Coluna Magnavita: Os problemas do caçula do STF. A fase lobista do hoje ministro do Supremo, segundo a Folha

“Acho que finalmente vai tirar essa porcaria aí do seu caminho", afirmou Alexandre de Moraes a um desembargador, atuando indevidamente como advogado informal

Por Cláudio Magnavita

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre Moraes, que questiona a nomeação de diretor da Polícia Federal, por eventual falha de impessoalidade, foi gravado numa aparente ação entre amigos pela Polícia Federal, ao atender um desembargador amigo diante de julgamento no STF. Intercepção telefônica feita pela Polícia Federal e obtida pela Folha mostra como o hoje ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), quando era secretário de Segurança Pública no Estado de São Paulo.

Moraes dá dicas ao investigado para, no julgamento, escolher dia de folga do então ministro do STF, Joaquim Barbosa, para que a decisão ficasse a critério do também ministro Ricardo Lewandowski.

A conversa entre Alexandre Moraes, travada em novembro de 2015, o mostra como um eventual advogado informal do desembargador Alexandre Victor de Carvalho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, fato que é considerado crime por quem está exercendo função pública. O desembargador Carvalho era questionado judicialmente em um processo por ter empregado em seu gabinete uma funcionária que não exercia ali suas funções. Segundo a PF, havia a suspeita de que a servidora devolvia parte do salário para o magistrado, a popularmente conhecida "rachadinha".

O caso já era parcialmente conhecido, mas o jornal Folha de S. Paulo trouxe agora detalhes da gravação feita pela PF, com autorização do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A proximidade de relacionamento entre o hoje ministro do STF e o desembargador é notável pelo linguajar usado na conversa entre os dois, depois de comentário amistoso sobre futebol. “Acho que finalmente vai tirar essa porcaria aí do seu caminho, encheção de saco, porque é uma encheção de saco”, diz o então secretário de SP ao desembargador de Minas.

O exercício da advocacia é incompatível com a chefia de órgãos públicos, cabendo, em caso de descumprimento da regra, a abertura de procedimento disciplinar na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e de processo criminal por exercício irregular da profissão, segundo a lei. Procurado pela Folha de S. Paulo, Alexandre de Moraes não se manifestou sobre o assunto. Sobre seu envolvimento com a contratação suspeita de funcionária, o desembargador alegou na ocasião que ela trabalhava no gabinete de seu pai, o também desembargador Orlando Adão de Carvalho, com quem teria feito uma permuta informal. O TJ-MG inocentou Carvalho, mas o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu continuidade ao caso.

A relação entre os dois, frente ao caso de advocacia, é anterior à posse de Alexandre de Moraes no governo Geraldo Alckmin (PSDB). Moraes havia pedido, em 2004, liminar ao Supremo, com sucesso, para evitar o avanço do processo no CNJ. Sua estratégia: aguardar o então presidente do STF, Joaquim Barbosa, tirar folga para, em seguida, despachar com o vice, Ricardo Lewandowski.

Moraes tinha consciência dos problemas de fazer advocacia, enquanto já era Secretário de Seguraça Pública, em São Paulo. Ele informa ao desembargador que, por estar licenciado da advocacia, não poderia participar do julgamento e fazer a sustentação oral. Por isso, explica ter dado as orientações a respeito a um outro advogado.

Depois de avaliar as posições de Joaquim Barbosa e Lewandowski, falar que iria trocar ideia sobre o asunto com o ministro Gilmar Mendes, o atual ministro do STF oferece outra dica para o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sugerindo que ele tentasse alguma aproximação com Cármen Lúcia, outra integrante da turma que o iria julgar, por ela também ser de Minas. “Então, a Cármen é daí, né, meu? Se você tiver alguém pra só lembrar ela, não é ruim.”

Em determinado trecho da gravação, Alexandre de Moraes, afirma, aparentemente entusiasmado. "Quero começar fazer campanha pra você (Alexandre Victor de Carvalho) pro STJ, pô!"

A Segunda Turma julgou o caso dias depois, decidindo arquivar a reclamação contra Carvalho.

Transcrição da conversa, publicada originalmente na Folha de S. Paulo, em reportagem de Fábio Fabrini e Camila Mattoso.

