Saída da delegada Patrícia Alemanny assusta a PGR e a Polícia Federal

Medida foi mais um grave erro do Governo Witzel e pode acelerar e ampliar novas operações, por sinalizar possível interferência política nas investigações

Por Cláudio Magnavita*

Quando o delegado Marcus Vinicius resolveu deixar a Secretaria da Polícia Civil do Governo do Rio o fato passou quase desapercebido, principalmente pela elegância da carta de despedida. Nas entrelinhas, alguns recados bem sutis.

A criação da Secretaria da Polícia e a incorporação da DRACO e dos órgãos de inteligência em uma gestão técnica e sem interferência política foi aplaudida. Demostrava a disposição do governo em acabar com a corrupção e o início de uma nova era.

A estrela deste novo desenho e que traduzia a nova proposta era o Departamento Geral de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro - DGCOR-LD, que teve como titular a delegada Patrícia Alemany, com uma equipe de cinco delegados e autonomia nas investigações.

SURPRESA GERAL

Ao assumir, o novo Secretário de Polícia Civil, Flavio Brito, promoveu algumas mudanças e resolveu tirar do cargo exatamente a delegada Alemany. Ela sai no meio de uma das investigações da história da Policia Civil, a investigação sobre os crimes nas licitações da saúde, totalmente fruto de um trabalho da polícia estadual, que resultou, na Operação Favorito, com a prisão do Mario Peixoto e do subsecretário Gabriell Alves.

Ao esbarrar na figura do próprio governador Wilson Witzel e, por causa do foro privilegiado, a investigação migrou para a Procuradoria Geral da República-PGR, que gerou a Operação Placebo, resultando na busca e operação no Palácio Laranjeiras.

TRABALHO RESPEITADO

O trabalho da delegada Patrícia Alemany e de sua equipe conquistou o respeito nacional e até internacional pela serenidade das apurações e a não politização das investigações. Apurando os fatos, e recolhendo uma coleção de mal feitos surpreendentes. É alto também o reconhecimento do seu trabalho pelo juiz Marcelo Brettas.

A sua credibilidade é tão grande, que o seu nome chegou a ser lembrado para a sucessão de Marcus Vinicius, fato descartado por interromper exatamente o processo das investigações que comandava.

SIBÉRIA

72 horas depois, ocorre exatamente o contrário, o secretário Flavio Britto, ainda interino - já que a cadeira foi oferecida na Operação Jujuba para ser preenchida com indicados de deputados - resolve transferir Alemany para o Comando da DEAT- Delegacia Especializada de Atendimento ao Turista.

O ato é comparado aos erros como à tentativa de demitir por incompetência e nomear no mesmo dia o major bombeiro Edmar Santos ou a de, em plena crise, dar a Secretaria da Fazenda e da Casa Civil para Lucas Tristão.

A perplexidade é maior pelo momento que atravessamos. A DEAT foi super importante na Copa e nas Olimpíadas, quando a cidade estava repleta de turistas estrangeiros. Já teve titulares conceituados como Fernando Veloso e Alexandre Braga, entre outros renomados delegados. Só que na pandemia não há um único estrangeiro na cidade. A especializada está literalmente parada.

Interromper um trabalho extremamente delicado e fundamental para a sociedade e jogar a sua titular para uma delegacia, que na pandemia está com uma atuação zero, é desafiar a lógica e o bom sendo, a não ser que a transferência para a “Sibéria” seja uma forma de retirar a pessoa que possuía as informações mais precisas sobre o mar de lama que tomou conta do governo.

DESAFIANDO O OLIMPO

As consequências deste gesto assustaram as conexões que o departamento possui com a PGR, Polícia Federal e Justiça Federal. Todos assustados com uma possível interferência política na estrutura de investigação estadual.

Literalmente, acelera uma série de medidas que seriam tomadas com mais cautela, na espera de maior produção de provas, fluxo esse que pode ter sido interrompido com a mudança.

A mudança de comando do DGCOR-LD, para um experiente delegado, "é como se um castelo de cartas perdesse o seu principal elemento. Retiraram uma carta que vai fazer tudo desmoronar”.

A transferência justifica ainda mais o pedido de saída do delegado Marcus Vinicius, um dos quadros mais respeitados da Polícia e que sofreu pressões por não ter revelado a operação policial que atingiu o governador Witzel e a advogada Helena Witzel.

Em Brasília, a sensação é que não mediram as consequências desse ato, tentando justificar como fruto de uma rotina administrativa. O efeito é tão bombástico que não causará surpresa se o presidente do TJ, Cláudio de Mello Tavares, terminar assumindo interinamente o Governo do Estado do Rio, analisa uma velha raposa da política fluminense.

*Cláudio Magnavita é diretor de Redação do Correio da Manhã