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Negociação no Congresso para divisão de R$ 30,8 bi teve desconfiança e ameaça

Por Folhapress

A negociação do acordo para definir a divisão de R$ 30,8 bilhões do Orçamento de 2020 não teve episódios de tensão apenas entre governo e Congresso, mas também dentro do próprio Legislativo.

Falta de entendimento, desconfiança sobre o cumprimento de tratos, acusações e até ameaças marcaram as reuniões dos últimos dias nas residências oficiais e gabinetes dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Quando retornou de uma viagem oficial à Espanha, na noite de segunda-feira (2), Maia foi direto para a reunião que Alcolumbre comandava para tentar fechar um acordo para a votação dos vetos do presidente Jair Bolsonaro a trechos Orçamento impositivo.

Ao tomar pé da situação, Maia ficou contrariado, segundo dois participantes do encontro.

Na terça-feira (3), a expectativa pela chegada dos PLNs (projetos que regulamentam o Orçamento impositivo e dividem entre governo e Congresso o montante bilionário) ajudou a elevar a temperatura. O Executivo havia prometido os textos para o período da manhã.

Os principais líderes do chamado Centrão - PP, DEM, MDB e Solidariedade, entre outros - se dirigiram, na terça de manhã, à casa de Maia para aguardar a chegada dos textos e começar a negociar eventuais ajustes.

No início da tarde, sem nenhum sinal de que os textos seriam enviados, começaram a deixar, irritados, a residência oficial do presidente da Câmara. Os projetos chegaram às 17h05, como fez questão de enfatizar Alcolumbre, após duas tensas reuniões.

Na primeira, na Presidência do Senado, ele foi cobrado por integrantes do grupo "Muda, Senado!". Eles queriam mais tempo para a votação dos projetos. Também foi questionado sobre os critérios de distribuição da parte do dinheiro do Congresso que caberá ao Senado, cerca de R$ 5 bilhões pelas contas de técnicos do Legislativo.

O grupo costuma fazer críticas públicas a Alcolumbre, em uma atuação muitas vezes midiática que tem como foco a audiência nas redes sociais.

Alcolumbre, que também é presidente do Congresso, queixou-se do comportamento do "Muda, Senado!" e ameaçou ingressar no Conselho de Ética contra o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que, no dia 21 de fevereiro, disse que o colega não gostava de trabalhar porque não havia marcado sessões para a quinta e a sexta-feira depois do Carnaval.

Alcolumbre saiu da reunião disposto a ceder à pressão dos senadores e caminhou até a Presidência da Câmara para informar que não conseguiria entregar os votos.

O Senado queria deixar a votação dos PLNs para a próxima semana. Parte dos líderes do Centrão se opôs. Eles desconfiavam de que, com os vetos de Bolsonaro mantidos e com a proximidade das manifestações pró-governo e contra o Congresso, em 15 de março, o Executivo poderia desistir do acordo e não levar adiante os projetos entregues pouco antes daquele momento.

Alguns defendiam ainda que os vetos só fossem votados quando o presidente sancionasse os projetos.

De acordo com relatos, Maia, que inicialmente havia se oposto à proposta do Senado, mudou de ideia e disse que daria um voto de confiança ao governo.

Nesta quarta-feira (4), antes da votação que manteve, de fato, os vetos de Bolsonaro, Maia disse ter dado crédito à palavra dos senadores, que se comprometeram a votar os projetos na próxima semana, mesmo com a oposição do "Muda, Senado!".

"O importante é que, entre nós, o acordo seja feito, seja honrado, como sempre foi", afirmou Maia.

Porém, a desconfiança de deputados sobre o Senado é grande e constante.

Ainda nesta quarta, congressistas diziam não acreditar que Alcolumbre vá de fato garantir a votação dos projetos de lei enviados pelo governo no Senado. Líderes da Câmara apontam que Alcolumbre não tem controle sobre os senadores.

Dirigentes de partidos do Centrão disseram que falta a Alcolumbre transparência na gestão da Casa.

Usam como exemplo do momento atual a reclamação de senadores de que ele ainda não disse como vai dividir a distribuição dos R$ 5 bilhões de emendas do relator que a Casa poderá indicar.

Na Câmara, já haveria um desenho traçado de como cada bancada e o próprio Maia vão poder direcionar os recursos.

Senadores também veem o presidente do Casa mais preocupado com uma eventual reeleição do que, de fato, com os deveres do cargo.

Para eles, a ênfase é equivocada. Caso Alcolumbre se dedicasse de fato à gestão no Senado, procurando melhorar a articulação com senadores e com Maia, a reeleição seria um processo natural. A crise entre as duas Casas têm um episódio divisor de águas.

Em setembro, dirigentes do Centrão culparam, nos bastidores, Alcolumbre por ceder à pressão das redes sociais e recuar no acordo para votar o projeto que abria brechas para ampliar o fundo eleitoral como havia sido aprovado pela Câmara na época.

Assim que a Câmara aprovou a proposta, líderes do Centrão atravessaram o Salão Verde e foram pessoalmente ao gabinete de Alcolumbre.

O presidente do Senado aprovou o texto, mas acabou recuando após o senador Major Olímpio (SP), líder da bancada do PSL , entrar no gabinete e criticar a medida. Alcolumbre, então, disse que "lava as mãos".

Na semana antes do Carnaval, o Congresso não apreciou os vetos ao Orçamento porque senadores obstruíram a sessão.

Em dezembro do ano passado, o Senado não conseguiu cumprir o acordo que havia feito com a Câmara e manteve veto de Bolsonaro ao dispositivo que recriava a propaganda partidária em rádio e televisão.

Os episódios expõem o desgaste na relação entre a Câmara e o Senado, que está deteriorada ao ponto de deputados do Centrão já admitirem que vão "deixar na gaveta" propostas de interesse do Senado. Entre elas, a possibilidade de reeleição dos presidentes do Congresso.

Alcolumbre foi procurado pela Folha, por meio de sua assessoria de imprensa, mas não se manifestou sobre as críticas dos parlamentares.

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