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Cortes diminuem bolsas de pesquisa e prejudicam publicações científicas

Por: Samuel Fernandes

A redução de investimentos para a ciência no Brasil já dificulta o trabalho de pesquisadores e universidades do país -e a tendência é piorar nos próximos anos.

Dados da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), por exemplo, mostram que a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) perderam aproximadamente 51% da verba para financiar pesquisas nos últimos dez anos.

A falta de recursos, no entanto, pode ser ainda mais aguda em 2022. As estimativas da diminuição para este ano, feitas pela entidade, ainda não consideravam os recentes cortes que o governo Bolsonaro anunciou -só no Ministério da Educação, ao qual a Capes é vinculada, a diminuição do orçamento chegou R$ 802,6 milhões.

No Brasil, grande parte da produção científica é feita em programas de pós-graduação que têm como principais fontes de financiamento aos estudantes as bolsas de estudo. Para mestrado, o valor mensal no nível federal é de R$ 1.500, enquanto no doutorado salta para R$ 2.200.

Uma das mais importantes universidades do país, a UFRJ teve diminuição de bolsas principalmente no pós-doutorado -estágios de pesquisa com pagamento mensal de R$ 4.100 ou R$ 4.400. Segundo dados da entidade, houve uma redução de aproximadamente 39% nessa categoria de bolsa entre 2015 e 2020.

Denise Pires, reitora da universidade, explica que a instituição não teve grandes reduções no custeio de mestrado e doutorado, porque seus programas são considerados de excelência na avaliação da Capes.

Em outras instituições, porém, ela explica, cursos com avaliações mais baixas tendem a sofrer mais cortes. Essa redução é preocupante, avalia Pires, porque afeta cursos que são mais novos e em universidades que ainda precisam consolidar suas frentes de pesquisas, principalmente nas regiões Nordeste e Norte.

Assim, ela ressalta, diminuir o financiamento pode travar o desenvolvimento e o potencial de inovação dessas partes do país.

Outra universidade que relata problemas é a UnB (Universidade de Brasília). Segundo Maria Emília Walter, decana de pesquisa e inovação da universidade, a instituição já teve cerca de mil bolsas cortadas nos últimos anos, mesmo em cursos com avaliações de excelência.

"A gente tem programa que teve redução de bolsas da pós-graduação em até 50%", diz.
Além da diminuição das bolsas, outra preocupação que atinge a pós-graduação nacional é a demora da avaliação quadrienal da Capes. É por meio dessa análise que os cursos são qualificados por diversos critérios de excelência, como quantidade e qualidade das publicações científicas.

Em setembro de 2021, a avaliação foi suspensa em caráter liminar pela Justiça Federal. Segundo informações da Capes, o processo só foi retomado em 2 de dezembro. A situação "provocou a necessidade de adiamento do cronograma da avaliação", afirmou a autarquia em nota à reportagem.

Atualmente, a estimativa é que os resultados finais da avaliação sejam divulgados somente em dezembro de 2022.

O atraso nesse processo dificulta, por exemplo, que os programas de pós-graduação consigam estimar quantas bolsas terão disponíveis para os estudantes, além de atingir um modelo reconhecido por consolidar a pesquisa nas universidades.

"Ao paralisar a avaliação da Capes você paralisa o sistema nacional inteiro de pós-graduação, porque você interrompe as bolsas, financiamento a congressos, incentivos a intercâmbios. Você paralisa a prática científica, basicamente" afirma Mariana Chaguri, professora do departamento de sociologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Em relação a bolsas, a Capes informou que "tem ampliado o apoio à pesquisa e formação de recursos humanos", como por meio dos "programas de combate à Covid-19, com 2.600 bolsas, de desenvolvimento da pós-graduação nos estados, com 1.800 bolsas, e na Amazônia Legal, com 488 bolsas".

Já o CNPq, em nota, afirmou que "a partir de 2011, com a criação do Programa Ciência sem Fronteiras, houve um aporte extra no orçamento do CNPq destinado às bolsas concedidas no âmbito dessa ação". "Assim, na medida em que a vigência das bolsas do Programa foi acabando, o orçamento voltou aos patamares anteriores, visto que não houve continuidade da iniciativa", disse ainda.

Outro dilema que preocupa os cientistas brasileiros é a falta de financiamento para periódicos científicos.

"Quando a produção [científica] brasileira não tem tantos canais para ser escoada, isso impacta na competitividade [com outros países]. Também há efeitos no impacto público, porque as descobertas científicas não conseguem circular", afirma Chaguri.

Segundo o CNPq, em 2018 houve uma chamada pública do programa editorial voltado para financiamento dos periódicos no valor de R$ 4 milhões, contando também com recursos da Capes. Já em 2019, o investimento diminuiu para R$ 1 milhão e meio.

Em 2020, não houve publicação de edital e, em 2021, o órgão retomou com investimento total de R$ 3 milhões -é esperado que os recursos sejam disponibilizados em 2022.

Mesmo assim, revistas científicas já indicam que a verba é pequena frente às necessidades das publicações. Algumas, por exemplo, passaram a cobrar as chamadas APC (sigla em inglês para taxas para processamento de artigos), para cobrir os custos de produção. Esses valores são pagos às publicações no momento em que um pesquisador submete um artigo ou quando ele é aprovado.

Um desses casos é a Revista de Sociologia e Política, que passou a recolher em 2021 uma taxa de aproximadamente R$ 1.500 dos autores com textos aprovados para publicação.

"Nós nos vimos diante de duas alternativas: ou os autores pagam pela edição do seu artigo ou a revista acaba", afirma Adriano Condato, editor-chefe da publicação.

A publicação foi aprovada no último edital do CNPq com aporte de R$ 12 mil para 2022, mas isso não cobre os gastos, que giram em torno de R$ 40 mil por ano.

Outro exemplo é a Brazilian Political Science Review, que adotou a cobrança de taxa em 2020. "Depois de perder vários financiamentos públicos, foi necessário tomar a medida para não fechar as portas", explica Adrian Lavalle, editor-chefe do periódico.

Ele afirma que as políticas de financiamento de periódicos sempre foram deficitárias. Lavalle ressalta que uma das exigências do edital do CNPq é que a revista seja indexada ao Scielo, plataforma de livre acesso a artigos científicos.

"A esmagadora maioria dos periódicos do país não está na coleção Scielo. São [revistas] departamentais e publicadas em situações precárias", diz. "O financiamento público nunca ajudou esses periódicos. Não há uma política universal de periódicos no Brasil", explica.

Para Luiz Campos, representante da coleção de humanidades do Scielo, "o aumento de APC entre publicações científicas pode ser um indicativo dos problemas que esses periódicos passam nos últimos anos".

"[A cobrança de taxas] é um movimento que está se tornando mais rápido [no país] por causa da crise. Hoje em dia, uma revista que não tem recursos públicos tem muito poucos meios para se manter", diz.

As consequências já aparecem em dados da plataforma Scielo: houve redução de 18% entre 2020 e 2021 no número de artigos dos periódicos indexados, maior diminuição anual vista desde 2001.

À reportagem, o CNPq informou que o aporte de 2021 para o "programa editorial possuiu um crescimento substancial em relação à última chamada pública", mesmo em um ano com "constrição orçamentária".

O órgão também indicou que "para 2022, caso sejam repassados os recursos do FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], será possível aumentar o aporte de recursos em uma nova chamada''.

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