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Sem fatores atípicos, dívida pública deve voltar a crescer

Por Bernardo Caram/ Folhapress

Sem a ajuda de fatores considerados não recorrentes, a tendência é que a dívida pública brasileira volte a subir em 2020, avalia o diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), Felipe Salto.

Na sexta (3), o Banco Central divulgou o resultado da dívida bruta do governo geral de 2019, que registrou a primeira redução em seis anos, indo de 76,5% do PIB (Produto Interno Bruto) no fim de 2018 para 75,8% do PIB em dezembro.

A queda surpreendeu membros da equipe econômica.

Avaliação feita um mês antes pelo Tesouro não estimava uma redução da dívida nem no melhor cenário previsto.

A IFI, órgão de análise das contas públicas vinculado ao Senado, fez um exercício de exclusão de fatores considerados atípicos -que não trazem uma melhora estrutural e permanente para o endividamento do país- e concluiu que, sem eles, a dívida bruta teria encerrado 2019 no patamar recorde de 79%.

Pela estimativa, um alívio de 2,1 pontos percentuais em relação ao PIB foi motivado pela venda de reservas internacionais feita ao longo de 2019.

No ano passado, o BC levantou R$ 137,7 bilhões com a venda de dólares no mercado à vista, algo que não ocorria desde a crise de 2009.

O objetivo foi aumentar a oferta de dólares e conter a alta da moeda americana.

O segundo fator a impactar a conta foi a aceleração de pagamentos do BNDES ao Tesouro. Somente no ano passado, o banco antecipou a devolução de R$ 100 bilhões aos cofres do governo.

Essa conta, segundo Salto, gerou impacto positivo de aproximadamente 1,1 ponto percentual na dívida bruta.

Para 2020, o diretor da IFI diz que há um cenário de incerteza sobre os dois fatores.

Não há indicação sobre eventual continuidade da venda de reservas, e o governo não deixou claro qual será o volume exato a ser repassado pelo BNDES ao Tesouro.

"Tudo vai depender do BNDES e da venda de reservas. Esses fatores pesam muito. Se não tiver pagamento alto do BNDES nem venda de reservas, o risco hoje é de crescimento da dívida neste ano."

Na avaliação do economista, isso deveria servir de alerta para que os agentes públicos não interpretem a queda na relação da dívida sobre PIB como uma melhora ampla no cenário fiscal.

"Esse quadro melhor não pode nos enganar. O fôlego que foi gerado com essas benesses conjunturais tem de ser aproveitado para avançar no que realmente importa, que é o ajuste fiscal", disse.

Na sexta, o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, disse que esses episódios não podem ser considerados exatamente extraordinários.

"O impacto na dívida bruta a partir das devoluções do BNDES foi uma medida de política fiscal. Essa é uma decisão tomada e executada pelo governo."
Essa ferramenta, entretanto, é limitada.

Rocha afirmou que restam R$ 193 bilhões em pagamentos que podem ser antecipados pelo BNDES ao governo.

Em relação às reservas, ele afirmou que as variações são fruto de decisão do BC sobre como atuar na política de câmbio.

Na avaliação de Salto, o país precisa voltar a gerar superávit primário –quando arrecada mais do que gasta– para vislumbrar uma trajetória sólida de redução da dívida pública.

Para ele, o momento atual é uma janela de oportunidade.

Como a Selic está em nível baixo, o gasto do governo com juros da dívida fica menor.

O gasto nominal com juros caiu de 5,50% do PIB em 2018 para 5,06% em 2019.

Preocupados com a continuidade do ajuste fiscal, técnicos da equipe econômica têm insistido na necessidade de medidas que segurem as despesas públicas.

Na proporção do PIB, o total de despesas primárias vem crescendo nos últimos anos.

A conta, que chegou a cair de 19,9% do PIB para 19,4% entre 2016 e 2017, subiu para 19,6% em 2018 e retornou a 19,9% em 2019.

Depois da aprovação da reforma da Previdência, o governo apresentou um conjunto de propostas que flexibilizam a execução do Orçamento e acionam gatilhos de ajuste fiscal em momentos de dificuldade financeira.

Entre as medidas estão o corte temporário de jornada e de salários de servidores públicos e a proibição de reajustes e novas contratações.

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