Lava Jato, na delação do Paulo Roberto Costa.

RB: Mas nessa delação do Paulo Roberto Costa você foi absolvido.

P: Sim, fui absolvido, mas fiquei três anos com os bens bloqueados, com o meu sigilo bancário fiscal. Meu, da Maria Lúcia, dos meus filhos quebrados. Fui investigado pela Polícia Federal. Investigaram minha vida toda, meus telefones, fizeram tudo. A Polícia Federal pediu arquivamento em março de 2018 e foi arquivado no órgão especial do Superior Tribunal de Justiça por 6 a 0.

RB: Foi arquivado em 2018 e no mesmo ano você foi preso?

P: Agora, como é que em dezembro de 2018 aparece essa nova pessoa, esse novo personagem? Que fala com doleiro, que tem R$ 39 milhões no exterior, se não há prova?

RB: Sobre esse número que eu gostaria de falar com você. Eles falam que o senhor teria R$ 39 milhões. De onde veio esse dinheiro?

P: Não sei. Eles pegam 84 repasses de 150 mil reais, um dinheiro da Fetranspor na campanha eleitoral, soma isso tudo e dá R$ 39 milhões. Agora, não tem um milhão provado, não tem R$ 100 mil. Os únicos R$ 150 mil que eles falam dessa mesada, eu provo que estava na Itália e não recebi, e essa testemunha continua valendo e serve para multiplicar minha pena. Agora, como em março de 2018 eu tenho a mesma Polícia Federal que me investigou, que viu minhas contas, que viu meu cartão de crédito, da minha esposa, do meu filho, do escritório do meu filho, aparece em novembro de 2018 falando desse dinheiro? Eu não conheço um doleiro. Não tem nenhum telefonema meu com doleiro. Não tem um dinheiro encontrado, uma conta bancária, uma aplicação, uma poupança, uma renda fixa, não tem nada. Eu estou aposentado pelo INSS, depois de 36 anos de vida pública. O Coaf e a Receita servem para condenar, mas não servem para absolver? O que vale a certidão desses órgãos? Por isso, tenho certeza que vai chegar nas instâncias superiores e eu vou mostrar isso. E têm caído diversas delações dessas. Eu só sou delatado por pessoas condenadas. Não tem nenhuma pessoa dessas que me acusam que não tenha menos de 20, 30, 200 anos de condenação. Não tem nenhum empresário? Será que não iria aparecer nenhum empresário para falar de mim?

RB: Governador, entre os que o acusam está o ex-governador Sérgio Cabral. Como é que você avalia a postura do Sérgio Cabral agora? Como é sua relação? Na entrevista que deu recentemente à “Folha de São Paulo”, o senhor fala que procurou o governador e o aconselhou a fazer uma repatriação se ele tivesse dinheiro no exterior. Conta um pouco sobre essa relação e sobre esse comportamento dele agora.

P: Isso foi duas semanas antes dele ser preso. Eu fui a casa dele em Mangaratiba com a Maria Lúcia e falei: “Sérgio, estão ocorrendo boatos da sua prisão. Se você tiver algum dinheiro no exterior, já que estava na lei de repatriação, repatria esse dinheiro, paga os impostos, assume”. Ele respondeu: “Pô, Pezão, que isso... Não precisa ficar de trem fantasma comigo, fica tranquilo, eu não tenho nada”.  Então passou e fomos cuidar da vida. Mas realmente ele foi preso, agora, ele está se defendendo, está no direito dele de se defender. O que dói é que ele foi falar de mim depois da 14ª condenação. Até a 14ª ele nunca tinha falado.

RB: Agora ele fala dos ministros do Supremo. Quer dizer, ele começou a atirar para todo o lado?

