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Consumidor paga na conta de luz de irrigação de soja a térmica a carvão

Por: Alexa Salomão

A limitação do ICMS sobre energia, aprovada pelo Senado nesta segunda (13), não vai frear o encarecimento da conta de luz enquanto governo e Congresso insistirem em repassar para a tarifa os altos custos de "puxadinhos" que atendem a grupos privados e interesses políticos, afirmam especialistas.

"Há dois fatores estruturais que funcionam como a espinha dorsal do aumento na tarifa da energia, tributos e benesses", diz Ângela Gomes, consultora para assuntos estratégicos da PSR, empresa que é referência em tecnologia para o setor de energia.

"Congresso e governos usam a conta de luz para esconderem ineficiências da política pública e atenderem lobbies privados, beneficiando grupos de interesse, porque é muito difícil para a dona Maria ver o que colocam lá e conseguir reclamar."

Ela coordenou um levantamento sobre os aumentos nos custos da energia elétrica, apresentado no mais recente Energy Report da PSR, relatório mensal a assinantes.

Nele é possível ver que os tributos pesam mais na tarifa, representando 32% do total, considerando tarifas até abril deste ano. O destaque vai para o ICMS, com peso de 30 pontos percentuais no total.

O aumento, porém, é puxado pelos encargos, como se chamam os subsídios na energia. Eles estão concentrados na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). O crescimento desses itens ocorre há alguns anos, mas se acentuou recentemente por força do lobby.

Os gastos com encargos passaram de R$ 16 bilhões em 2017, um valor já considerado elevado, para R$ 24 bilhões em 2021. Neste ano, está em R$ 32 bilhões.

"O valor da conta de luz vem dando saltos principalmente por causa das benesses que o Congresso e o governo concedem a diferentes setores privados, e que jamais poderiam ter sido transferidas para o consumidor via tarifa", diz Ricardo Lima, consultor do setor de energia com 42 anos de atuação em entidades e empresas do setor.

Técnicos ouvidos pela reportagem afirmam que há vários exemplos que ilustram essa dinâmica.
Na contramão da tendência mundial, por exemplo, os parlamentares brasileiros prorrogaram o prazo de validade do subsídio a térmicas a carvão, combustível que está sendo banido pelo impacto negativo sobre as mudanças climáticas. Neste ano, custa R$ 907 milhões na conta de luz, 21% mais que no ano passado.

A irrigação nas propriedades que plantam e exportam culturas como soja e milho custa outro R$ 1,3 bilhão neste ano aos consumidores. Os especialistas de energia afirmam que não faz sentido algo assim ser pago na conta de luz.

Os parques de energia renováveis são negócios rentáveis e estabelecidos, já não precisam de subsídios, segundo técnicos do setor de energia. Mas esses projetos, muitos mantidos em parceria com as maiores indústrias do país, ainda têm subsídio na transmissão, que em 2022 custam R$ 5,7 bilhões para quem paga a tarifa de energia.

Os descontos para a geração distribuída, projetos solares que podem ser abatidos na tarifa de energia, mobilizaram até o presidente Jair Bolsonaro (PL). Segundo ele, não se pode "taxar o sol".

Na falta da taxa, os descontos desses projetos, utilizados principalmente por bancos, shoppings, redes de supermercados e famílias de média e alta renda, ficam embutidos na tarifa e são rateados com todo mundo que liga um interruptor em casa. Neste ano, elevam em R$ 5 bilhões a tarifa de energia, segundo projeção da PSR.

"O setor tem hoje um grave problema de governança", diz Edvaldo Santana, ex-direitor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). "Alguém pede, e o deputado inclui uma emenda que cria ou prorroga um subsídio, um desvio de função que se tornou uma das principais causas para o aumento da tarifa de energia."

QUEIMANDO COMBUSTÍVEL FÓSSIL

O item que mais cresceu, e hoje mais pesa dentro da CDE, é o gasto para manter geradores e térmicas movidos a combustível fóssil em locais distantes, especialmente em estados da região Amazônica, ainda não interligados ao sistema elétrico. O item é chamado de CCC (Conta de Consumo de Combustível).

Neste ano, são R$ 12 bilhões em combustível para os geradores, 37% de toda a CDE, em gastos com fontes poluidoras, pago pelos brasileiros na conta de energia.

A compra e uso de combustíveis fósseis nessas áreas movimenta uma ampla cadeia de interesses econômicos, que inclui não apenas a venda, mas também o transporte e ainda a tributação de ICMS -o que, paradoxalmente, torna a transição energética para fontes limpas bem mais lenta justamente na área da floresta tropical.