Secretária: Segurança Pública, Carla, boa tarde!
Alexandre Victor de Carvalho: Boa tarde, Carla. Quem fala é aqui de Belo Horizonte. É o desembargador Alexandre de Carvalho. Tenho vontade de falar com o secretário Alexandre de Moraes... me ligou
Secretária: Sim, sim. Só um momento, eu vou passar
Carvalho: Obrigado

(Música de espera)

Alexandre de Moraes: Alô!
Carvalho: Oi, Alexandre, tá bom, meu amigo?
Moraes: Opa! Tudo bom?
Carvalho: Como é que tá? Como é que tá a luta aí?
Moraes: Tamo aí, entre uma porrada e outra, estamos sobrevivendo. Eu gosto de animação. E você, tudo bom?
Carvalho: Graças a Deus tudo bem
Moraes: Seu Atlético não deu nem para o cheiro com o coringão...
Carvalho: Não aguentou, né?
Risos

(...)

Carvalho: Aqui, vai ser julgado terça o mandado de segurança?
Moraes: Isso, vai terça, pode ficar tranquilo, viu?
Carvalho: É?
Moraes: Eu tive semana passada, eu até, assim, falei que tava demorando um pouco, acabei encontrando o Toffoli e hoje eu tive com ele aqui em São Paulo, teve um encontro dos presidentes e corregedores de todos TRE's com ele.
Carvalho: Sei.
Moraes: Eu fui convidado pra dar uma palestra cedinho, bati um papo com ele, então não vai ter novidades.
Carvalho: Certo.
Moraes: Acho que não vai ter problema nenhum, já pro desencargo também redistribuí memoriais, pedi pro pessoal redistribuir e o Gilmar vem hoje à noite aqui para esse encontro também. Aí, eu troco uma ideia com ele. Mas ele me falou que não... Sabe que cabeça de juiz, essa cabeça louca de vocês, né? Mas é bom tirar da frente, quero começar fazer campanha pra você pro STJ, pô!
Carvalho: Pois é, tenho que tirar isso da minha frente, eu preciso.
Moraes: Tem que tirar da frente, senão esse povo começa a encher o saco, né?
Carvalho: é, exatamente, mas você não pode estar lá, né, ou vai estar? 
Moraes: Não, não posso, eu tô licenciado, eu vou pedir pra fazer sustentação, tá?
Carvalho: Certo.
Moraes: Pra pegar só nos pontos mais importantes. Na verdade, assim, o Toffoli liberou. Hoje é que sai a pauta. Vamos ver se vai entrar ou vai entrar na outra semana.
Carvalho: Sei.
Moraes: Mas eu já pontuei o que é mais importante pra falar na sustentação. Tem que bater uma ideia só. Você sabe que, se começa muita coisa na sustentação, ninguém ouve.
Carvalho: Tá.
Moraes: A questão do prazo, tal, tal e tal.

(…)