P: Acho que infelizmente caiu essa delação, não valeu. Você tem que ter provas. Acho que os grandes problemas das delações que ocorreram no país, a gente viu aí do ministro Palocci, não é só falar. Você tem que ter uma prova. Eu até hoje, tiro por mim, eu garanto, estou há sete anos investigado, desde 2014, e até hoje ninguém entregou um documento ou chegou e disse “está aqui um dinheiro que era do ex-governador Pezão, eu dei para ele, está na conta do exterior, ele tem um boi, tem uma vaca, jet-ski”. Até hoje não me entregaram nada e isso me ocasionou 98 anos de condenação. Esse instrumento, eu não sou contra nada do que foi apurado, não sou contra as forças tarefas, agora, tem que ter prova. Você não pode, como está lá no diálogo, que é surreal, do Bretas com o Milton Abad, dizendo “vou dar 43 anos aqui para assustar”, igual foi em cima do Othon, que é uma figura extraordinária, é o pai da energia nuclear no Brasil e faz para assustar as filhas. Isso não é justiça. Eu, sinceramente, ser condenado a 98 anos com essas provas, que não há prova nenhuma.

RB: A delação é para assustar também os réus a fazerem delação, tanto que na conversa com o Milton, mostrada, ele dá uma risada. Ou seja, ele estava se referindo ao efeito de uma condenação de 43 anos em outros réus, no caso, do empresário da Delta, o Fernando Cavendish?

P: Não se pode fazer justiça assim. O instrumento não foi concedido para isso. O que eu mais recebi de informação enquanto estava governador, quando todos os empresários chegavam para mim, sem exceção, quando iam depor, ou que tiveram o sigilo quebrado, chegavam para mim e diziam que a força-tarefa perguntava: “E o Pezão. O que o Pezão pedia?”. Hoje eu vejo na pena porque, eu acho, que eles ficaram frustrados de não ter prova nenhuma e me deram essa prova que você mesmo colocou aqui. Acho que nem Fernandinho Beira-Mar e Marcola tiveram uma pena como esta.

RB: Pezão, você que levou o Rio a fazer o primeiro acordo de recuperação fiscal em 2016, naquele pior momento.

P: Foi em 2017

RB: Esse acordo de Recuperação Fiscal é muito criticado, embora tenha permitido que o Rio não tenha entrado em colapso total, não deixasse de pagar os servidores, mas, ainda assim, se fala que as exigências postas pelo governo federal foram brutais. Há um novo acordo agora, que parece pior ainda, mais duro. Impede contratações, reposição de pessoal, concessão de aumento. Como é que você avalia, primeiro o acordo que você compactuou lá em 2017, e o acordo agora. Você acha que é inevitável que a gente faça esse acordo? O que aconteceu e por que razão você acha que o Rio caiu numa situação tão complicada, a se sujeitar a essas imposições do governo federal?

P: Ricardo, quando fui sair, eu estava saindo da minha doença, e o Rio, naquela crise, eu fui 31 semanas seguidas a Brasília. Não existia um regime de recuperação, não existia uma lei de ajuda aos estados. Aquilo foi criado com muita dificuldade. Eu passei 31 semanas em Brasília, batalhando dentro do Congresso Nacional, com todo esse quadro difícil dentro do Rio, e a gente conseguiu ter uma lei. Você tem lei de recuperação judicial para empresas. Por que não podia ter para os estados? Isso que era o grande motivador nosso para fazer as leis. Contei com a ajuda do ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do ministro Moreira Franco, o presidente, na época, era Michel Temer. O estado do Rio foi o único que conseguiu fazer a adesão. Foi o único. Os outros estados tentaram também, mas isso não é um problema do estado do Rio. Minas tem um problema igual ou pior que o do Rio. Sergipe, Goiás... e só nós conseguimos fazer. Eu, sinceramente, não conheço o novo regime que foi feito. Não o conheço muito por dentro, mas eu acho que não é tão leonino como era o nosso primeiro. E o Rio conseguiu fazer o dever de casa. Eu só tive um ano e três meses. Mostrei, na época, ao governador Witzel, que ele teria um ano e nove meses prorrogáveis por mais três anos. Eu não sei o que aconteceu ali. Ele se indispôs com a equipe econômica, com o presidente Bolsonaro e perdeu essa chance. E o Rio voltou a precisar da justiça, como todos os outros estados estão pendurados lá no STF, o que é muito ruim. Agora, o estado está se reorganizando. Eu acho que foi o primeiro a pedir o regime, mas não conheço essas causas leoninas que você colocou. Algumas, por exemplo, você podia fazer concurso se saíssem 2 mil PMs, que dessem baixa. Você poderia fazer, no acordo que eu fiz, para mais 2 mil policiais. Se isso não tá previsto nesse novo regime, é muito ruim. Eu acho que o estado ainda está na época de lutar, por ter sido pioneiro em exercer essa função. Então, foi um instrumento muito importante, onde dos 46 federais, infelizmente, 26 votaram contra. Só 20 do Rio votaram a favor. Dois senadores votaram contra. Eu tive que ir buscar mais votos fora em outros estados. Essa matéria teve 312 votos dentro do Congresso Nacional e 56 votos do senado, infelizmente, contra a bancada do Rio. E hoje, a gente vê como foi necessário. E aqui mesmo na Alerj foi um embate muito duro. O presidente André Ceciliano foi fundamental para a gente aprovar o projeto de recuperação fiscal. O Picciani começou e o André terminou.. O único que fez o dever de casa foi o Rio de Janeiro. Então, eu acho que o Rio deveria até ter um tratamento diferenciado por ter sido o único a fazer essa adesão.

