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O milionário desafio da fantasia

Por Rodrigo Fonseca, especial para o Correio da Manhã

Com três filmes indicados ao Oscar (o thriller “Os Miseráveis”, a animação “Perdi meu corpo” e o curta animado “Mémorable”) e envolvido com uma polêmica premiação, o troféu César, com fortes chances de premiar Roman Polanski e seu “O oficial e o espião”, o cinema francês abriu 2020 disposto a repaginar sua importância estratégica no planisfério cinéfilo, apostando, logo na arrancada do ano, num título já encarado como a produção mais cara da Europa nas telas. Estima-se que “Le Prince Oublié”, que estreia no dia 12 de fevereiro, custou € 20 milhões.

E, a julgar pelas impressões dos exibidores a chance de esta fantasia - sobre um pai viúvo em luta para reconquistar o afeto de sua filha – dar lucro é altíssima. Seu apelo é duplo. De um lado, há um protagonista acostumado a lotar as salas de exibição de Paris, Marselha e arredores: Omar Sy, o astro de “Intocáveis” (2011), um fenômeno com 20 milhões de ingressos vendidos. E, do outro lado (das câmeras) vem um realizador francês a quem Hollywood deu o Oscar de melhor direção, em 2012: Michel Hazanavicius, responsável por “O Artista”. Juntos, esses dois nomes justificam o orçamento polpudo de um filme - a um só tempo divertidíssimo e tocante – cuja engenharia de efeitos visuais impressionaria Hollywood.

- Inegavelmente, fizermos o que se chama de ‘filme família’, pois tentamos conversar com os públicos infanto-juvenis, a partir de criaturas mágicas e situações fantásticas, a, ao mesmo tempo, falar com os adultos, pelo prisma da angústia do ninho vazio, do desapego dos filhos quando eles adolescem. Fui levar meu caçula para uma projeção e ele ficava me cutucando e dizendo: ‘Pai, isso aqui tem a ver com o senhor não tem não? É a sobre a gente, né’. Danado, ele - brincou Hazanavicius em entrevista ao Correio da Manhã durante a 22ª edição do fórum Rendez- -vous Avec Le Cinéma Français, realizado em Paris em janeiro.

Anti-heroísmo

Antes de “O Artista”, o cineasta mobilizava espectadores com a franquia “OSS 117” (feita de 2006 a 2009), com Jean Dujardin na pele de um atrapalhado espião.

- Aquilo era o auge da desmistificação do heroísmo, uma esculhambação com os heróis clássicos. O que a gente traz agora com o Príncipe de Omar Sy é uma situação distinta. É o heroísmo da vida cotidiana, a batalha para manter uma família unida - compara.

Sy vive Djibi, um contador de histórias profissional, que embala os sonhos de sua filha, Sofia (a ótima Sarah Gaye), com fábulas nas quais ele é um nobre guerreiro, cercado por criaturas nada ortodoxas como um ser de plástico cujo corpo serve de aquários para peixinhos coloridos. Em seu reinado, ele é amado por todos. 

Isso, pelo menos, até Sarah entrar na adolescência e começar a se incomodar com o jeitão abilolado e infantilizado de seu pai. A situação dele piora quando ela se apaixona por um coleguinha de sala e passa a ignorar a companhia paterna. O rapaz se torna o novo príncipe, o que põe o reino de Djibi em risco de destruição, abrindo uma deixa para um vertiginoso tom de aventura. Em paralelo, o personagem de Sy, entrado em um modo decadência, começa a travar uma relação com uma vizinha sem noção interpretada pela atriz Bérénice Bejo, mulher de Hazanavicius na vida real.

- O que temos de efeitos especiais aqui talvez soe algo primário se comparado com o que se vê em Hollywood, mesmo num filme de animação, como os da Pixar, que foram minha inspiração aqui, nesta incursão num terreno fantástico. Mas eles, na América, têm um orçamento muito superior ao que tivemos, que é alto para o padrão europeu, mas que não é nada perto do que se faz nos EUA - explica o diretor, que disputou a Palma de Ouro com seu trabalho mais recente, “O Formidável”, sobre Jean-Luc Godard. 

- Era uma desmistificação, coisa que eu sempre busco fazer, e que, talvez, seja um traço autoral. Mas eu não trabalho refém desse traço. Autoralidade é uma palavra muito castradora no cinema francês, desde a Nouvelle Vague. Mas o meu interesse é outro: é conversar, e bem, com públicos diversos. Encher cinemas. Nem sempre eu consigo e, às vezes, tem gente que me procura, falando de meus trabalhos posteriores a ‘O Artista’, pra dizer: ‘Vi ‘O Formidável’ na TV e adorei’. Eu só consigo pensar, num caso desses, o seguinte: ‘Escuta, e por que você não fez um esforço para ir ao cinema vê-lo quando estávamos em cartaz? É uma batalha – desabafa.

Há uma movimentação hoje na indústria audiovisual do Velho Mundo à caça de filmes locais que fazem dos efeitos visuais sua maior diversão.

- Muita gente critica os filmes de super-heróis, mas esse é o filão que manteve a fantasia viva entre as novas gerações - diz Hazanavicius, que conversou com o Correio em meio ao episódio do discurso de inclinação fascista do ex-secretário de Cultura Roberto Alvim.

- É muito triste ver a turbulenta situação política que vocês estão enfrentando aí no Brasil hoje. Fui muito bem recebido aí, filmando ‘OSS 117: Rio não responde mais’ e lançando ‘O Formidável’. Espero que vocês enfrentem esse furacão e saiam bem dele. Talvez por isso eu tenha encarado o desafio de fazer um filme de fantasia. Por que ela alivia nossa angústia diante das repressões - comenta.  

Drama

Em meio ao lançamento de “Le prince oublié”, Hazanavicius prepara um longa de animação para 2021: “La plus précieuse des marchandises”, cuja trama é baseada na prosa de Jean-Claude Grumberg, sobre os bastidores do campo de concentração de Auschwitz, na batalha de um jovem para sobreviver ao Holocausto.

- Aprendi muito sobre essa ideia de ‘family film’ filmando com Omar e resolvi expandir minhas experiências para o terreno do desenho animado. Vai ser um desenho em 2D, sem qualquer preocupação de inovar o modo como se anima - conta o cineasta.

- Fazendo ‘Prince Oublié’ com Omar Sy, eu fui apresentado a um olhar sobre a paternidade que flerta com a doçura. Seria bom seguir nessa estrada.

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