Carvalho: Como é que está lá? (…) Nesse período da Fátima, você sabe teve reforço da tese?
Moraes: Nada, nada, acho que ela nem sabe que existe isso.
Carvalho: Você não entendeu o que eu falei, a tese jurídica nossa, o prazo que não pode ter dois. 
Moraes: Não teve mais nenhum caso assim, o nosso foi o absurdo do absurdo, né?
Carvalho: Absurdo do absurdo.
Moraes: A sacanagem da sacanagem, daquele débil do Gilberto, né?
Carvalho: quem vai sustentar lá pra nós?
Moraes: Vai o dr. Laerte, que é desembargador aposentado aqui de São Paulo, de direito público e tal. Tranquilo, pode ficar sossegado.
Carvalho: Deixa eu te fazer uma pergunta: a turma qual que é mesmo?
Moraes: Não entendi.
Carvalho: A turma qual que é?
Moraes: Mudou, né?
Carvalho: Mudou.
Moraes: Mudou a turma... é um negócio pra ser analisado, porque muda todo o juiz natural.
Carvalho: Engraçado.
Moraes: O cara muda, muda todos os outros quatro.
Carvalho: Aqui no tribunal não muda de jeito nenhum, aliás, como em todos os tribunais brasileiros, o sujeito que remove a relatoria dele passa para o subsequente. 
Moraes: É, e você pega o acervo do cargo que você se removeu.
Carvalho: Claro.
Moraes: Lá no Supremo, não, o cara vai, leva seu próprio acervo, só que muda o juiz natural.
Carvalho: Muda o juiz natural.
Moraes: Pra você ver, é que acontecem pouco essas mudanças, o cara que é relator de casos importantíssimos, só que sabe que nessa turma ele é vencido: ele pede pra mudar.
Carvalho: E é o Toffoli, o Gilmar.
Moraes: Deve entrar porque o Toffoli é presidente da turma, se ele liberou, ele vai pautar, né? 
Carvalho: Sim.
Moraes: É o Toffoli, o Gilmar, que eu vou falar com ele, o Celso, a Cármen e o Teori.
Carvalho: O Teori é juiz de carreira, a Cármen Lúcia conhece a gente aqui.
Moraes: Então, a Cármen é daí, né, meu?
Carvalho: É daqui, conhece a gente aqui, conhece minha história aqui, né?
Moraes: Se você tiver alguém pra só lembrar ela só, não é ruim.
Carvalho: Pois é, vou tentar ver se consigo um amigo meu aqui.
Moraes: Essas coisas sempre são...
Carvalho: Sempre é bom, sempre é bom.
Moraes: Não vamos bobear no finalzinho, não é?
Carvalho: Exatamente, mas o que que você acha, vocês já estiveram com todos né, Teori, com ela...?
Moraes: Já, sim, apesar de não tá, eu vou pedir, ele vai tá no jantar hoje dos presidentes, vou pedir para o Lewandowski lembrar eles também, porque, lembra, o Lewandowski que te deu a liminar.
Carvalho: Foi, a liminar é dele.
Moraes: Eu falei com você: calma que nós temos que esperar o Joaquim entrar de férias, senão nós estamos fodidos.
Carvalho: Eu lembro.
Moraes: Daí, dia 15 de janeiro o Lewandowski assumiu, eu fui lá no dia 16 e, na própria decisão, ele já mata, né? Então eu vou, com muito jeito, ver com ele se ele não se incomoda de dar o toque.
Carvalho: Tá ótimo.
Moraes: Tá bom?
Carvalho: Ótimo.
Moraes: Vamos falando.
Carvalho: Vamos falando, vamos torcer, mas vamos colocar assim: tá no bom caminho, né?
Moraes: Ah, sim, acho que finalmente vai tirar essa porcaria aí do seu caminho, essa encheção de saco, porque é uma encheção de saco.
Carvalho: Terrível.
Moraes: Tá bom?
Carvalho: Tá bom, meu caro.
Moraes: Vamos falando, um abração!
Carvalho: Aguardo suas notícias, abração!
Moraes: Tá bom!

Alexandre de Moraes faz a ponte entre o Centrão e o tucanato na Justiça 

O promotor de Justiça e professor de Direito Constitucional Alexandre de Moraes estreou na vida pública em 2002 graças PSDB, recorda Tales Faria, no UOL. "Mais precisamente, graças ao então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que o designou como secretário de Justiça e Defesa da Cidadania. Mas ampliou seus horizontes políticos a partir de 2005, quando percorreu os corredores do Congresso Nacional em busca de apoio para ser designado membro do Conselho Nacional de Justiça. Em pleno governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva, conquistou a indicação da Câmara na vaga destinada aos "cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada".

Apesar de tucano, chegou lá devido ao apoio do Centrão, que integrava o governo petista, comenta o colunista. Se tornou um dos principais assessores entre 2007 e 2010 do então ex-deputado do DEM Gilberto Kassab, hoje presidente nacional do PSD, quando este foi prefeito de São Paulo.

O trânsito pelo Centrão rendeu-lhe a defesa do então futuro presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB), em uma ação sobre uso de documento falso. Hoje em prisão domiciliar, Cunha tornou-se durante algum tempo o grande chefe do Centrão.

O PSD de Kassab, assim como outras legendas da Câmara, como o DEM, o MDB e o Republicanos costumam negar que pertençam ao Centrão, ou até mesmo que exista esse grupo. Mas, nas votações, se articulam com os lideres de centro, como PP e vez por outra assumem publicamente que estão juntos. 
Tudo isso junto e misturado, mais a fidelidade ao tucano Geraldo Alckmin, valeram-lhe a indicação a ministro da Justiça do governo do Centrão. do governo Michel Temer (MDB). E foi daí que ele se tornou ministro do Supremo Tribunal Federal. Um ministro com supremo trânsito no Centrão. Curiosamente o mesmo grupamento político que o presidente Bolsonaro tenta atrair para seu governo. Tales Faria levanta uma dúvida: Será que os dois continuarão se desentendendo?"

*Cláudio Magnavita é diretor de redação do Correio da Manhã