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A sebolândia do Rio de Janeiro

Por Gabriel Moses

O ano é 2020, e o serviço de streaming musical segue firme a todo o vapor, ditando as tendências da música do futuro. Na contramão dessa estrada digital, fãs de música (colecionadores ou não) procuram LPs e CDs nos arredores da Praça Tiradentes. Apesar dos muitos imóveis comerciais vazios nos arredores, essa região histórica do Centro destaca-se pela quantidade de sebos que oferecem um vasto universo de bolachas de vinis, de acetato, fitas cassete ou VHS e DVD, além de livros e revistas. De lojas, salas comerciais ou boxes em galerias, a quantidade de estabelecimentos desse nicho passa de 30. Em busca de itens específicos para suas coleções ou simplesmente garimpando boas oportunidades, os aficionados examinam cuidadosamente os vinis a serem arrematados e, quando possível, ouvem uma prévia do objeto de desejo nas vitrolas da loja.

- O som do vinil é bem melhor. As gravações analógicas são mais ricas em detalhes. Além disso, há a questão física. A experiência de tatear o álbum, olhar os detalhes de suas capas, buscar informações sobre uma determinada gravação no encarte, o que nos faz entender o processo como um todo – atesta o escritor e estatístico Paulo Roberto Andel, um dos sócios do Sebo X, um sala de aproximadamente 40 m² no sexto andar de um prédio comercial na Tiradentes. Tem jeito de bunker. E pode-se dizer, praticamente, que é.

Foto: Silvio Almeida/Divulgação

- Somos o menor sebo do Brasil – repete, orgulhoso, Andel a todos que descobrem as maravilhas no local que vende discos, CDs, cassetes, DVDs e livros, além de promover lançamentos literários e pocket shows musicais de jovens artistas como o pianista Luiz Otávio, o violonista paulista Diogo Oliveira, o guitarrista Vitor Barros, as cantoras Lu Fogaça, Joyce Thaciane, Andrea Pedroso e até o tarimbado cantor e compositor Paulo Cesar Feital, um dos maiores letristas da MPB.

Como o espaço inteiro não comporta mais de 25 pessoas, essas apresentações são transmitidas ao vivo pelo Facebook. E assim até o mais renhido espaço de culto à música analógica rende-se ao digital.

Idealizado por Andel e os sócios Silvio Almeida e Jocemar Barros, o Sebo X iniciou as atividades em fevereiro do ano passado, mas a missão não chegava a ser novidade para pelo menos um deles. Colecionador inveterado de CDs, Andel trabalhou há 20 anos com um sebo em Copacabana.

- Como eu já tinha meu emprego, e só trabalhava lá na loja à noite nos sábados, esse tipo de negócio não dá para qualquer pessoa tocar, pois espera-se que quem trabalha com música conheça do assunto. Então não bastava colocar um funcionário lá ou alguém de confiança. Eu tinha que ter alguém que conhecesse do assunto, e eu não tinha - lamenta.

Quando o negócio acabou, Paulo pegou os produtos e encorpou ainda mais sua coleção particular, que chegou a dez mil volumes, até decidir voltar ao ramo comercializando parte de seu acervo de jazz, rock e MPB com alguns sebos e particulares. E aí, seguindo o palpite do amigo Silvio, decidiu recomeçar de onde havia parado. Fotógrafo profissional e arquiteto, Silvio tinha um estúdio numa sala comercial na Praça Tiradentes, o mesmo espaço atual do X.

- Ele (Silvio) sugeriu que eu colocasse uma banca de CDs nos horários ociosos do estúdio. Achei inusitada, mas gostei do desafio – lembra o escritor. E assim a dupla deixou seus empregos formais para aventurar-se no projeto que, muitas vezes, tem mais cara de um espaço de coworking do que uma loja de discos e livros usados. A eles juntou-se Jocemar, funcionário aposentado da CEG e também um colecionador.

- Sempre recebemos colecionadores, que vão se tornando amigos e, muitas vezes vêm aqui mais para papear do que procurar por algo. Temos um oásis de cultura bem no Centro. Mas de nada adiantaria o acervo selecionado se não fossem as pessoas que amam a arte – observa Silvio.

DJs no comando; vitrola em ação

Na Only Music, loja especializada em discos de vinil, CDs e acessórios para DJs, a batida já começa com seus próprios fundadores: Rogério Ignacio, chamado de DJ Géllo, e Ricardinho. Com um ambiente convidativo e com a intimidade apurada dos DJs com a vitrola, o espaço se diferencia pelo ritmo que impõe aos seus clientes que, enquanto compram os LPs, escutam faixas dos mais variados gêneros musicais produzidos pelos próprios anfitriões.

