Coluna Magnavita: A resposta da CNC ao nosso Editorial

Razões para abrir a caixa preta da Confederação do Comercio

Por Cláudio Magnavita*

Uma das tradições do Correio da Manhã nestes seus 118 anos de história sempre foi o de ouvir a outra parte e garantir o direito resposta e ao contraditório. Na edição de ontem publicamos um editorial sobre o papel de vilão da Confederação Nacional do Comércio (CNC) ao implodir a fonte de recurso da nova Embratur. Divulgamos na integra o texto enviado pela sua assessoria de imprensa e, no final, fizemos algumas considerações e elencamos fatos que reafirmam a nossa posição original.

É a seguinte a nota da Confederação Nacional do Comercio:
“Sr. Editor,
Sobre editorial de autoria publicado nesta quarta-feira (29), no jornal Correio da Manhã, com o título “A CNC implode o caixa da nova Embratur”, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) solicita a publicação, como esclarecimento, do posicionamento abaixo:
1) Ao contrário do que afirma o editorial, a CNC, as Federações Nacionais e Estaduais que integram o Sistema Comércio, junto com o Sesc e o Senac, estão fazendo uma grande mobilização em todo o Brasil para orientar e defender os empresários do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, prevenir a propagação da covid-19 entre a população e ajudar o País a superar este momento sem precedentes que estamos vivendo. E tudo isto, apesar do corte de 50% determinado pelo governo na arrecadação do Sistema S, durante três meses, que também inclui, sim, o Sesc e o Senac, medida que terá profundo impacto na atuação das duas instituições, historicamente associadas ao desenvolvimento do Turismo brasileiro, assim como a própria CNC.

2) No que diz respeito à decisão do Parlamento de impedir o corte de 4% nos recursos do Sesc e do Senac, conforme cita o editorial, é importante deixar claro que todos os argumentos da Confederação aos parlamentares estiveram concentrados, exatamente, na defesa do turismo e dos serviços sociais prestados em todo o País pelo Sesc e Senac, inclusive em localidades carentes de ações públicas.
3) Seguem alguns dos pontos apresentados:
- Se confirmado, o corte de 4% nos recursos geraria um verdadeiro retrocesso social, com consequências negativas sobre o desenvolvimento nacional;
- As contribuições devidas aos serviços sociais autônomos não integram o orçamento da União Federal. De acordo com o art. 165, § 5o, da CF, a lei orçamentária anual compreende os orçamentos da União, de seus órgãos e entidades da administração direta e indireta, das empresas em que a União detenha a maioria do capital social e o orçamento da seguridade social. Os serviços sociais autônomos são pessoas jurídicas de direito privado e não integram a administração pública. Conforme entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal (STF), quando as receitas das contribuições são repassadas, pelo órgão arrecadador (antes INSS, atualmente RFB), às entidades do Sistema “S”, tais verbas perdem o caráter de recurso público e passam a se submeter à gestão autônoma e privada dos serviços sociais. A passagem dos recursos pela Receita Federal do Brasil é meramente procedimental, o produto da arrecadação não integra o orçamento da União em nenhum momento. Portanto, não seria possível, segundo a lógica constitucional (art. 165, § 5o c/c art. 240, CF), desviar os recursos destinados aos serviços sociais autônomos e privados para incorporar ao orçamento da União Federal;
- Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), os atendimentos prestados pelos serviços sociais autônomos são direitos universais do trabalhador, que têm amparo no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1o, inc. III, da CF), na redução das desigualdades sociais (art. 3o, inc. III, da CF), nos direitos sociais previstos nos artigos 6o e 7o da CF e na valorização do trabalho humano (art. 170 da CF);
- Além disso, a possibilidade de retirar recursos de instituições como o Sesc e o Senac, que realizam um trabalho de comprovada e reconhecida qualidade não somente na educação profissional e qualificação técnica dos trabalhadores, bem como na oferta e promoção do turismo para milhões de brasileiros, é um retrocesso aos direitos dos trabalhadores do Comércio de Bens, Serviços e Turismo e seus familiares;
- O corte nos recursos dos serviços sociais autônomos do comércio prejudicará milhões de atendimentos oferecidos à população nas áreas de saúde, educação, assistência, cultura, lazer e profissionalização. Ou seja, as consequências serão sofridas pelos trabalhadores dos diversos segmentos econômicos e pessoas que mais necessitam da garantia do acesso aos serviços básicos e fundamentais, previstos em nossa Constituição da República;
- Tanto o Sesc quanto o Senac exercem um papel fundamental no desenvolvimento do Turismo no País. O Sesc valoriza o Turismo Social - uma atividade democrática essencial para o lazer e a formação cultural do cidadão. Em prol do bem-estar social de sua clientela, o Sesc desenvolve atividades turísticas desde a sua fundação, em 1946, e atualmente alcança mais de 2 mil municípios, com 591 unidades fixas e 151 unidades móveis;
- Já o Senac, desde 1946, é o principal agente de educação profissional voltado para o Comércio de Bens, Serviços e Turismo do País. Presente em mais de 1.800 municípios, de norte a sul do Brasil, onde mantém infraestrutura de ponta composta por mais de 600 unidades escolares fixas, além de empresas pedagógicas e 85 unidades móveis.
Por fim, para o acompanhamento e a verificação das ações que a CNC, as Federações, o Sesc e o Senac vêm realizando em todo o Brasil, sugerimos a visita ao site afavordobrasil.cnc.org.br.”

