O Rio não pode abrir mão da sua vanguarda tecnológica

O Rio não pode abrir mão da sua vanguarda tecnológica

Por Cláudio Magnavita*

O Rio está assistindo passivamente o fim do seu último quinhão ligado à indústria da aviação. A forma que está sendo encerrado o gigantesco centro de manutenção aeronáutico, na área industrial do Galeão, é de causar arrepios. Estão sendo extintos 500 empregos altamente especializados, de uma base que chegou a empregar 10 vezes mais. Da forma que está sendo feita, um milionário negócio está sendo morto sem que haja qualquer reação ou reflexão da sua importância estratégica para o país.

Não se trata apenas de 500 postos de trabalhos, mas da perda de uma tecnologia que transformou, durante décadas, o Rio no grande polo da aviação comercial da América do Sul.

O maior ativo da antiga Varig Engenharia e Manutenção são as certificações internacionais que possui e permite, aqui, no nosso quintal, realizar serviços em aeronaves de qualquer parte do mundo. As oficinas são homologadas pela Europa e Estados Unidos, por exemplo, mercados rigorosos no fator segurança. Na nossa Ilha do Governador, é possível desmontar um Airbus A330, até seu último parafuso, e remontá-lo de forma homologada para voar em qualquer parte do planeta.

Para formar um engenheiro aeronáutico, com todas as certificações, são necessários, pelo menos, cinco anos. No mês passado, duas dezenas de aviões da Gol e da Latam passaram por estas oficinas. O hangar principal é tão grande que cabe, de uma só vez, quatro Wide-body, aviões de dois corredores juntos. Não há outra estrutura similar no hemisfério sul. Tudo isso está aqui, na Ilha do Governador. Tudo isso vai acabar e o Rio se dará ao luxo de assistir silenciosamente os efeitos de uma decisão tomada na Europa, por um governo de outra nação.

Para a TAP, não se justifica realmente ter este centro de manutenção no Brasil. A empresa está colapsada e a pandemia só agravou a sua situação. Ela foi reestatizada, recebeu aporte financeiro da comunidade europeia e precisa sobreviver. É uma decisão tomada e irreversível.

Uma coisa é certa: o centro de manutenção não pode e nunca terá a sua sobrevida sem a TAP. A solução está em achar alguém que queira assumir o negócio. Porém, para prosseguir, tem que se livrar de dois pesos extras, que, juntos, formam uma dívida de R$ 700 milhões. A questão tributária, hoje na casa dos R$ 300 milhões, e um passivo trabalhista, de R$ 400 a R$ 500 milhões. A questão trabalhista envolve a herança de algumas ações da própria Varig e da redução de empregados, já que a empresa emprega hoje apenas 10% do seu quadro original.

O centro de manutenção tem uma receita anual de R$ 150 milhões e uma folha mensal de R$ 5 milhões. Para encerrar a área industrial, a TAP terá de arcar, além dos R$ 700 milhões, com as indenizações destes 500 funcionários e os atrasos com o uso do espaço da União, sob concessão da Rio-Galeão. O aluguel mensal é de R$ 1,2 milhão. A TAP tentou achar um parceiro que ficasse com o negócio, porém o liquidante, a Alvarez & Marçal, criou condições que inviabilizaram qualquer acordo. Situação confortável para a A&M, que seguirá como liquidante por, pelo menos, quatro anos.

Se a TAP entregar este fantástico parque industrial por apenas um euro e assumir a parte trabalhista, estará fazendo um negócio da China. Livrará o contribuinte português de, pelo menos, 100 milhões de euros de tributos e novas dívidas trabalhistas. A grande ironia é que a ordem de parar, dada pelo Comissário Europeu, veio no momento em que chove pedidos. A empresa foi obrigada a recusar a manutenção de 12 aeronaves da GOL, 20 da Latam e não entrou na concorrência de 50 aeronaves da Lufthansa. O único outro centro de manutenção no Brasil é o da Latam, em São Carlos. A empresa mãe está debilitada e o seu processo de decisão está no Chile. Um país que depende da malha aérea não pode deixar de ter o seu próprio centro de manutenção para as nossas aeronaves.

O erro mais bobo é achar que o negócio da antiga VEM está ligado ao movimento do esvaziamento do Galeão. São negócios à parte. As aeronaves que passam no aeroporto em trânsito estão em um mundo à parte. O erro do Governo português foi tomar uma decisão unilateral, de forma consumada. Não chamou o Brasil para participar de uma solução para preservar empregos e a tecnologia embarcada. Os mecanismos de financiamento e incentivos poderiam ser usados para manter vivo um ativo nacional de alta tecnologia. Aliás, podem ainda, já que o prazo para o fim da empresa é março de 2022.

Cabe ao Estado do Rio, através do Governador Cláudio Castro, ao chefe da Casa Civil, Nicola Miccione, e, principalmente, ao secretário de Desenvolvimento Econômico, Vinicius Farah, realizar um dever de casa que salve empregos. É usar a mesma força empregada para atrair investimentos, para manter e salvar um que já existe. O Governo Federal, especialmente o ministro Paulo Guedes e o seu secretário Executivo, Marcelo Guaranys (que presidiu a Anac e conhece o tema) podiam tentar uma cartada final. Um cenário já tem: o encerramento. Por que não unir a Firjan, Fecomércio e Associação Comercial e construir um novo? O Rio, quando se une, resolve. A saída pode ser surpreendente e avançar em um cenário inimaginável. É hora de buscar uma.

 

*Cláudio Magnavita é diretor de redação do Correio da Manhã