O racismo não pode mais ser tolerado

Por Pedro Sobreiro

Os gramados dos estádios pelo mundo costumam ser palco de momentos memoráveis do futebol. O elástico de Rivellino, a bicicleta do Cristiano Ronaldo, os
dribles de Ronaldinho, as arrancadas geniais de Maradona, os milagres de Pelé e muitos outros lances que já trouxeram alegria a milhões de torcedores.

Há 95 anos, destacava-se o pioneirismo do Vasco e seus Camisas Negras, campeões com negros e operários no elenco. Era o primeiro passo na luta contra o racismo no futebol. Infelizmente, as infelizes páginas do preconceito e da intolerância ainda não foram viradas. Na última semana, o noticiário esportivos foi
tomado por casos de preconceito racial ao redor do globo.

O choro dos brasileiros Taison e Dentinho, do Shaktar Donestk, após verem boa parte da torcida do Dínamo Kiev fazendo som de macaco na direção deles comoveu o mundo. Nitidamente ofendido, Taison respondeu apontando o dedo médio e chutando uma bola na direção dos criminosos. O brasileiro foi expulso pelo ato. O caso foi chocante, mas não é novidade na Europa.

Neste mesmo ano, o atacante belga Romelu Lukaku, da Inter de Milão, sofreu com ofensas racistas em campo e fora dele, quando imitaram um macaco e quando um comentarista italiano disse que a única forma de pará-lo seria jogando bananas. O caso de Lukaku é ainda mais doloroso porque uma torcida organizada do seu próprio time fez uma carta pedindo ao jogador para entender que imitar macacos em direção a jogadores negros é parte da cultura italiana.

IMPUNIDADE
Essa série de absurdos não rendeu qualquer tipo de punição severa aos clubes por parte da Federação Italiana e muito menos da Uefa. Não adianta estender faixa contra o racismo e tratar o crime com a mesma intensidade de um erro de arbitragem.

No Brasil, a situação foi ainda mais dramática. No Mineirão, em pleno mês da consciência negra, dois torcedores do Atlético Mineiro cometeram injúrias raciais contra um dos seguranças que tentava conter a confusão entre as torcidas do Galo e do Cruzeiro. Carioca que reside em Minas desde 2012, o segurança
Fábio Coutinho teve que ouvir os autores do crime gritarem palavras de ódio e falarem: “olha a sua cor, olha a sua cor”. Em uma tentativa de reduzi-lo como pessoa, como se ele fosse menos por ser negro.

O momento foi gravado em vídeo e percorreu as redes sociais, causando grande comoção por parte de torcedores rivais e dos próprios atleticanos conscientes. A Polícia Civil de Minas Gerais já identificou os envolvidos no crime, os irmãos Adrierre Siqueira da Silva (37) e Natan Siqueira da Silva (28), e divulgou uma nota informando que eles vão responder por injúria racial, que pode render até 3 anos de prisão e o pagamento de uma multa.

Em seu depoimento no Departamento de Operações Especiais (Deoesp), na Pampulha, Natan, que está sendo acusado de ter chamado Fábio de “macaco” negou ter sido racista com o seguinte discurso: “De forma alguma [fui racista], tanto é que eu tenho irmão negro, tenho pessoas que cortam meu cabelo que são negros, amigos que são negros. Isso não foi da minha índole, pelo contrário. A forma que está circulando nas redes sociais, na imprensa, que eu dirigi a palavra a ele de ‘macaco’, de forma alguma eu falei aquilo. A palavra direcionada foi ‘palhaço’ e não ‘macaco’”, alegou.

Já Adrierre, que aparece mais nítido no vídeo, comentou que: “Estava com os ânimos exaltados na hora do jogo e quero pedir perdão a ele, por todos os insultos que eu fiz, pelo cuspe que eu proferi. Aquilo não é da minha índole”.

Os irmãos se disseram arrependidos. Entretanto, é assustador alguém pensar em resolver um caso de injúria racial com um pedido de desculpas. Racismo é crime.

Em um levantamento feito pelo Globoesporte.com foi constatado que aproximadamente 48% dos jogadores e treinadores negros das Séries A, B, C e D do
Campeonato Brasileiro já sofreram com racismo em suas carreiras. É irracional quase metade dos profissionais do futebol, em um país de descendência africana, ser discriminada por ser negra. Recentemente, o treinador do Bahia, Roger Machado, colocou o dedo na ferida denunciando o racismo velado existente no Brasil.

Casos como o de Taison, Dentinho, Lukaku e Fábio não podem mais ser tolerados. As organizações responsáveis precisam tomar medidas enérgicas contra o preconceito. Não adianta entrar em campo com faixa contra o racismo se o comportamento de seus apoiadores é racista. Basta.