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Restaurante paraense Lá em Casa fecha as portas

Josimar Melo (Folhapress)

Com um comunicado divulgado nesta quarta (24), a família Martins, de Belém do Pará, anunciou o fechamento do restaurante Lá em Casa, que durante 49 anos foi um arauto da cozinha paraense com fama internacional. "Tentamos muito resistir, mas a situação pela qual o país passa e as incertezas do futuro, em decorrência da Covid-19, não nos permitiram continuar", diz a nota. Os produtos -pratos e ingredientes com a marca- seguem disponíveis em @epralevar e @maniocabrasil.

Quando o Lá em Casa nasceu, em 1972, a cozinha amazonense era pouco conhecida mesmo nas capitais do Brasil, embora o bioma ocupe metade do território nacional e seja uma reserva simbólica de tradições anteriores à colonização europeia. Fundador do Lá em Casa com sua mãe -Anna Maria Martins, no porão da casa da família-, o arquiteto Paulo Martins tornou-se um incansável divulgador desta culinária.

Nos anos 1990, eu organizava em São Paulo um evento chamado Boa Mesa, com grandes chefs do Brasil e do mundo, e a cada ano convidava Martins para apresentar sua culinária. Enquanto as salas com chefs franceses ou italianos se atulhavam de público, a da cozinha da Amazônia ficava quase vazia. Ainda assim, no ano seguinte eu novamente contratava (e pagava) o chef para divulgar sua cozinha, o que ele fazia com maestria: cobria a mesa com verduras e frutas nativas de sua terra, cozinhava, dava provas ao pequeno público.

Na mesma época, Martins era o motor por trás de eventos em que recebia gente do Brasil e do mundo, como o Ver-o-Peso da Cozinha Paraense; participava de festivais e seminários pelo Brasil e pelo mundo; e colocou seu restaurante, e o Pará, nas páginas da grande imprensa internacional. Com o tempo, ao lado dos pratos regionais tradicionais (pato no tucupi, maniçoba, pirarucu com açaí), ele adicionou ao cardápio variações de sua criação, como pupunha com recheio de queijo roquefort, arroz de jambu, arroz de tacacá, camarão rosa com creme de bacuri, pirarucu fresco com massa negra, pato no tucupi desfiado com arroz de tucupi e jambu com farinha d'água.
Paulo Martins morreu prematuramente em 2010, aos 64 anos. A família manteve o restaurante, que passou a ser tocado pela viúva, Tania, e pelas filhas, Joanna e a chef Daniela.

Há mais de dez anos o Lá em Casa deixara seu endereço tradicional, mantendo o que era a filial num espaço ambicioso, a Estação das Docas, com vista para a baía do Guajará. A área enorme e o serviço self-service não tinham a ambiência "lá em casa" de quando ficava literalmente no porão da casa da família. Ao mesmo tempo, outros chefs e restaurantes começaram a despontar com excelência na região, como fruto direto do vigor que a família Martins imprimira ao cenário gastronômico local.

Em meio século, o Lá em Casa impulsionou a cozinha paraense no tabuleiro da gastronomia do Brasil e do mundo. Agora se vê abatido pelo cenário de pandemia, agravado por um governo que vitima brasileiros e mira a natureza e os povos da Amazônia, cuja cultura tão bem o Lá em Casa representou.

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