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Para entender melhor os EUA

Por Thales de Menezes (Folhapress)

A escritora americana Joan Didion, de 86 anos, já fez referências engraçadas ao início de sua carreira, impulsionada por um prêmio. “Ganhar um concurso de ensaios patrocinado pela revista Vogue não era exatamente o cartão de visitas ideal para a intelectualidade americana, mas acho que tanto eu como a revista nos demos bem”, disse a autora em 2001, já consagrada como uma das principais ensaístas de seu país. Seus livros de Didion são fundamentais para entender os Estados Unidos que surgiram no embate entre o sonho de felicidade do pós-guerra dos anos de 1950 e os questionamentos da contracultura que explodiu na década seguinte.

O melhor exemplar de seus 11 volumes de não-ficção, no sentido de exibir o talento e a densidade da autora, é “O Álbum Branco”, que ganha nova edição no Brasil.
Beatlemaníacos não devem ficar animados. O título não tem ligação com o mítico LP duplo que a banda lançou em 1968, exceto por ter sido neste ano que foram escritos os ensaios mais antigos que constam do livro, publicado originalmente em 1979.

“O Álbum Branco” é o nome do texto que abre o volume, e que é também o mais extenso dos ensaios. Sozinho, é capaz de seduzir qualquer leitor em busca de inteligência e sofisticação.

A escrita de Didion é fluida, envolvente, mas nem um pouco didática. Ela reúne em seus textos temas tão diferentes quanto uma gravação do grupo de rock The Doors, a agitação política do Partido dos Panteras Negras, os assassinatos cometidos pelos seguidores do guru Charles Manson ou o impacto dos shopping centers na vida da classe média. E às vezes ela mistura os assuntos sem a menor cerimônia, como um fluxo descontrolado de pensamento.

É admirável o trabalho da tradutora Camila Von Holdefer, que preserva o ritmo desse jorro de ideias que transforma “O Álbum Branco” em caso raro de livro de ensaios que pode ser lido com uma volúpia normalmente destinada aos romances. E a leitura também vai mostrar muito da própria autora.

Didion é muitas vezes associada ao new journalism, porque escreve sobre episódios dos quais participou, fisicamente. Observa Jim Morrison no estúdio com o Doors, está sentada diante do fundador dos Panteras Negras, Huey Newton, e se torna amiga de uma discípula arrependida de Charles Manson. Mas mantém uma posição de observadora respeitosa, tenta não intervir no que acontece. Na hora de escrever, acrescenta inúmeras opiniões pessoais e até detalhes de seu dia a dia.

Para saber mais dos Estados Unidos de 1960 e 1970, “O Álbum Branco” é uma deliciosa introdução, mas para conhecer mais de Joan Didion a opção pode ser o outro livro que chega também às livrarias, “O Ano do Pensamento Mágico”, lançado em 2005. É o relato de um episódio devastador na vida da escritora.

Em 30 de dezembro de 2003, ela e o marido, o também escritor John Greggory Dunne, deixaram o hospital onde sua filha Quintana, de 37 anos, estava em coma, depois de um choque séptico ao tratar pneumonia. Os dois foram jantar, e Dunne desabou sobre a mesa, vítima de infarto fulminante. Dois meses depois, Quintana, já recuperada da pneumonia, sofreu um colapso circulatório e voltou a ser internada por um longo período.

É uma obra sobre relações amorosas e luto, e Didion escancara desespero, melancolia e momentos em que questiona sua sanidade mental no trágico período. E faz isso com seu estilo envolvente, misturando o estado emocional em frangalhos com a inesgotável capacidade de refletir racionalmente sobre tudo.

O livro tornou-se seu maior best-seller. Quintana morreu dois meses depois da publicação, e a perda da filha motivou seu livro seguinte, “Noites Azuis”, de 2011. Ela escreveu também cinco livros de ficção, publicados originalmente entre 1963 e 1996. São muito bons, mas a grande escritora aparece mesmo em seus ensaios e memórias. Joan Didion traduz como poucos o mundo a seu redor, com suas causas e efeitos.

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