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Suprema Corte dos EUA indica que pode abrir caminho para restringir direito ao aborto

Por: Rafael Balago

A Suprema Corte dos EUA indicou nesta quarta (1º) que poderá mudar seu entendimento sobre o aborto e, com isso, abrir espaço para novas restrições à prática, no que seria uma reversão histórica da decisão que liberou o procedimento, há quase 50 anos.

A Corte tem atualmente maioria de juízes conservadores, de 6 a 3. Dos seis, quatro deles indicaram, em audiência nesta quarta (1º), que devem votar a favor de manter válida uma lei estadual do Mississipi, que impede o aborto após 15 semanas de gestação. Se esta lei for considerada constitucional, a decisão abrirá espaço para que mais estados adotem regras do tipo.

O tribunal fez uma audiência sobre o processo nesta quarta (1º), para ouvir argumentos dos dois lados, e os juízes também se pronunciaram. A decisão final, no entanto, não tem data prevista e pode levar meses.

A lei do Mississipi traz "danos profundos para a liberdade das mulheres, para a igualdade e para o cumprimento da lei", disse Julie Rikelman, advogada da organização Jackson Women Health, que propôs a ação contra a medida.

Elizabeth Prelogar, que representa o governo dos EUA perante a Suprema Corte, também se pronunciou. "Por 50 anos, esta corte corretamente reconheceu que a Constituição protege um direito fundamental das mulheres de decidir sobre terminar uma gravidez antes da viabilidade [do feto]. Esta garantia, de que o Estado não pode forçar uma mulher a manter uma gravidez e dar a luz, gerou grande confiança para as pessoas e para a sociedade. Os efeitos no mundo real de anulá-la seriam graves e rápidos", defendeu.

Do outro lado, Scott Stewart, procurador-geral do Mississipi, disse que o aborto não é previsto na Constituição e criticou a decisão da Suprema Corte que liberou a prática, em 1973, e outra sentença, de 1992, que a reafirmou. "Estas decisões não têm espaço em nossa tradição. Elas danificaram o processo democrático e envenenaram a lei. Por 50 anos, elas têm mantido esta corte no centro de uma batalha política que nunca se resolve. Em nenhuma outra situação esta corte reconheceu o direito de encerrar uma vida humana", afirmou.

O aborto foi liberado nos EUA a partir do caso conhecido como Roe vs. Wade, com base no direito constitucional à privacidade. O entendimento foi o de que não caberia ao governo interferir na decisão da mulher de manter ou não uma gravidez.

Em 1992, a corte atualizou sua posição e passou a considerar o conceito de viabilidade fetal: as mulheres podem abortar sem restrições até o momento em que o feto não seria capaz de sobreviver fora do útero, o que tende a acontecer geralmente após 22 semanas. Depois disso, cada estado possui suas regulamentações. O prazo de gestação até atingir a viabilidade, porém, é alvo de debate. Assim, estados mais conservadores criaram leis que dificultam ou, na prática, chegam a impedir o aborto.

Nesta quarta, o juiz John Roberts, que preside a corte, disse que adotar a regra de 15 semanas não seria um "afastamento dramático" do conceito de viabilidade, e que considera o prazo como suficiente para a mulher exercer o seu direito de decidir. Assim, a lei do Mississipi seria uma forma de conciliar as posições contra e a favor do aborto.

Brett Kavanaugh, outro juiz conservador, apontou que mesmo que a decisão sobre o aborto fique a cargo dos estados, a prática ainda seria adotada por alguns deles, e deu a entender que considera que não cabe à Suprema Corte decidir sobre a prática em si. Os juízes Clarence Thomas e Neil Gorsuch também se mostraram favoráveis à mudança de entendimento.

Já a juíza Sonia Sotomayor defendeu que a corte mantenha a posição pró-aborto, e que uma mudança agora passaria a mensagem de que o tribunal atua de modo político, e não técnico, ao mudar de ideia apenas por haver mais juízes conservadores do que antes. Stephen Breyer, outro magistrado liberal, também defendeu a manutenção das decisões anteriores.

A lei do Mississipi, que veta o aborto mesmo em casos de estupro após a 15ª semana, foi promulgada em 2018, mas barrada na Justiça local por ir contra as decisões que liberavam o aborto no país. O caso chegou até a Suprema Corte e foi escolhido pelos juízes para servir de resposta a outros questionamentos similares.

Em outro caso recente, de setembro, o Texas aprovou uma lei estadual que impedir o procedimento a partir de seis semanas de gestação, momento em que muitas mulheres ainda nem descobriram que estão grávidas. A lei texana considera que o feto é viável se o coração está batendo.

O aborto é um dos temas que mais geram polarização na política dos Estados Unidos. Políticos conservadores e republicanos tendem a defender a proibição, enquanto democratas e liberais apoiam que a prática seja liberada.

Nos últimos anos, estados governados por republicanos passaram a adotar novas regras para cercear o direito ao aborto, especialmente no sul e no meio-oeste do país, de olho em agradar eleitores conservadores. Por outro lado, estados governados por democratas, como Califórnia e Nova York, criaram leis que garantem e facilitam o direito à interromper a gravidez.

Segundo pesquisa do Pew Research Center, 59% dos americanos consideram que o aborto deve ser legalizado, e 39% querem proibi-lo. Entre 2017 e 2020, o ex-presidente Donald Trump teve a oportunidade de nomear três juízes para a Suprema Corte, o que garantiu a atual maioria conservadora. A última nomeação foi de Amy Coney Barrett, em setembro de 2020, poucos meses antes da eleição presidencial que culminou na vitória de Joe Biden. Os magistrados têm mandatos vitalícios, e uma nova mudança na composição do tribunal pode demorar a ocorrer.


QUEM É QUEM NA SUPREMA CORTE


Ala conservadora
Jonh Roberts, 66
Indicado por George W. Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte às vezes atua de forma moderada

Clarence Thomas, 73
Indicado por George Bush pai em 1991

Samuel Alito, 71
Indicado por George W. Bush em 2006

Neil Gorsuch, 54
Indicado por Donald Trump em 2017

Brett Kavanaugh, 56
Indicado por Trump em 2018

Amy Cohen Barrett, 49
Indicada por Trump em 2020

Ala liberal
Stephen Breyer, 83
Indicado por Bill Clinton em 1994

Sonia Sotomayor, 67
Indicada por Barack Obama em 2009

Elena Kagan, 61
Indicada por Obama em 2010

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