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Jogos de Inverno tentam desviar de Covid-19 e tensão política em Pequim

Por: Daniel E. De Castro

Há cerca de seis meses, Japão e COI (Comitê Olímpico Internacional) organizaram uma edição olímpica sem precedentes. Adiados em um ano pela pandemia, os Jogos de Tóquio ocorreram com arquibancadas vazias e adotaram uma série de protocolos sanitários para os participantes, entre eles testes diários de Covid-19.

As definições de "sem precedentes", porém, foram rapidamente atualizadas. A rigidez das normas estabelecidas para os Jogos de Inverno de Pequim-2022, com abertura nesta sexta-feira (4), faz os procedimentos estabelecidos na última edição de Verão serem vistos agora como suaves.

Além disso, enquanto o Japão tinha "apenas" os desdobramentos da pandemia para se preocupar, a China realiza seu evento em meio a um turbulento contexto diplomático.

A ditadura de Xi Jinping vive o momento mais tenso da sua relação com o Ocidente, em meio às críticas pela repressão das liberdades civis em Hong Kong e pela opressão dos muçulmanos uigures em Xinjiang.

No fim de 2021, a censura imposta à tenista Peng Shuai, após ela ter acusado um líder chinês de agressão sexual, alimentou a pressão internacional antes de os EUA anunciarem um boicote diplomático aos Jogos. A medida significa que os americanos -assim como outros países aliados- não terão representantes governamentais no evento, mas isso não afeta a participação dos atletas.

Quem confirmou presença na posição de aliado cada vez mais próximo a Xi Jinping foi o presidente russo, Vladimir Putin. Isso no momento em que seu país está no centro de uma grave crise de segurança com a Ucrânia e o Ocidente, sob temores de que Putin possa ordenar uma invasão ao território vizinho.

Como já havia ocorrido em Tóquio-2020 e na última edição olímpica de Inverno, PyeongChang-2018, a Rússia não competirá como nação em Pequim-2022. Por uma suspensão motivada pela adulteração de dados do laboratório antidoping do país, seus atletas representarão novamente o Comitê Olímpico Russo, sem o uso da bandeira e a execução do hino nacional.

O cenário de tensão eleva a preocupação com possíveis manifestações políticas dos atletas nas Olimpíadas, justamente num país que costuma reprimi-las.

Antes de Tóquio, o COI mudou suas regras e passou a permitir atos no campo de jogo, mas manteve o veto no pódio e nas cerimônias. Além disso, a mensagem não pode ser dirigida direta ou indiretamente contra pessoas, países e organizações.

Apesar da liberação parcial, o tema continua nebuloso, principalmente no que diz respeito às possibilidades de punição. As regras do COI para isso não são claras, e a organização de direitos humanos Human Rights Watch recomendou que os atletas não façam protestos na China por temor de represálias.

Em outros momentos da história, todos esses fatores poderiam colocar questões sanitárias em segundo plano, mas é a pandemia que se impõe como realidade e motivo de preocupação imediata para todos os participantes do evento.

As normas mais duras estabelecidas para as Olimpíadas de Inverno resultam da política chinesa de "Covid zero" e do avanço da variante ômicron do coronavírus pelo mundo.

Os milhares de participantes dos Jogos, entre eles quase 3.000 atletas, só puderam chegar ao país-sede por rotas especiais estabelecidas pelo comitê organizador a partir de quatro locais: Hong Kong, Paris, Singapura e Tóquio. Não vacinados precisariam cumprir quarentena de 21 dias.

Em Pequim, foi adotado o conceito de "bolha sanitária" já estabelecido para outras grandes competições, mas em escala e com vigilância inéditas. Nenhum atleta, treinador ou profissional ligado aos Jogos poderá pisar fora do chamado circuito fechado: locais de competição, vilas olímpicas, alguns hotéis e uma rede de transporte específica.

Em Tóquio, os trabalhadores olímpicos com residência na cidade usavam transporte público e voltavam para suas casas após o expediente. Profissionais estrangeiros credenciados, por exemplo jornalistas, também podiam circular livremente após 14 dias no país.

A única flexibilidade do evento chinês em relação ao anterior é que em Pequim haverá público. A venda de ingressos, porém, foi suspensa no começo deste ano, e apenas um número não divulgado de convidados poderá assistir às competições.

Todo esse cerco não impediu que os Jogos começassem com um número considerável de casos de Covid-19. De 23 de janeiro a 2 de fevereiro, foram 287 ligados ao evento, 192 identificados no aeroporto e 95 na "bolha". Os organizadores dizem que os números estão dentro do esperado e não há motivo para preocupações com eventuais surtos.

Em Tóquio, nenhum dos principais nomes perdeu a competição por causa do vírus. Já em Pequim, a austríaca Marita Kramer, 20, favorita no salto de esqui, contraiu a doença pouco antes de viajar e não poderá competir. Dona de três medalhas olímpicas no bobsled, Elana Meyers Taylor teve um teste positivo já na China. Com isso, ela não poderá ser a porta-bandeira da delegação dos EUA na abertura, mas ainda tem tempo de se recuperar para as provas.
Integrante da equipe brasileira de bobsled, Erick Vianna, 28, teve um teste positivo no sábado (29), logo que desembarcou.

"É uma notícia que ninguém quer receber. Na hora foi um susto, porque fiz dois testes PCR na Áustria antes de viajarmos, e ambos deram negativo", afirmou o atleta. "O primeiro dia de isolamento foi o pior. Cheguei à Vila Olímpica e depois de uns 40 minutos recebi a notícia do teste positivo. Passou muita coisa pela minha cabeça, mas, depois de algumas horas, consegui me concentrar e me acalmar."

Para serem liberados da quarentena, os participantes precisam apresentar dois resultados negativos num intervalo de 24 horas, o que aconteceu com o brasileiro já na terça-feira (1º). As primeiras provas de bobsled serão apenas na segunda semana dos Jogos.

As competições de Pequim-2022 tiveram início na quarta, com partidas de curling. Nesta quinta (3), Sabrina Cass foi a primeira atleta do Brasil a estrear. Ela ficou em 21º lugar na primeira descida do moguls, prova do esqui estilo livre.

As dez primeiras colocadas foram direto para a final, marcada para domingo (6). Também no domingo, um pouco antes, a brasileira de 19 anos buscará uma das dez vagas restantes na decisão. Para isso, precisa subir ao menos uma posição.

Nesta sexta, a cerimônia de abertura será realizada no Estádio Nacional, conhecido como Ninho do Pássaro, a partir das 9h (de Brasília). O SporTV 2 transmite. Já as competições terão exibições pela Globo, pelo SporTV e pelo site Olympics.com.

A solenidade inicial promete ser mais curta do que o habitual, com duração de até cem minutos, e terá um número reduzido de participantes. O diretor, Zhang Yimou, é o mesmo que comandou a impressionante inauguração dos Jogos de Verão de 2008, também realizada no Ninho do Pássaro. Os porta-bandeiras do Brasil são Edson Bindilatti, 42, e Jaqueline Mourão, 46, ambos em sua quinta participação nos Jogos de Inverno.

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