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Rio tinha muitos problemas a cem dias da Olimpíada, mas não uma pandemia

Carlos Petrocilo (Folhapress)

A cem dias do início dos Jogos Olímpicos, as obras de algumas das principais instalações ainda não estão prontas. O país vive um dos seus piores ciclos de recessão e grave crise política, com a presidente em meio a um processo de impeachment. Para piorar, uma epidemia é a justificativa de alguns atletas para desistir do maior evento esportivo do planeta.
Em abril de 2016, esse era o cenário do Brasil e do Rio de Janeiro, às vésperas de receber a Olimpíada.

A situação do Japão e de sua capital é bem diferente no mesmo marco da contagem regressiva para os Jogos de Tóquio-2020, mas o cenário tornou-se mais incerto do que há cinco anos por conta de um problema que os japoneses não puderam prever nos preparativos: a pandemia de Covid-19.

Com quase tudo pronto antes de o coronavírus se espalhar pelo mundo, os japoneses estavam orgulhosos do ritmo de construção das oito arenas, dez locais temporários de competição e reformas nas 25 instalações já existentes.

O presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), Thomas Bach, definiu a cidade japonesa como sede mais bem preparada de todos os tempos. Esse nível de organização será ainda mais fundamental na tentativa de garantir a realização da Olimpíada após seu adiamento em um ano, em meio à crise sanitária mundial e às medidas restritivas necessárias para conter a proliferação do vírus.

A última nova obra entregue, do Centro Aquático, foi concluída em março de 2020, alguns dias antes de o COI (Comitê Olímpico Internacional) anunciar o adiamento do evento. A cem dias dos Jogos do Rio, a organização corria para concluir a Arena Carioca 2, que ficaria pronta em maio, e o Velódromo. Este último foi entregue a quase um mês da cerimônia de abertura, realizada no dia 5 de agosto.

A cidade sofria com quedas no fornecimento de energia elétrica e as novas arenas já eram alvos de críticas por confederações de outros países após participarem de eventos-teste.
"Estão deixando a desejar em detalhes muito importantes em cada arena", disse, na ocasião, Francesco Ricci Bitti, presidente da Associação Internacional das Federações Olímpicas (ASOIF, na sigla em inglês) durante entrevista coletiva na Suíça.

Um dos principais legados da Olimpíada na capital fluminense, a construção da linha 4 do metrô também havia se tornado uma dor de cabeça enquanto o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinava, no dia 25 de abril, o bloqueio de R$ 661 milhões das contas do estado para pagar aposentados e pensionistas. Uma semana antes, a Câmara do Deputados aprovara a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

Ainda em abril, outra avalanche para a imagem do Brasil foi o desabamento de trecho suspenso sobre o mar da ciclovia Tim Maia, na avenida Niemeyer, que deixou dois mortos. Com custo de R$ 44,7 milhões, a obra havia sido inaugurada em janeiro.

Em fevereiro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou estado de emergência de saúde internacional diante da zika e complicações relacionadas ao vírus. Transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, a doença pode causar microcefalia em bebês de mães infectadas durante a gravidez, além de outros problemas neurológicos em crianças e adultos. Epicentro da epidemia, o Brasil contabilizou, entre 2015 e 2016, 12,7 mil notificações de casos de crianças cujo desenvolvimento pode ter sido afetado pelo vírus, de acordo com o Ministério da Saúde.

O epidemiologista Eduardo Massad calculou a chance de se pegar zika durante a Olimpíada: 3 casos para cada 100 mil habitantes. O COI recomendou às delegações que viajariam para o Brasil o uso de repelente e camisas e calças compridas.

Claramente nada que possa ser comparado ao impacto da pandemia de Covid-19 no Brasil, com 13,5 milhões de casos até esta segunda-feira (12), e no mundo, com 137 milhões. "O Aedes não está em todos os países. A chance de um arbovírus [vírus transmitido por um artrópode] causar uma pandemia é quase zero", afirmou Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, em março do ano passado, quando o coronavírus ainda virava uma ameaça olímpica.

Até agora, a Coreia do Norte já comunicou que não irá aos Jogos de Tóquio. Oficialmente, por causa da pandemia de Covid-19, mas devido ao contexto político a ação tem sido entendida como um boicote.

No Rio, alguns atletas desistiram do evento alegando preocupação com o vírus da zika. Entre eles, os principais golfistas e alguns tenistas de destaque, como a romena Simona Halep, o canadense Milos Raonic e o tcheco Tomas Berdych, além da melhor dupla da história, os irmãos americanos Bob e Mike Bryan.

Carlos Arthur Nuzman, então presidente do comitê organizador, disse que os golfistas desistiram de vir porque não há premiação em dinheiro no torneio olímpico. A modalidade estava fora do calendário desde os Jogos de 1904, em Saint Louis (EUA).

Num passado recente no qual pouco se falava de negacionismo no Brasil, o velocista jamaicano Usain Bolt, questionado se viria para o Brasil apesar da zika, disse: "Sou rápido. Eles [mosquitos] não conseguem me pegar".

Apesar da instabilidade e de todas as preocupações, a Olimpíada do Rio entregou um evento sem grandes percalços do ponto de vista da organização. Tóquio, bem preparada e com um inimigo invisível, espera dizer o mesmo nos próximos meses.

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