"STJD nunca vai entender o que senti na pele, é impossível", diz Celsinho

Por: Arthur Sandes 

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) aceitou um recurso do Brusque e decidiu abrandar a punição ao clube pela injúria racial cometida pelo dirigente Júlio Antônio Petermann. Em entrevista ao UOL Esporte, o meio-campista Celsinho, do Londrina, que foi a vítima do caso, revelou sentimento de decepção e cobrou representatividade no Tribunal.

"É um sentimento de indignação. Em nenhum momento nos passou pela cabeça que a decisão deles seria esta. É uma insatisfação, uma decepção. Este é um país em que precisamos de todas as forças para lutar contra este tipo de crime, mas estamos retrocedendo em uma instituição que tinha tudo para tomar uma decisão melhor. A punição já era branda", afirma o jogador.

O Pleno do STJD é formado exclusivamente por homens brancos. Por maioria de votos, o Tribunal mudou a punição e devolveu os três pontos que instâncias inferiores haviam retirado do Brusque na Série B. O clube foi punido com a perda de um mando de campo e teve mantida uma multa de R$ 60 mil, enquanto Júlio Antônio Petermann teve mantida a suspensão por 360 dias e também a multa em R$ 30 mil. Do ponto de vista de Celsinho, nada disso é suficiente.

"A decisão deveria ser outra independentemente da cor [dos auditores], mas precisamos de mais pessoas de outras cores [no Tribunal], toda a estrutura precisa. Deveríamos, sim, ter mais pessoas que se sentissem mexidas de fato sobre o que aconteceu", defende o jogador do Londrina. "No julgamento alguém disse que sabia o que eu estava sentindo no momento, mas isso é impossível. Não sabe e provavelmente nunca vai entender o que senti na pele. É muito simples ter o poder de julgar e pronto, mas sentir na pele, essa pessoa nunca sentiu."

O STJD é a instância mais alta da justiça esportiva no Brasil, mas as repercussões deste caso de racismo não se limitam a ele. Eduardo Vargas, que é advogado do Celsinho, explica que outras situações em que o jogador foi vítima estão agora sendo apreciadas pela justiça criminal.

"A questão está sendo instaurada. Em Goiânia, por exemplo, o processo já foi finalizado e nos próximos dias deverá sair a decisão. Com relação aos casos de Belém e este de Brusque, a polícia ainda está apurando o inquérito. Em paralelo, nós também estamos planejando ações cíveis, de reparação. O Celsinho irá até às últimas consequências para ter punição neste caso", afirmou Vargas ao canal SporTV.

A devolução dos três pontos praticamente salva o Brusque do rebaixamento para a Série C: o time subiu a 44, três acima do próprio Londrina, que abre a zona de rebaixamento na 17ª posição. Faltam duas rodadas para o final do campeonato, e nesta luta pela permanência o time de Celsinho ainda enfrenta Vila Nova (hoje, às 21h30) e Vasco da Gama (no domingo, 28).

ENTENDA O CASO

O meio-campista Celsinho, de 33 anos e atleta do Londrina desde 2020, foi vítima de injúria racial em um partida entre o time paranaense e o Brusque, válida pela Série B e disputada no dia 28 de agosto. Na súmula, o árbitro relatou as palavras ouvidas pelo jogador pouco antes do intervalo. "Vai cortar esse cabelo, seu cachopa de abelha". O infrator foi identificado como presidente do Conselho Deliberativo do clube, Júlio Antônio Petermann.

Diante da repercussão, o Brusque publicou nota oficial em que tentava desqualificar Celsinho. Duas semanas depois, o Londrina ingressou com uma Notícia de Infração juntando esta súmula, um Boletim de Ocorrência registrado por Celsinho e um vídeo em que o clube afirmava ser possível ouvir alguém gritar a palavra "macaco".

Tanto o Brusque quanto Petermann, o autor da injúria racial, foram enquadrados pela Procuradoria do STJD no artigo 243-G do CBJD, por "praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência". O clube foi punido com multa e perda de três pontos na Série B na primeira instância, teve um recurso negado pelo próprio STJD há 40 dias, mas recorreu de novo e assim conseguiu mudar a pena no Pleno do tribunal.