RB: Pezão, eu queria recordar um episódio do Witzel visitando o Palácio Laranjeiras sem ser governador, e queria que você me dissesse o que ele conversou com o senhor. Tem muitas versões dessa conversa, que ele teria feito pedidos para o senhor favorecer alguns fornecedores.  Qual foi a conversa que ele teve com o senhor naquele momento?

P: Ele foi realmente em fevereiro daquele ano, em que ele tinha que se desincompatibilizar. Ele era juiz e realmente falou que era candidato a governador, que ia largar a magistratura. Eu cheguei a falar que ele estava ficando louco, que para ele vir pra cá para ser vidraça era melhor ficar no atirar pedra pro resto da vida. Mas não teve essa questão de cobrança, de me pedir nada. Ele só queria conhecer o palácio, porque falou que queria conhecer sua “futura moradia”. Como de fato foi. E, depois, me surpreendeu muito porque, logo depois de eleito, ele foi tomar um café da manhã comigo e falou: “Ô Pezão, eu vou morar aqui provisoriamente, mas eu vou para Brasília ser o novo presidente da República”. Dessa vez eu nem ri, porque, da outra vez, eu ri e ele virou governador, então eu nem ri, mas vida que segue.

RB: E você também, como ex-governador, como que vê a trajetória e o fim do governo dele?

P: Eu vejo com muita tristeza, Ricardo. A política é feita para o político e a gente negou a política. Toda vez que a gente nega a política, a gente tem crises grandes dentro do país e, principalmente, aqui dentro. Ele se mostrou um produto do momento que o Brasil vivia, da negação total da política, tanto para presidente da República como para governador. Surfou numa ordem que todo mundo era contra tudo, numa raiva, muito motivada, por uma imprensa de características muito assim parecida com a UDN, com todos aqueles valores que a gente viu lá em 1964 e não aprendemos. A gente cai nesse caos que foi o governo dele. Infelizmente ele já sentou na cadeira pensando em ser presidente da República e isso nunca deu certo aqui no Rio, ainda mais com ele, que não tinha diálogo nenhum com o mundo da política. Eu acho que foi um erro muito grande que ele cometeu e a gente está pagando um preço, mas a saída tem que ser também através da política, do voto e da urna. Eu acho que é o melhor recado.

RB: Como você vê o impeachment dele?

P: Eu vejo como uma pessoa que errou como todos. Eu, nos meus piores momentos, sempre tive uma base parlamentar forte. Fui vereador, então, você aprende. Tem que ter uma base política. Está aí o presidente se esgarçando todo, porque também sempre negou a política. Nunca foi de uma base de apoio e agora está trabalhando para ter uma base política, para governar. Então, o juiz, eu acho, queimou todas as caravelas dele. Brigou com todo mundo e quando ele viu, estava sozinho.