Existe já um consenso na área de energia que o primeiro passo para deter a escalada de custos na conta de luz é retirar esses subsídios, e transferi-los para o Tesouro Nacional, uma vez que se tratam de escolhas de política pública.

"Retirados da conta de luz, esses subsídios ainda precisariam ser discutidos dentro de uma racionalidade que desse apoio a quem precisa e não apenas atendesse a pressões políticas específicas", diz Anton Schwyter, coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Tarifa de energia sofre efeito 'bola de neve' com repasses atrasados Um agravante para a alta na tarifa de energia em 2022 foi a sobreposição de custos gerados por crises eventuais, e a forma como estão sendo repassados para o consumidor.

Primeiro, ocorreu o baque da pandemia, que alterou o consumo de energia e impôs perdas às distribuidoras. Na sequência veio a maior seca em 90 anos, reduzindo a água nos reservatórios das hidrelétricas, levando ao acionamento e a contratação de térmicas caras.

Foi gerado um custo adicional futuro de quase R$ 80 bilhões para a conta de luz, mas ele foi sendo empurrado. Os repasses, agora, se mostram igualmente pesados. Os especialistas alertam que está em curso a rolagem de uma espécie de bola de neve de reajustes, com efeitos imprevisíveis.

Do total, primeiro vieram R$ 14,8 bilhões da Conta Covid, empréstimo de socorro às distribuidoras para cobrir custos com geração, transmissão e encargos, que não foram cobertos com a redução do mercado durante a pandemia, em 2020 e 2021. A conta será paga na conta de luz de 2022 a 2025.

No ano passado, a seca trouxa a conta mais pesada. Foram R$ 23 bilhões de custos extras com a bandeira tarifária durante a crise hídrica, debitados na conta de energia de setembro de 2021 a abril de 2022.

Neste ano, foram contratadas despesas de R$ 5 bilhões, via empréstimo, para cobrir os restantes das perdas não cobertas pela bandeira tarifária, para ser pago em cinco anos a partir de 2023.

Para encerrar, vieram os R$ 39 bilhões contratados com as térmicas do PCS (Procedimento Competitivo Simplificado). Esses novos projetos devem operar para poupar água das barragens, de 1º de maio de 2022 a 31 de dezembro de 2025.

Parte dos aumentos tarifários que causam debates atualmente reflete o impacto dessas despesas passadas que começaram a ser processadas na conta de luz.

O aumento de 24,88% da Enel Ceará, em maio, que causou indignação entre deputados federais, é um exemplo. Segundo dados divulgados pela própria Aneel, 11 pontos percentuais, quase metade, são valores que deveriam ter sido incluídos na conta no ano passado, mas foram adiados para 2022.

O reajuste da mineira Cemig, que já foi adiado duas vezes pela Aneel, é outro caso. A alta da estatal também teria ultrapassado os 20%, e até a distribuidora prefere aguardar medidas paliativas para evitar um baque tarifário. A Cemig também teve parte do reajuste jogado para este ano.

Governo e Congresso buscam aliviar o baque neste ano eleitoral. Um projeto de Lei do Senador Fábio Garcia (União Brasil-MT) teve tramitação acelerada para liberar R$ 60 bilhões em créditos tributários que podem ser usados para abaterem os reajustes.

Outro recurso emergencial que já esta na conta de todo mundo é o repasse de R$ 5 bilhões que a Eletrobras fará, após a privatização, para a CDE ainda neste ano.

Especialistas elogiam as soluções de curto prazo, mas alertam para necessidade de pensar além.

"É importante ver que o Congresso agora se interessa pelo debate sobre os custos da energia elétrica, e busque alternativas para reduzi-la, mas ele está desfocado", diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace (Associação de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres).

"Mas as discussões ficam em torno de soluções paliativas, quando o foco deveria ser promover uma mudança estrutural, que tire da conta de luz o que não deveria estar lá. Uma boa iniciativa é projeto de lei 414, que avança, mexendo no metabolismo das ineficiências do setor."

A fixação de um teto para o ICMS dos estados na conta de luz entre 17% e 18% foi a investida mais incisiva do governo e Congresso para mudar os custos tarifários em ano eleitoral. A medida foi incluída no PL (Projeto de Lei) que trata dos combustíveis, cujo texto-base foi aprovado nesta segunda (13) no Senado.

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