NOTA DA REDAÇÃO

Os argumentos apresentados pela CNC confirmam o nosso ponto de vista original. Há pelo menos duas décadas, a Confederação Nacional do Comércio trava com a Confederação Nacional de Turismo uma batalha para se confirmar a sua representação em terceiro grau.

Derrotada na Justiça, em todas as instâncias, a entidade teria agora, como mantenedora da Embratur, a chance de resgatar um histórico de omissão na sua relação com o setor do turismo, uma ínfima parte do que o Sebrae realmente faz, que sempre se limitou, a exemplo da nota acima, a contribuir dentro de sua própria bolha. Na pratica concorre com a sua rede de hotéis sociais e escola com a hotelaria instalada, o que é aplicado no turismo social, uma ínfima parte dos altos salários que recheiam a folha do sistema Sesc e Senac, além do serviço de aprendizagem ter se transformado em um dos maiores negócios educacionais do país e de possuir uma editora altamente lucrativa.

Neste cenário turvo, estão os convênios realizados com dinheiro federal oriundo do antigo Ministério do Trabalho para cursos de capacitação de curtíssima duração. Uma verdadeira fabrica de mão-de-obra fantasiosamente capacitada.

O culto a um modelo construído com princípios dos anos 40 não reflete a necessidade atual da industria do turismo. Ao longo dos anos, o sistema que esta dentro do guarda-chuva da CNC se transformou em um dos maiores aplicadores de valores no mercado financeiro e também em um grande investidor imobiliário, aliás de onde vem parte da receita extra da entidade.

O que assistimos nos Estados é a reedição do modelo nacional. No Rio, em Minas e outras unidades federativas, o sistema apodreceu. Nada fazem pelo turismo e desenvolveram um sistema de financiamento de campanha, através de emissão de letras ao portador ou ainda a compra de silêncio de parte da mídia por aportes desproporcionais de recursos.

Qualquer tentativa de mudar o sistema é rechaçada e os seus audazes dirigentes são jogados no limbo. No turismo, temos o caso heróico de Norton Lenhart, que presidiu a Federação Brasileira de Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares, também diretor da CNC e do seu Conselho de Turismo, que teve uma atuação memorável na elaboração e aprovação da Lei Geral do Turismo.

Foi um hiato que assistimos numa CNC atuante e compreendendo o seu papel de liderança empresarial, além de contribuir com uma infraestrutura necessária para as reuniões e mobilização. A aprovação da lei foi um sucesso. Neste caso raro, a assessoria legislativa e os parlamentares que são apoiados pela confederação e seus braços regionais votaram a favor do turismo.

Bem diferente do que ocorreu na ultima segunda-feira, quando toda a máquina jogou contra a viabilização de uma conquista histórica para turismo.

Sabem o que ocorreu com o briguento gaúcho Lenhart, que constantemente desafiava a cúpula anciã da entidade? Foi defenestrado. Ele queria mudar e eles só queriam dirigentes que lhe dissessem amém. O medo de criar uma nova cobra é tão grande que, na longa nota de resposta da CNC, não há uma única linha sobre o Conselho Empresarial e nem sobre as federações nacionais ligadas ao setor. Conselho aliás, criticado por tentar algumas vezes ser uma força paralela ao Conselho Nacional de Turismo do Ministério do Turismo.

A CNC parte agora para um projeto político maior, construir a própria banca e incentivar que dos seus quadros saiam parlamentares e até postulantes dos executivos. No Paraná, o vice-governador é Darci Piana, ex-presidente da Fecomércio. Em Sergipe, também a mistura, o deputado federal Laércio Oliveira comanda a unidade sergipana.

No Rio, a superexposição pessoal do presidente Antônio Florêncio de Queiroz em uma campanha publicitária milionária, para alguns na mira nas eleições de 2022, reativando o seu DNA eleitoral, já que seu pai homônimo foi deputado federal por quatro legislaturas pelo Rio Grande do Norte.

Durante anos, a CNC foi presidida pelo senador Jessé Pinto Freire e o seu sucessor, Antonio Oliveira Santos, preferiu contratar a peso de ouro ex-ministros e senadores para a sua assessoria, como Ernane Galvêas, José Aparecido de Oliveira ou Bernardo Cabral.

A insensibilidade da CNC com os assuntos nacionais, e não apenas do turismo, se traduzem em um paradoxo: a entidade é presidida hoje por um amazonense, José Roberto Tadros, exatamente no estado que mais está sofrendo a Covid-19 e a entidade mão move uma palha para socorrer a unidade federativa do seu dirigente maior. Para mobilizar as forças políticas, para defender o seu quinhão, a CNC funciona bem. Já para ajudar os conterrâneos que padecem, nem uma vírgula. É por isso que o ministro Paulo Guedes está correto. Está na hora de abrir a caixa preta do sistema S e este trabalho de lupa deve começar pela Confederação Nacional do Comércio.

*Cláudio Magnavita é diretor de redação do Correio da Manhã