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Amazônia apresenta maiores casos de queimadas nas primeiras semanas de junho desde 2007

Entrando em seu período mais seco, a Amazônia já tem as três primeiras semanas de junho com maior números de focos de incêndio desde 2007. Do início do ano até agora, os registros de queimadas também cresceram na maior parte dos estados do bioma, em comparação com 2019, ano marcado pelas queimadas que chamuscaram a imagem ambiental internacional do Brasil.

Em estudo feita pela ONG WWF-Brasil, o número de focos de incêndio no bioma nas primeiras semanas de junho está cerca de 50% acima da média dos dez anos anteriores

Entre o primeiro dia de junho e o dia 21, O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), por meio do Programa Queimadas, detectou 1.469 focos de incêndio na Amazônia. O valor é 30,5% maior do que o documentado no mesmo espaço de tempo em 2019 (1.125 focos).

Os incêndios estão concentrados principalmente em Mato Grosso e Pará, os dois estados que lideraram o ranking de desmatamento em 2018/2019. No último ano, a destruição da floresta bateu o recorde da década e superou a marca simbólica de 10.000 km² de mata devastada.

De acordo com análise feita pela ONG WWF-Brasil, o número de focos de incêndio no bioma nas primeiras semanas de junho está cerca de 50% acima da média dos dez anos anteriores (2010 a 2019).

"Esse mês já começa a refletir como vai ser a estação que está por vir", afirma Edegar de Oliveira, diretor de conservação e restauração da WWF-Brasil.

Além do aumento geral até aqui em junho, a maior parte dos estados que fazem parte da Amazônia legal teve crescimento no número de focos em relação ao ano anterior, inclusive os líderes de queimadas Mato Grosso e Pará.

Os maiores aumentos percentuais, contudo, ocorreram no Amazonas (52%), Acre (50%) e Amapá (75%, de 4 para 7 focos).

Como um todo, os estados de Maranhão e Tocantins (que possuem porções da floresta em seu território), apresentaram reduções de focos de incêndio de cerca de 34% e 20%, respectivamente.

A redução mais acentuada, sempre levando em conta somente o tempo transcorrido de 2020 até o momento, ocorreu em Roraima, com quase 3.000 focos de fogo a menos (diminuição de 64%).

Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), diz que ao olhar o bioma como um todo, há uma redução nos focos puxada por Roraima. Mas "Mato Grosso está maior, Pará está maior, Rondônia maior, Amazonas maior. Esses quatro estados representam grande parte do desmatamento na Amazônia".

Pesquisadores vinham alertando que as queimadas em 2020 poderiam ser ainda mais graves, considerando os níveis de desmatamento registrados em 2019 e os recordes mensais recentes de devastação da floresta documentados pelo Deter (programa do Inpe que indica desmatamento praticamente em tempo real para auxiliar operações de fiscalização e que pode ser usado para identificar tendências de aumento ou redução na destruição da floresta).

As queimadas e o desmate da Amazônia estão intimamente ligados. O fogo é usado para limpar as áreas anteriormente derrubadas.

Segundo nota técnica do Ipam, considerando a vegetação derrubada entre janeiro de 2019 e abril de 2020, ainda há 4.509 km² de mata derrubada para ser queimada -o que equivale a cerca de 45% do que foi desmatado no período (boa parte ainda em 2019).

A nota aponta alguns pontos críticos que podem sofrer com as queimadas por terem vegetação derrubada ainda não incendiada. No Pará, eles são: arco que liga a região de Altamira e São Félix do Xingu, principalmente as terras indígenas Itauna-Itatá, Apiterewa e Trincheira-Bacajá, além da Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu; rodovia Transamazônica no trecho entre Altamira e Rurópolis, destacando-se a Terra Indígena Cachoeira Seca; região de Novo Progresso e Castelo dos Sonhos, principalmente a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim; e região do Baixo Amazonas.

Em Mato Grosso, os pontos críticos estão em Colniza, Cotriguaçu, Aripuanã, Apiacás; e nas regiões a oeste do Parque Indígena do Xingu, além da região de Marcelândia e União do Sul.

A preocupação dos especialistas não está somente nas queimadas, mas no efeito delas na saúde da população amazônica.

"O que também nos preocupa é o casamento da Covid com as queimadas. Quando você tem muita queimada, isso gera um impacto na saúde pública da região. Aliado à Covid, é tenebroso para a população", diz Oliveira.

Um informe técnico da Fiocruz, através do Observatório de Clima e Saúde, do ano passado constatou aumento de internações de crianças por causa de problemas respiratórios nas regiões com maiores concentrações de queimadas.

A fumaça das queimadas, segundo os autores do informe, pode agravar quadros de cardiopatia, inflamação das vias aéreas, inflamação sistêmica, coagulação, alteração no sistema nervoso, entre outros.

"A área do Arco do Desmatamento concentra a maior parte dos focos de queimadas e também as maiores taxas de internação por doenças respiratórias da região amazônica. Somente em maio e junho de 2019 foram registradas nesta área cerca de 5.000 internações de crianças por mês, o dobro do valor esperado", afirma a nota da Fiocruz.

Com isso, a ocorrência das queimadas junto à pandemia de Covid-19 na região amazônica poderia provocar uma "tempestade perfeita" e causar ainda mais mortes, segundo nota técnica do Ipam.

O governo Jair Bolsonaro (sem partido) vem sendo cobrado no cenário internacional por sua política ambiental.

Recentemente, membros do Parlamento Europeu que representam os quatro maiores grupos políticos da instituição e que fazem parte dos comitês que tratam de agricultura e comércio exterior, nos quais têm sido discutidas novas regras para acordos comerciais como o negociado com o Mercosul, enviaram uma carta para os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O documento pede ação do Congresso para "manter a estrutura legal necessária para proteger as florestas brasileiras e os direitos indígenas".

"Ficamos preocupados ao ouvir os comentários recentes feitos pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, estimulando o governo a pressionar pela desregulamentação da política ambiental, como testemunhado em um vídeo divulgado pela Suprema Corte", diz a carta.

A política ambiental de Bolsonaro e Salles e os recordes de destruição da Amazônia desagradam a instituições que fazem negócios com o Brasil, o que pode trazer prejuízo econômico ao país.

Na segunda (22), fundos de investimento e de pensão que juntos administram certa US$ 4,1 trilhões (R$ 21,6 trilhões) enviaram uma carta aberta a sete embaixadas brasileiras na Europa, no Japão e nos Estados Unidos pedindo uma reunião para discutir o desmatamento na Amazônia.

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