Crítica | O nó definitivo

Por Aquiles Rique Reis

 

Tenho na mão um álbum da jovem cantora Luisa Lacerda, seu terceiro trabalho. O primeiro é de 2017. No segundo, um EP (2019), somou forças com o compositor Miguel Rabello e com a violonista Maria Clara Valle, respectivamente. Neste, de 2020, ela divide o trabalho com o violonista e compositor Giovanni Iasi.
“Nó” (independente, realizado por meio de financiamento coletivo) traz 11 canções inéditas de Iasi, algumas com parceiros, cantadas por Luisa: a voz dela parece feita para se dar ao tipo de composições selecionadas para o álbum.

Ela se impregna das obras de Iasi e passa a compartilhar com ele a sua notável inspiração. Empatia que resulta numa obra íntegra: músicas e voz amadurecidas, inclusive a de Iasi, quando em alguns momentos ele reforça o solo vocal com Luisa.
Vozes e violão pujantes, por vezes juntos ao cello de Maria Clara Vale, ao bandolim de Luís Barcelos e de Fernando Dalci, à bela voz do cantor Pedro Iaco e aos quatro violões soberbos do Maogani.

Antes de seguir, celebro o mérito e a disposição de Luisa Lacerda para se ajuntar com músicos com os quais dividiu a gravação de seus três discos. Decisão amadurecida que entende com clareza que, antes de ameaçarem o seu protagonismo, seus eventuais parceiros engrandecem sobremaneira o produto final.
Voltando ao “Nó”... não resisto à analogia para relacionar a corda que amarra ao efeito de perenizar o que não se separa: o nó da garganta, sinônimo de emoção; a dificuldade criada pelo nó górdio, que aparentemente não se desfaz; e o nó cego, quando nunca mais separará um ponto do outro: o nó definitivo. Com intro de sonoridade estranha (efeitos a cargo de Elisio Freitas), “Lua Ri” (Iasi e Mauro Aguiar) tem levada cadenciada e é uma promissora abertura da tampa do CD.

Em “Acalanto” (GI e Iara Ferreira) Luisa divide o canto com Pedro Iaco. O violão de Iasi dá conforto a Luisa para se lançar ao canto maternal. “Nó” (GI e Diego Casas), além de nomear o CD, é um belo choro. Para dar ainda mais vigor ao violão de Iasi, o cello de Maria Clara Valle o embala com nó que não desata. “Boi, Boi, Boi” (GI e Thiago Amud) é um acalanto para não-dormir. A letra de Amud é inspirada: “(...) Lá vem o boi/ Pra lhe agoirar, mãe/ Lá vem o boi/ Pra lhe arrastar, pai/ Ê boi, sai/ Pois andem já pra cama/ Que eu fico a velar/ como um filho quando ama/ Sói”. Apenas voz e violão... Simplesmente lindo!

“Viva a Vó” (GI e Mauro Aguiar), só com o violão de Iasi e o bandolim de Fernando Dalcin fervendo no passo do frevo, é de não se segurar na cadeira e sair frevando.
A sonoridade ancestral do choro vem do arranjo e dos violões do Maogani em “Ilustre Desconhecido” (GI). Que bela voz tem Luisa Lacerda, quando sente cada nota de cada sílaba. Um gran finale.

Algumas destas melodias de Iasi são delicadas e ao mesmo tempo exuberantes em suas concepções. Sim!, em Nó cada música é uma obra íntegra, capacitada a conquistar ouvidos aptos a sentir na pele o sentimento que embutem.

*Vocalista do MPB4 e escritor