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Feministas evangélicas tentam romper preconceito nas igrejas e rótulo de esquerdistas

Por Anna Virginia Balloussier/ Folhapress

A fotógrafa Bianca Aparecida Casadei, 24, está tão acostumada com outros evangélicos julgando seu feminismo que até apelido tem para essa turma: "Porteiros do céu". São pessoas, diz, que se acham no direito de barrar outras que não considerem aptas a dividir o mesmo banco da igreja. "O mais educado é gente curiosa tentando entender como conciliar a fé e tal, mas há muito de 'vocês são hereges', 'vão para o inferno'."

A recepção no outro campo não fica muito atrás também. Chamar de falsa feminista é uma das reações mais leves, diz sobre o que ouve de progressistas resistentes a aceitar que, para ela, uma coisa não anula a outra: dá, sim, para ser evangélica e lutar pelos direitos das mulheres.

"Como diz o ditado, é muito cacique para pouca tribo", afirma. "Existem tantas intersecções, e essa pluralidade é o que faz o feminismo ser tão amplo."

É de muitas a luta para que crença e ativismo deixem de ser vistos como água e azeite. Parte desse grupo se reúne em páginas virtuais como a Feministas Cristãs, que junta 5.200 mulheres no Facebook e da qual Bianca é uma das administradoras.

Ali discutem de assédio sexual nas igrejas ao Jesus com corpo de mulher que a Mangueira apresentou no Carnaval. A legenda "se esquivando do fanatismo religioso" acompanha uma foto de dois boxeadores. Outra imagem mostra o "T" da sigla LGBT como uma cruz tombada.

Quando uma participante compartilha reportagem sobre um projeto de lei aprovado em Utah (estado americano de maioria mórmon) para descriminalizar a poligamia, outra lamenta: "Péssimo, pois é poligamia para homens religiosos. Reduz os direitos das esposas, economicamente vulneráveis nessas comunidades".

Elas sabem que são minoria no segmento e também nas cercanias progressistas. Pesquisa Datafolha divulgada em abril de 2019 mostra que 32% das evangélicas se dizem feministas, ante 40% das católicas e 57% entre mulheres que não têm religião.

Um texto publicado originalmente por um site americano cristão dá uma boa síntese sobre a má vontade entre evangélicos com o movimento.

"A maioria das feministas não gostam muito do desígnio de Deus para os gêneros", diz o escrito replicado por projetos evangelizadores como o pró-abstinência sexual Eu Escolhi Esperar. "Não gostam da ideia de Eva ter sido criada como uma auxiliadora de Adão. Simplesmente não gostam dessas coisas."

Defesa do direito ao aborto ("homicídio do bebê") e "libertação completa de limites sexuais e morais" são outras bandeiras associadas ao feminismo e que seriam inaceitáveis para uma vida em cristandade.

Grandes igrejas também torcem o nariz para a causa, como na fala de Cristiane Cardoso transcrita no site da Universal, liderada por seu pai, o bispo Edir Macedo. Nossa singularidade como mulheres tem sido ofuscada pelas filosofias do feminismo e pela imoralidade que preenche todos os aspectos de nossa cultura".

À frente do Godllywood, Cristiane diz que esse projeto da igreja voltado a mulheres "foi feito para ser um refúgio das atitudes negativas e também um lugar onde a verdadeira feminilidade pode crescer através do ensinamento baseado nos mandamentos bíblicos".

Damares Alves, ministra de Mulher, Família e Direitos Humanos é pastora e declarou-se feminista em entrevista ao Estado de S. Paulo. Às "feministas que me criticam tanto", aconselhou: "Poderiam usar o meu exemplo na luta delas. Sou uma mulher que veio lá de baixo, não tinha nem sapato para ir à escola e hoje é uma ministra", disse em 2019.

Mas feministas cristãs não costumam se ver espelhadas na ministra. Entre os vídeos de Damares que resgastam, está um dela num culto de 2015: "Sabem por que [feministas] não gostam de homem? Porque são feias e nós somos lindas".

Para a teóloga Priscilla Ribeiro, "algumas pessoas entendem o termo 'feminista' de maneira equivocada, como se ele invocasse ódio aos homens, não a igualdade entre os gêneros".

E "não só homens, mas também mulheres já me silenciaram por defender pautas históricas do movimento", diz a fiel da Igreja Cristã Carioca.

Fundadora da EIG (Evangélicas pela Igualdade de Gênero), Valéria Vilhena, 49, sente o preconceito partir tanto das igrejas quanto da esquerda. "A pergunta que mais ouvimos: como assim, feministas e na religião do opressor?"

"Mas penso que as feministas, e os progressistas em geral, devem sempre lembrar que a religião é central na vida de muitas mulheres. Para nós, a Bíblia nos ajuda a resgatar a capacidade de indignação. Então, estigmatizar é cair na mesma armadilha do desconhecimento, inclusive histórico."

Muitas feministas eram cristãs, lembra Vilhena. "Uma das histórias que mais amo é a de Sojourner Truth, negra, pentecostal. Em 1851, a pastores que discutiam direitos das mulheres, conclamou: 'Pari 13 filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão. [...] Ninguém a não ser Jesus me ouviu. Se a primeira mulher que Deus fez foi forte o bastante para virar o mundo de cabeça para baixo, todas estas mulheres juntas aqui devem ser capazes de consertá-lo'."

A sanitarista Monique Rodrigues, 38, diz que a ponte entre Bíblia e feminismo sempre existiu. "Vejo Jesus Cristo de Nazaré que, fazendo frente à cultura de seu tempo, relacionou-se de forma horizontal com mulheres, como a mulher samaritana."

Ao contrário das outras, ela diz não se sentir discriminada pela esquerda, pois "as críticas se direcionam a uma igreja hegemônica que, infelizmente, existe como a antítese de Cristo. Mas é importante pontuar que não só na ala evangélica, mas em todas profissões de fé, existem grupos que se contrapõem ao que está posto, e eles precisam ter seus lugares de fala preservados nos meios progressistas".

Também não vale revestir o feminismo só com "capa esquerdista", diz a estudante Renata Silva, 21, da Assembleia de Deus. "A agenda foi sequestrada pela esquerda. Pra mim, é a grande cagada do feminismo, porque aliena várias mulheres que poderíamos agregar."

Ela mesma, autodeclarada conservadora, se vê como exceção. "Falar em direito da mulher engloba várias coisas. Tipo, eu posso discordar do aborto, e discordo, mas lutar com unhas e dentes pela Lei Maria da Penha. E unhas com esmalte, tá?" (O dela é rosa.)

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