Cerca de 1/5 dos répteis do mundo correm risco de extinção

Por: Reinaldo José Lopes

Pouco mais de um quinto dos répteis existentes hoje corre risco de desaparecer, indica a primeira análise com abrangência global sobre o tema. O estudo, que avaliou cerca de 10 mil espécies (quase a totalidade dos animais do grupo), traz, ao menos, uma boa notícia: não vai ser preciso pensar em áreas de proteção exclusivas para eles na hora de tentar reverter essa situação. As reservas criadas para proteger mamíferos, aves e outros vertebrados provavelmente também são suficientes para evitar a extinção da maioria dos répteis.

Os dados acabam de sair em artigo na revista científica Nature. O trabalho é assinado por uma equipe internacional com dezenas de cientistas, dos quais três brasileiros: Marcio Martins e Cristiano de Campos Nogueira, ambos do Departamento de Ecologia da USP, e Guarino Colli, do Departamento de Zoologia da UnB (Universidade de Brasília).

Entre os vertebrados terrestres, os répteis acabaram ficando por último nesse tipo de levantamento abrangente -dados semelhantes sobre aves, mamíferos e até anfíbios já estavam disponíveis havia mais de uma década. E o motivo para a demora não é nada surpreendente.

"Foi falta de dinheiro mesmo", resumiu Martins em entrevista à Folha. Embora houvesse planos para dar início à iniciativa desde 2004, o trabalho acabou se arrastando pelas dificuldades de financiamento, que acabaram atrapalhando o intenso trabalho de oficinas com especialistas necessário para reunir os dados (no total, foram 48 encontros, com participação de quase mil pesquisadores).

Por sorte, o Brasil já tinha feito sua lição de casa por conta própria em 2014, analisando a situação de conservação das suas cerca de 800 espécies nativas de répteis. "Está para sair uma nova lista brasileira, mas que não muda praticamente nada em relação à anterior", conta o pesquisador da USP.

Das 10.196 espécies analisadas, 21,1% se encaixam em alguma das três categorias de risco de extinção (vulnerável, ameaçada ou criticamente ameaçada). A situação do grupo é menos grave do que a dos anfíbios e mamíferos, mas mais preocupante que a das aves (veja infográfico). As espécies brasileiras estão, em geral, dentro da média mundial no que diz respeito ao risco de extinção, enquanto o Sudeste Asiático, a África Ocidental e o Caribe estão entre as regiões com maior proporção de répteis ameaçados.

Antes que o levantamento fosse feito, havia a suspeita de que as espécies em risco fossem particularmente comuns em ambientes mais áridos e abertos, dos desertos às savanas.
"Existem vários répteis muito especializados à vida nesses habitats, e essa especialização, em tese, aumenta a vulnerabilidade a extinções. Mas o que acontece é que, na verdade, muitas dessas regiões mais áridas foram menos afetadas pela pressão humana. Ao mesmo tempo, as florestas tropicais têm sido muito esculhambadas, e é nelas que se concentram os répteis ameaçados." No caso brasileiro, isso é especialmente verdade na Mata Atlântica e, cada vez mais, na Amazônia.

Levando isso em conta, a perda de habitats florestais por causa da expansão agrícola, do avanço das áreas urbanas e da exploração madeireira encabeça a lista de ameaças. Em seguida vêm a ação de espécies invasoras e a caça.

Esse último perigo pode adquirir diferentes contornos. No Brasil, um caso emblemático, segundo Martins, é a jararaca-ilhoa (Bothrops insularis), serpente adaptada à vida nas árvores que existe apenas numa ilha do litoral de São Paulo (conforme sugere tanto o seu nome popular quanto sua designação científica).

Tudo indica que o animal perdeu metade de sua população nas últimas décadas, ao menos em parte por causa do comércio ilegal de animais de estimação. Os répteis mais ameaçados, porém, são as tartarugas, jacarés e crocodilos, em especial por causa do consumo culinário. Quase 60% dos chamados Testudines (tartarugas, jabutis e cágados) e metade dos Crocodylia (jacarés, crocodilos e gaviais) correm risco de desaparecer.

Apesar de tudo, o fato de que existe uma boa sobreposição entre as áreas que abrigam répteis em risco e as que têm outros vertebrados terrestre na mesma situação traz algum alento.

"Havia o temor de que a gente precisasse correr atrás do prejuízo, pelo fato de ainda não haver a mesma avaliação que foi feita para os outros grupos. Mas, ao que tudo indica, é possível proteger razoavelmente bem todos eles nas mesmas unidades de conservação", pondera Martins.