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Costa-Gavras passa crise política grega a limpo

Por Rodrigo Fonseca, especial para o Correio da Manhã

Ao ser homenageado pelo conjunto de sua obra no último Festival de Veneza, em setembro, o diretor grego Costa-Gravas pôs o Brasil na roda, definindo nosso atual presidente com uma analogia irônica:

- Para viver Bolsonaro, só Charles Chaplin, pois aquilo é uma comédia - disse ele, nascido Konstantinos Gavras há 86 anos numa vila do Peloponesso chamada Loutra-Iraias, mas rebatizado artisticamente em 1969, quando “Z” fez dele o papa do thriller político.

Em meio à promoção mundial de seu novo longa-metragem, “Adults in the room”, ainda inédito em circuito brasileiro, o cineasta ganhador de Oscars e da Palma de Ouro (conquistada em 1982, por “Missing”) seguiu atacando o lado mais conservador da política sul-americana. E espera-se dele uma postura ética similar neste mês em que ele leva a produção para o fórum parisiense Rendez-vous Avec Le Cinéma Français. E, de lá, ele vai abrir o verbo acerca do que classifica como “incongruências do contemporâneo”.

- Só o Brasil seria capaz de retratar o que se passa hoje em seu próprio território, e não um cineasta estrangeiro, como eu, que, embora esteja atento às estratégias de exclusão que se desenrolam por aí, não pertenço à cultura de vocês - disse Costa- Gavras em Veneza, ao CORREIO DA MANHÃ. - Sei que existem cineastas de muita qualidade no Brasil, que podem retratar bem as situações pelas quais vocês estão passando. E as dificuldades do seu país podem tornar esse empenho em fazer um filme sobre Bolsonaro ainda mais forte. Ele não vai desmobilizar o cinema brasileiro.

Transcender fatos

“Adults in the room” é um drama de tintas cômicas sobre a crise da Grécia nos anos 2010. - Vivo na França há anos e já filmei no mundo inteiro, mas, se você nasce grego, todo o passivo histórico de nossa pátria vem com a gente, e a tragédia é parte desse patrimônio que nos define. A minha contribuição a uma situação de tensão como essa que enfrentamos em nosso país, com a falência econômica, é abrir reflexões que transcendam fatos. Fato é para o jornalismo. O cinema parte do fato para gerar transcendências - disse o realizador que partiu do livro homônimo de Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia, sobre a falência de sua nação.

No longa, o ator Christos Loulis vive o próprio Varoufakis, que se concentra em tramitações políticas e judiciais de 2015 para travar a bancarrota das finanças gregas.  Valeria Golino  e  Ulrich Tukur completam o elenco.

- Comecei essa história em 2007, quando percebi que a Grécia ia quebrar e que a esquerda ia se colocar mais à direita diante do quadro econômico do país. Espero que a Comissão Europeia ajuste essa situação – torce o cineasta.

- Com o descrédito das lutas de classes, a religião mais poderosa que existe neste mundo se chama dinheiro, uma força amoral que não guarda respeito por nada, sobretudo por fronteiras. Não existe fundamentalismo que seja mais terrorista do que o liberalismo selvagem. O dinheiro tem uma ideologia: comprar o silêncio de todos em nome do lucro - discursa.

Estima-se que “Adults in the room” tenha grande procura, uma vez que o nome do realizador é, ainda, uma garantia de salas lotadas: no Brasil, “O corte” (2006), um dos últimos longas do diretor, ficou sete meses em cartaz. E historicamente seus filmes lotam cinemas, no mundo todo, com destaque para seus trabalhos mais premiados, como “Muito mais do que um crime”, ganhador do Urso de Ouro do Festival de Berlim, em 1990.

- Nunca tive retaliações violentas pelas ideias que defendi, mas fui retaliado com a palavra ‘Não!’ ao buscar financiamentos. Acho que o único arrependimento que tenho na vida diz respeito aos projetos de cinema que não pude filmar por falta de financiamento. Um roteiro não filmado dói como um amor mal-acabado – lamentou Costa-Gavras em uma recente passagem por Cannes, quando os 50 anos de “Z” foram festejados.

- Costuma-se usar o termo “politizado” para qualificar qualquer expressão humanista de solidariedade. O que as minhas histórias buscam fazer é esmiuçar as contradições da exploração e não defender ideologias - explica o cineasta. - Só espero que as pessoas não entendam que nada é mais político do que o amor, uma força que se desenha a partir de uma estratificação de hierarquias.

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