Ousadia e caos nas ondas do rádio

Por João Victor Ferreira e Luiz Antonio Mello

A narração feminina de Ana Paula no documentário ressuscita a importância do protagonismo feminino, indispensável na formação inicial da rádio. Assim como idealizado por seus criadores (Luiz Antonio Mello, Amaury Santos e Sérgio Vasconcellos), a “Maldita” ditava um novo rumo dando voz às mulheres, que exerciam a locução como Selma Boiron, responsável pela inauguração da rádio, em março de 1982, Milena Cilibelli e Mônika Venerabile, entre outras.

O apego e o respeito ao fãs era também uma marca registrada de um período quando isso pouco era levado em conta. Quando uma música não agradava os ouvintes, ela a mesma hora era retirada de circulação. A democracia que a Fluminense incutia na alma do jovem carioca, tinha às vezes o som de uma completa anarquia. Promoções inusitadas conseguiam atrair um grande público para as suas loucuras (como na promoção para ganhar uma camisa da banda de pós-punk “Adam and the Ants”, em que os ouvintes deveriam levar potes cheios de formigas ao Aterro do Flamengo).

Shows antológicos no Canecão e no Monte Líbano contavam com a presença de bandas como Paralamas e Capital Inicial. A rádio foi uma das primeiras a apostar no projeto de Roberto Medina, em 1985, ajudando na divulgação do que seria o primeiro Rock in Rio.

Mesmo a trancos e barrancos, a rádio permaneceu viva e se tornou emblemática. Com a brandura da ousadia, com o calor da criatividade e a independência audaz e faminta dos tempos modernos. 

A "Maldita" ecoa há quase 40 anos

Não é incomum esses relatos começarem com “Poxa, parece que foi ontem...”. Neste caso, lamento informar que parece que ontem sim, longe, muito longe. A Rádio Fluminense FM, eternizada com a alcunha de Maldita, nasceu às seis horas da manhã de dia 1º de março de 1982, quando havia uma outra civilização por aqui, sedenta de liberdade, diversão, trabalho, democracia e muita alegria e alto astral.

Nós queríamos fazer uma rádio que tocasse o que outras não tocavam, sem pretensões. Nosso objetivo era captar os 10% de ouvintes “flutuantes” (sem rádio definida), de 15 a 40 anos que perambulavam pelo dial. Com muita técnica, disposição e garra conseguimos ultrapassar a nossa meta em pouco tempo.

Eu e os produtores Sergio Vasconcellos e Amaury Santos gramamos setembro de 1981 organizando tudo: programação musical, locução, jornalismo, área técnica, comercial, promoções. Ainda nessa fase de 81 (experimental), um cara de óculos chamado Paulo Malária apareceu lá com um disco independente do seu grupo Acidente. Ouvimos e tocamos no ar.

Em um outro dia, um sujeito de macacão jeans, magro e cabeludo, chamado Lobão, levou a fina master de seu primeiro álbum, “Cena de Cinema”. Foi a primeira fita independente tocada na Maldita. A linguagem da Fluminense era sóbria, tranquila, sem gírias, sem afetações, tratando o rock & afins naturalmente. Para a nossa surpresa, o projeto despretensioso não parou de crescer e virou um fenômeno nacional. Quase chegamos ao primeiro lugar em audiência depois do Rock in Rio de 1985.

Hoje, 38 anos depois, a Maldita continua no jornal, nas páginas do Correio da Manhã, um herói brasileiro nascido em 15 de junho de 1901. Quanta honra!