RB: Pezão, nessa condenação que o senhor sofreu do juiz Marcelo Bretas, de 98 anos, ele fala em seis oportunidades que o senhor é ganancioso e vive nababescamente. Como que o senhor recebeu esse tipo de consideração feita pelo juiz Bretas?

P: Ricardo, isso doeu mais que os 98 anos. Sinceramente, eu tenho certeza que eu vou derrubar as sentenças. O processo, eu tenho certeza, vai cair por falta de prova material. Agora, ele colocar, escrever isso seis vezes, que eu sou uma pessoa gananciosa e vivo nababescamente, foi de uma violência tão grande. Você, como você falou, a minha casa é a mesma. Não é nem minha, é da minha esposa. Os irmãos deram para ela como herança dos pais. Então, o meu apartamento, no Leblon, você conhece também, é um daqueles que não tem nem porteiro nem elevador. Foi muito doído ler aquilo. A família ficou toda chocada porque mostra que ele não me conheceu, não leu a minha defesa. Ele deu mais crédito de valor às pessoas que foram fazer a delação, que estão condenadas. Não registrou nenhum empresário que foi lá, nenhum prestador de serviço que foi lá. Nenhum deles usou nenhum termo contra mim em suas falas, não ouviu minhas testemunhas, então, assim, eu acho que isso não soou para a Justiça. Isso faz a gente duvidar, cada vez mais, dessa balança da justiça. Eu tenho certeza que, nas próximas instâncias, eu vou conseguir mostrar a minha inocência. Deus não me deu essa crise que eu passei pelo Estado, o câncer que eu tive, nos ossos, a covid, quando fiquei 20 dias internado aqui no Rio, com 75% do pulmão comprometido, passar 1 ano e 11 dias na prisão e deixar a peteca cair agora. Eu vou provar minha inocência.

RB: Pezão, comenta-se, eu não sei se procede, da possibilidade da sua candidatura a deputado federal. Você vai sair a deputado federal na próxima eleição?

P: Não, Ricardo, eu só quero cuidar da minha defesa. Eu vou lutar muito e só penso nisso. Eu tenho que fazer essa reparação a minha vida. Eu tenho 38 anos de vida pública e eu não posso sair pela porta dos fundos. Eu quero sair pela porta da frente e com galhardia, com cabeça erguida. Quero lutar muito para provar a minha inocência.

RB: Só para concluir, como que você está vendo o governo Bolsonaro e como que você analisa a próxima sucessão presidencial que terá, por tudo que a gente está vendo aqui, a presença do ex-presidente Lula, com quem você tinha uma ótima relação. Como você está vendo esse quadro das próximas eleições presidenciais?

P: Eu vejo o presidente Lula muito forte. Eu acho que, quando chegar o período eleitoral e ele mostrar conquistas que aconteceram no governo dele, mostrar que o trabalhador, às vezes, trocava de emprego três vezes no ano, carteira assinada por três empresas diferentes, as obras que aconteceram dentro do país, e o presidente Bolsonaro, apesar de ter um bom ministro da Infraestrutura, não conseguiu retomar isso, principalmente aqui na cidade dele, onde ele teve todos os seus mandatos, não vai ser fácil. Mas o Bolsonaro teve muita dificuldade, e o desemprego é muito grande. Um dos melhores programas que tinha, o Minha Casa Minha Vida, foi uma pena ter perdido, porque era uma oportunidade da indústria da construção civil estar girando. Então, eu acho que ele vai ter muita dificuldade e o presidente Lula é um fortíssimo candidato. Ele vai disputar e tenho certeza que vai dar muito trabalho. E, goste ou não do Lula, ele foi um grande presidente. Conseguiu fazer a sua sucessora, que parecia impossível. Eu tenho certeza que ele vem bem forte.

RB: As considerações finais, Pezão.

P: Eu agradeço, Ricardo, por me dar esse espaço. Eu tive poucos espaços para me defender, mas você é um amigo de muitos anos e me conhece muito.