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Visita ao berço da civilização

Por Francesca Angiolillo (Folhapress)

Assim como, quando se pensa em Turquia, as imagens que vêm à mente são as imponentes mesquitas de Istambul ou as cavernas e céus pontilhados de balões da Capadócia, o nome Mesopotâmia se associa ao Iraque.

É esse, afinal, o país cujo território, nos dizem os livros de história, corresponde à da região entre os rios Tigre e Eufrates. No entanto também os turcos reivindicam seu quinhão nesse que é chamado berço da civilização ocidental.

É na Turquia que nascem os dois míticos rios e, no sudeste, a poucos quilômetros da fronteira com a Síria, eles cercam a região de Sanliurfa (pronuncia-se “Xanliurfa”), importante centro para o estudo arqueológico no país.

Fora da rota habitual dos brasileiros - que, segundo o governo da Turquia, privilegiam de fato Istambul e Capadócia--, Sanliurfa concentra achados que modificaram a compreensão da história da humanidade.

Nas montanhas de Germus (“Guérmush”), ao redor da capital homônima de Sanliurfa --também conhecida como Urfa--, Göbeklitepe (“Guobek- -li-tepé”) é o maior orgulho do país nesse quesito.

O sítio arqueológico entrou em 2018 na lista de patrimônio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Datado entre 9.600 e 8.200 a. C., trata-se de um dos mais antigos santuários jamais descobertos - para termos de comparação, calcula-se que Stonehenge, na Inglaterra, tenha sido frequentado entre 3.700 e 1.600 da era pré-cristã.

Como seu similar britânico, o conjunto de Göbeklitepe é composto de estruturas megalíticas, enormes blocos de pedra. A hipótese é que o monumento, no qual se destacam suas colunas em forma de T, decoradas com relevos de animais, tenha sido feito para uso ritual, possivelmente funerário.

No sítio, eles podem ser vistos a partir de uma estrutura coberta que forma um passeio elevado em torno da escavação principal - arqueólogos ainda trabalham em outros pontos do local.

Na chegada, o visitante encontra um museu com vídeos que contam a história do lugar e imaginam como ele era usado. A estrutura no local é boa, com estacionamento, lanchonete e loja na área de acolhimento, e um serviço de vans leva o visitante até o sítio propriamente dito.

Embora Göbeklitepe tenha sido descoberto em 1963, a escavação começou cerca de 30 anos mais tarde.

Em 1984, Mahmut Yildiz trabalhava com seu irmão arando o campo quando encontrou pedras lavradas que chamaram sua atenção. As peças foram levadas por eles ao Museu Arqueológico de Sanliurfa, que, de início, não lhes deu muita importância.

Só em 1993 fez-se a datação de carbono que permitiu confirmar aquilo de que arqueólogos alemães que trabalhavam na região desconfiavam. Ali haveria certamente vestígios importantes do Neolítico.

A descoberta de Göbeklitepe levantou dúvidas sobre aspectos da atividade humana na Terra. Antes pensava-se que caçadores e coletadores se dedicassem apenas a essas atividades de sobrevivência.

Escavações

Supunha-se que monumentos desse tipo fossem posteriores à agricultura, mas hoje admite-se que o cultivo da terra possa ter passado a existir para alimentar o grande número de pessoas que acorriam ao santuário.

As escavações foram lideradas pelo arqueólogo alemão Klaus Schmidt, e hoje o Instituto Arqueológico da Alemanha é encarregado, com o museu de Sanliurfa, do trabalho no local.

É recomendável visitar o Museu Arqueológico de Sanliurfa com calma, depois de já ter ido a Göbeklitepe.

O atual edifício, de 29 mil m², foi inaugurado em 2015, sucedendo o primeiro prédio, de 1969, que não acomodaria os achados crescentes na região.

O percurso do museu, distribuído em três andares, segue a linha do tempo da história, acompanhando os passos da atividade humana na região.

É um espaço que pode interessar adultos e crianças, com representações cenográficas dos modos de vida de cada era.

A visita vai do Paleolítico até o início do século 20, e podem-se ver utensílios de todas as fases da ocupação da Alta Mesopotâmia.

Uma réplica de parte de Göbeklitepe permite ao visitante sentir a escala do santuário e ver de perto os relevos esculpidos nos megálitos.

Mais adiante, está o templo original extraído de Nevali Çori (pronuncia-se “Tchóri”). Esse era o sítio em que trabalhava a equipe de Klaus Schmidt e que levantou as suspeitas dos alemães sobre a importância das pedras encontradas no local onde se descobriria o recinto sagrado de Göbeklitepe.

O tempo de Nevali Çori foi transplantado para o museu porque a região foi inundada na construção da represa Atatürk nos anos 1980; o assentamento original jaz sob 120 metros de água, e uma maquete dá uma pálida impressão do que ele teria sido.

De todo modo, é impressionante a coleção de milhares de peças em exibição - cerca de 5 mil das 65 mil do acervo.

O fim da visita se compõe de alas dedicadas às eras Helenística (330 a.C a 244 d.C.), Romana (244 a 1.086) e Islâmica (639 a 1922). Exemplares escultóricos, colunas, moedas e cerâmica estão à mostra.

É possível passar o dia no museu, que tem restaurante e loja, com bons suvenires. Não se deve dispensar a visita ao Museu dos Mosaicos de Haleplibahçe (“Ralep-li-ba-tche” é o nome do bairro), anexo ao Museu Arqueológico.

Descobertos em 2006 por acaso, em meio a uma obra de infraestrutura, os mosaicos romanos são esplêndidos. Sobre eles, ergueu-se uma cobertura e, seguindo um trajeto em rampa, o visitante pode apreciar os enormes tapetes de pedrinhas, talhadas em precisão espantosa.

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