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Prefeitura de SP denuncia dois médicos por tomarem 3ª dose de vacina contra a Covid

Alfredo Henrique (Folhapress)

A Prefeitura de São Paulo registrou dois casos em que médicos tomaram terceiras doses de vacina contra a Covid-19 na cidade, entre março e maio. Os casos foram denunciados ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), segundo o secretário municipal da Saúde Edson Aparecido.

A identidade dos profissionais não foi informada, segundo o titular da pasta da Saúde, "para não prejudicar e relação médico paciente". O secretário afirmou ao Agora, nesta quinta-feira (20), que um dos médicos foi imunizado com duas doses da Coronavac em 26 de janeiro e em 26 de fevereiro, no hospital estadual na zona leste.

O outro profissional da saúde também tomou duas doses da Coronavac, de acordo com Aparecido, nos dias 20 de janeiro e 12 de fevereiro, em Diadema (ABC). Mesmo já imunizados contra o novo coronavírus, os dois médicos, por motivos ainda apurados pelo Cremesp e pela prefeitura, tomaram terceiras doses. Um deles tomou a dose da Pfizer no dia 17 de maio, no Clube Hebraica, e o outro a Coronavac, em 27 de março, em um drive-thru no M'Boi Mirim (zona sul). "Nosso sistema de controle de vacinas é rígido. Mas naquele momento em que eles tomaram a terceira dose, havia oscilado [impedindo temporariamente a identificação de que era a terceira dose]. Posteriormente identificamos o problema, pois temos o controle de todos que tomam vacinas na cidade, e notificamos o Cremesp", explicou Aparecido.

O secretário da Saúde disse ainda que, até o momento, só foram identificados estes dois casos na cidade pela prefeitura. "Quem acha que pode enganar o sistema e que a gente não vai pegar, saiba que vamos descobrir, pois temos um controle que é feito de forma precisa, digitalizado. Isso é um erro gravíssimo e, ainda mais do ponto de vista ético, no caso dos dois médicos", alertou Aparecido.

O Cremesp confirmou o recebimento das duas denúncias, afirmando apurar ambos os casos. "As investigações tramitam sob sigilo determinado por lei", diz trecho de nota. A Coronavac usa vírus inativo e sua aplicação é indicada com um intervalo entre 14 e 28 dias, entre as duas doses, segundo a bula do medicamento. O imunizante é desenvolvido pelo laboratório chinês Sinovac e produzido no Brasil pelo Instituto Butantan, com eficácia de 64%, segundo estudos.

Segundo a assessoria de imprensa do instituto, não são desenvolvidos no Butantan estudos sobre o recebimento de diferentes doses de vacinas. Com eficácia de 95%, a vacina da farmacêutica Pfizer/BioNTech conta com um intervalo também de 21 dias, entre a primeira e segunda dose, segundo a bula do medicamento.

Porém, um estudo desenvolvido no Reino Unido avaliou que a eficácia dela supera 90%, quando administrada em um intervalo de 12 semanas, período adotado no Brasil para a administração das duas doses. Raquel Stucchi, professora de infectologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), afirmou "se sentir envergonhada" com a atitude dos dois médicos que tomaram as terceiras doses contra a Covid-19. "Me envergonha esse oportunismo em aproveitar a instabilidade no sistema [da Prefeitura de São Paulo]. Sabemos que uma vacina dada a mais significa que alguém vai ficar sem ela. Isso, vindo de médicos, é ainda mais lamentável. Infelizmente, a profissão não mostra o caráter das pessoas", lamentou a médica, que também é consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Sobre o fato de ambos os médicos terem tomado doses a mais e, em um dos casos, de imunizantes diferentes, a especialista afirmou que até recentemente havia preocupação sobre doses sobressalentes provocarem reações inflamatórias "exacerbadas", desencadeadas pelo fato de o corpo já estar com anticorpos, de doses de vacinas administradas anteriormente. "Mas nos últimos dias, foram feitas publicações mostrando que pessoas que tomaram doses da Pfizer e Astrazeneca [por causa da proibição temporária para o uso desta segunda vacina na Europa] não tiveram reações graves, por misturar doses de laboratórios diferentes", explicou.

A professora da Unicamp afirmou que o maior problema nos dois casos foi de "falha ética", quando os dois médicos burlaram o sistema.

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