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Fóssil de suposto pterossauro 'perde asas' e vira duas espécies

Por: Reinaldo José Lopes

Pesquisadores brasileiros podem ter elucidado um estranho caso de troca de identidades que remonta a 225 milhões de anos atrás, no começo da Era dos Dinossauros. Segundo os cientistas, fósseis do Rio Grande do Sul originalmente classificados como um dos mais antigos répteis voadores do mundo na verdade correspondem a animais terrestres -e a duas espécies diferentes.

"É um bom exemplo de como a ciência funciona -as conclusões de qualquer estudo são provisórias e podem ser revisadas", diz a paleontóloga Marina Bento Soares, do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Ela assina tanto a nova pesquisa sobre os fósseis quanto o trabalho original, de 2010, no qual o animal conhecido como Faxinalipterus minimus foi apresentado à comunidade científica. O sufixo "pterus" do nome oficial vem do termo grego para "asa" e indicava que a espécie seria um pterossauro, ou réptil alado.

O nome continua valendo, mas a análise mais apurada dos ossos fossilizados, que acaba de sair na revista científica PeerJ, indica que os restos anteriormente atribuídos ao pterossauro incluem ainda outra espécie, que os paleontólogos batizaram de Maehary bonapartei.

Nenhum dos bichos seria capaz de sair batendo asas pelos céus do período Triássico, quando viveram, mas ambos fariam parte da linhagem mais ampla de répteis da qual brotou o ramo dos pterossauros.

Ao lado de Soares, também participam do estudo Alexander Kellner, atual diretor do Museu Nacional, e Rodrigo Temp Müller, da Universidade Federal de Santa Maria, além de pesquisadores de outras instituições no Brasil e no exterior.

Os fósseis originalmente descritos como o pterossauro F. minimus foram achados em rochas do município de Faxinal do Soturno (RS) que se revelaram uma das mais ricas jazidas que documentam o princípio da Era dos Dinossauros. Na época, os paleontólogos gaúchos estavam colaborando com o renomado pesquisador argentino José Fernando Bonaparte, morto em 2020.

Acontece, porém, que os ossos atribuídos ao bicho foram encontrados em duas ocasiões diferentes. Primeiro vieram os fósseis pós-cranianos (ou seja, do pescoço para baixo do animal), como fragmentos dos membros, e depois um pedaço da maxila esquerda.

"A maxila tinha uma característica muito chamativa: os dentes eram muito espaçados entre si, fininhos e pontiagudos. E isso era uma característica bem marcante de pterossauros do Triássico, como algumas espécies dos Alpes, da Itália e da Áustria", conta Soares, que na época trabalhava na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Isso levou o argentino Bonaparte, que capitaneava o trabalho na época, a bater o martelo e classificar o animal como um réptil alado.

Restava uma pulga atrás da orelha, porém -o fato de que não era possível ter certeza de que a maxila e os outros ossos de fato pertenciam ao mesmo bicho. Além disso, já em 2010, após a publicação original da descrição do Faxinalipterus, Alexander Kellner, um dos principais especialistas em pterossauros do mundo, analisou os achados e não se convenceu de que os fósseis correspondiam mesmo a um réptil alado.

Os fósseis foram emprestados ao Museu Nacional para que Kellner e outros colaboradores os reexaminassem, e estavam na instituição quando o grande incêndio de setembro de 2018 destruiu boa parte de seu acervo. "Parte do material do Faxinalipterus sobreviveu ao incêndio, mas o estado de conservação atual infelizmente nem se compara ao que era antes", lamenta a paleontóloga.

Boa parte da reanálise, no entanto, já estava feita. Foi então que os pesquisadores ficaram sabendo que outros fósseis tinham sido achados nas mesmas rochas gaúchas, com características muito semelhantes às da maxila de 2010.

E dados obtidos a partir de tomografias computadorizadas tinham mostrado que os dentes "separados", supostamente "de pterossauro", não passavam de ilusão: na verdade, a maxila tinha vários alvéolos (os espaços de inserção dentária) que haviam perdido seus dentes durante o processo de decomposição e fossilização do animal.

Esses dados, somados a uma nova análise dos elementos pós-cranianos, levaram ao desmembramento dos fósseis em duas espécies diferentes: de um lado, o Maehary bonapartei, representado principalmente pela maxila e outros pedaços do crânio, e de outro o Faxinalipterus, correspondendo aos ossos dos membros.

Comparações da anatomia desses ossos com a de outros répteis do período indicam que ambos os animais seriam primos dos pterossauros, mas sem nenhuma adaptação associada ao voo, ou mesmo à capacidade de planar.

O parentesco, no entanto, é suficientemente próximo para motivar Kellner a continuar a busca pelos primeiros répteis alados ou seus ancestrais diretos na mesma região. A tarefa é complicada, já que o registro fóssil ainda não revelou os detalhes dessa transição evolutiva entre a terra e os ares.

"Eu escrevi num dos meus livros que um dos meus sonhos é achar um réptil que está morrendo de vontade de se transformar em pterossauro", brinca ele. "As rochas do Rio Grande do Sul são um lugar excelente para isso."

De fato, o local também é importante para documentar a diversificação inicial de uma série de outros grupos aparentados de répteis, como os próprios dinossauros.

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