Rafael Portugal: O Chaplin de Realengo
Por: Rodrigo Fonseca

Esgotar ingressos de um show ou de uma peça é uma habilidade que a pandemia cancelou na rotina de muitos artistas, mesmo dos mais populares, excluindo-se raríssimas exceções como o  Teatro Multiplan, no VillageMall, tem conferido, ao avaliar a procura pelo espetáculo stand up  “Eu Comigo Mesmo”, um ímã de público. O segredo de seu sucesso: Rafael Portugal. No palco, tal qual na TV, na telona ou nos esquetes do “Porta dos Fundos”, ele é a maior diversão.

Para este sábado, noite de estreia, sua apresentação no Multiplan está esgotada, restando poucos lugares para domingo, com mais duas sessões nos dias 15 e 16 já abertas à venda. E mesmo essas devem esgotar ligeirinho, sobretudo a partir do dia 13, quando Portugal entra em cartaz no circuito exibidor, ao lado de Cacau Protásio, à frente do que promete ser o blockbuster nº 1 da neochanchada nacional em 2022: o filme “Juntos e Enrolados”.
 
A canção romântica (mas aberta a gargalhadas) que embala o longa-metragem dirigido por Eduardo Vaisman & Rodrigo van der Put, “My Love You”, alvo de múltiplas curtidas no YouTube, é cantada por Portugal, mostrando que ele joga nas onze, seja qual for o gramado.  

“Estou muito feliz com meu espetáculo e com essa possibilidade de ter um filme estreando em 2022, trazendo as pessoas de volta pro cinema.
 
A gente trabalhou em casa, produzindo muita coisa, mesmo sofrendo com algumas perdas, vendo as pessoas passarem por muita coisa difícil, mas sempre observando que nosso trabalho pode ser uma válvula de escape pra muita gente”, diz Portugal, ao comentar a responsabilidade de integrar a abertura da temporada teatral de 2022, fazendo um show no que é considerado “o primeiro fim de semana útil do ano” para as artes cênicas brasileiras, depois de todas as quizilas enfrentadas pelo país em 2021.

“Eu não parei nem um segundo. Continuei produzindo conteúdo com o Porta dos Fundos e com o CAT BBB (do programa Big Brother Brasil) também. Continuei fazendo muita coisa e me senti muito importante, por ser o que as pessoas tinham como refúgio. Estou muito animado com essa retomada e com todos os ingressos vendidos, pois é um respiro de alívio do público. Todo mundo está apresentando comprovante de vacinação, todo mundo vai estar com máscara, todos mantendo o devido distanciamento e tudo mais que for preciso para poder assistir a um show de humor. Eu ficarei muito feliz podendo ver todo mundo do palco”.
 
O orgulho de vir da periferia
Colegas destacam talento e carisma por trás do comediante
 
Rei do improviso, Portugal vem da Zona Oeste carioca, de Realengo, embora cite Magalhães Bastos também como parte de sua gênese. Nasceu por ali há 36 anos e sopra sua 37ª velinha de aniversário no dia 15 de fevereiro. Diz ter 36 anos de carreira também, numa brincadeira com sua prolífica disposição para arrancar risos do público que o acompanha desde seu sucesso no Porta dos Fundos, a partir de 2016.

“Desde criança sou profissional na arte”, brinca Portugal, lembrando que estreou profissionalmente na Lona Gilberto Gil (hoje Arena Cultural), lá pelos 15 anos. “A lona salvou a minha vida e mudou a minha história”, diz, apontando a relevância desse aparelho cultural para a formação artística das periferias do Rio.
 
Aliás, é desse viver periférico que ele extrai a ironia que lhe valeu o respeito de titãs da comédia.
 
“Rafael faz um humor que eu defendo com unhas e dentes: o humor da identificação popular, do cara que viveu as situações que conta”, define Leandro Hassum, um dos maiores campeões de bilheteria da história do cinema nacional “Além de ser um brilhante comediante, com um tempo de comédia que é só dele, Rafael é um cara que se comunica com a massa brasileira.

Quando ele brincava no BBB, com o medo de ser mandado embora, e quando faz um jeitão de looser no cinema, ele me lembra muito o Peter Sellers, por saber ser esse cara com um olhar de tadinho, de bancar o coitadinho. É um comediante que toca o coração da multidão”.
 
Na estética do “vamo ver” do stand up, Portugal já escalou pedreiras. “Sempre tem alguém que chegou muito animado ou, então, bebeu mais um pouco. Uma vez entrei no palco para fazer o show e as luzes não tinham se acendido ainda e já escutei um rapaz falando “Faz logo filha da puta”. A gente fica assustado, mas brinca, falando que o segurança está ali”, diz o comediante, que hoje brilha na grade da Amazon Prime com filmes lançados exclusivamente na streaminguesfera, como “Os Espetaculares” (2020) e “Peçanha Contra o Animal” (2021).
 
Também é possível rachar de rir com ele, nas plataformas digitais, com a primeira temporada de “5XComédia”, projeto pilotado pela cineasta Monique Gardenberg, que usa a palavra “gênio” ao falar do artista por trás de “Eu Comigo Mesmo” e outras bossas. “Rafael me emociona demais pela humanidade que transborda em sua interpretação”, diz a diretora. “Nesse sentido, ele me lembra Charles Chaplin. Morro de pena e de rir ao mesmo tempo com ele. O porteiro Zé, que ele compôs para ‘Colapso’, episódio que criei para ‘5xComédia’ da Amazon Prime, é algo que nos diverte e nos choca. E o faz não apenas pelas situações limite em que se vê colocado, em decorrência da desigualdade social, mas, sobretudo, pela pureza que transparece nos mínimos detalhes da personagem que ele constrói”.
 
A boa impressão que Portugal causa no streaming ecoa no cinema, o que leva os exibidores a apostarem na força de “Juntos e Enrolados”, a partir da próxima quinta-feira. A trama é para gargalhar e suspirar. Após dois anos juntos, o casal Daiana (Cacau Protásio) e Júlio (Portugal) finalmente consegue economizar o suficiente para realizar a tão sonhada festa de casamento, que pode ser cancelada, separando os pombinhos, por culpa de uma mensagem de celular daquela que embaralha a vida de qualquer um. “Foi muito legal a minha participação em ‘Tô Ryca 2’, que fiz com a Samantha Schmütz (ainda inédito), e tem esse presente, que é ser protagonista junto com a Cacau. Estou me sentindo ‘o cara de 2022’, com esses dois filmes sendo lançados e eu podendo estar no cinema vendo as pessoas assistirem um trabalho feito com tanto carinho... Está marcando minha vida como ator”.
 
Marcas que vão além do riso. Em 2019, ele integrou a representação da barra pesada do universo prisional brasileiro em “Os Carcereiros”, de José Eduardo Belmonte. Era tiro, porrada, bomba e adrenalina, mas Portugal se destacou. “O bom ator é capaz de experimentar qualquer gênero.”, diz o diretor.
 
Com mil frentes abertas, Portugal se firma como um dos nomes que legitimaram a comédia em pé como espaço de invenção. “Leva as pessoas a sorrirem, entenderem o humor de novas formas e escutarem piadas com informações importantes para moldar a cabeça de muitos. Além de manter o teatro vivo, o que é fundamental”, defende o Chaplin de Realengo.