Desde 1993 na ativa, o DJ Géllio conta sua história, juntamente com Ricardinho, e os fatores que os levaram a abrir este tipo de negócio:

- Éramos DJs na década de 80, e também colecionadores de discos de vinil, antes mesmo de ir para a noite tocar. Já no início dos anos 90, como já vendíamos alguns produtos na casa de amigos, tentamos nos profissionalizar e montar um espaço onde as pessoas fossem até nós e começassem a comprar os discos – explica Géllo.

Depois de vários endereços, o sebo fincou os pés e as carrapetas na Rua Sete de Setembro, colada à Praça Tiradentes, que abriga teatros ( João Caetano e Carlos Gomes), o Centro de Referência do Artesanato Brasileiro (Crab, ligado ao Sebrae), gafieiras e alguns bares remanescentes do passado boêmio da região.

- O vinil tem tudo a ver com a cultura, e aqui a gente está no centro, o centro da cultura da cidade! Este é o quinto endereço da loja, mas nosso sonho sempre foi: estar em um lugar totalmente ligado à cultura. E estamos hoje aqui - festeja.

Para Jonas José, recepcionista da loja e também DJ, conhecido como JJ Jonas, nos meios musicais nunca são excluídos, mas agregados:

- Não existe ess de “Ah, vamos acabar com isso para colocar aquilo”, principalmente no mundo da música! Se você parar para pensar, os DJs usam um aparelho chamado de serato. O serato é uma emulação do vinil. A música está dentro do computador, mas um vinil que emite um ruído de sincronia para o computador reconhecer, você usa toca-disco. Ou seja, se fosse para extinguir de vez, as marcas não teriam lançado o serato – assegura Jonas.

Interesse

É o que pensa Marcio Rocha, socio-proprietário da Tropicália Discos, inaugurada em 2003, também no Centro. A badalada loja recebe uma considerável quantidade de clientes jovens, atraídos pela moda do vinil.

- Atualmente, o streaming pode servir como aliado do vinil. Um exemplo... A gente recebe um determinado título em vinil e há aquele cliente que avisa: “Vou ouvir lá na internet, e falo para você se quero ou não o disco.” Então existe essa possibilidade de, antes do cliente chegar na loja, já saber o que quer porque ele já ouviu. Tem muitos garotos que escutam pelo online, escrevem uma lista e vão à caça do vinil. Isso é algo que está acontecendo agora, ainda mais com as novas gerações – explica Marcio.

No mínimo, é curioso ver que a atual juventude, considerando os que nasceram no final dos anos 90 e início dos anos 2000, deem relevância para essa cultura que fora vivida pelos seus pais. Tudo isso mostra a força da vitrola e da experiência que ela passa para seus ouvintes, independentemente da idade. Com a tendência vintage dos discos, Marcio resume o boom do vinil como a tentativa do “ser humano andar sempre em círculos”:

- Geralmente a humanidade esgota uma determinada possibilidade, e normalmente volta depois para a anterior... O vinil tem uma sedução: você passa pela capa, aí você vê uma capa em um tamanho que é atrativa, tem um cheiro, o tato, e tudo isso traz nostalgia para aqueles que viveram com a presença deste meio na infância. Para aqueles que não viveram, mostra-se uma outra realidade. E a música nunca vai entrar em desuso, pelo contrário, ela é um refúgio. Ela é um alimento para a alma.

A Tropicália Discos concentra inúmeros sucessos e relíquias da música brasileira. Dentre alguns exemplos, se destacam o primeiro álbum do Clube da Esquina; o raro LP que leva o próprio nome de seu compositor, Arthur Verocai; e o álbum “Transa”, feito por Caetano Veloso enquanto estava exilado em Londres por conta da ditadura militar.

Serviço

SEBO X - (Pç. Tiradentes, 9/611). Segunda a sexta, das 11h30 às 18h30. Sáb. pela manhã mediante agendamento (99481-7037);

ONLY MUSIC - (R. Sete de Setembro, 235). Segunda a sexta, das 10h às 19h. Sáb. das 10h às 15h;

TROPICÁLIA DISCOS - (Pç. Olavo Bilac, 28/207). Segunda a sexta das 11h30 às 20h. Sáb. das 10h às 14h.

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