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EUA e Rússia se testam na primeira negociação sobre crise na Ucrânia

Por: Igor Gielow

A primeira reunião de delegações diplomáticas russas e americanas para discutir a crise na Ucrânia acabou como previsto, sem nenhum avanço e com as duas potências esgrimindo argumentos e termos inconciliáveis.

Mas o encontro, realizado nesta segunda (10) em Genebra, serviu para colocar na mesa a possibilidade de conversas sobre pontos em que pode haver acordos, permitindo assim evitar que o conflito escale para as vias de fato militares e ainda garantindo troféus a serem exibidos para os públicos domésticos.

Participaram da reunião grupos liderados pelo vice-chanceler russo Serguei Riabkov e pela secretária-adjunta de Estado Wendy Sherman, diplomatas com décadas de experiência. Eles já haviam jantado informalmente no domingo, quando as diferenças foram todas reiteradas em um evento classificado como tenso por ambos.

A crise atual remonta aos eventos de 2014, quando a derrubada do governo pró-Moscou em Kiev levou Vladimir Putin a anexar a Crimeia e a apoiar a guerra civil de separatistas étnicos russos no leste do país, o Donbass.

O conflito aberto ficou suspenso a partir de acordos de 2015 que nunca foram implementados, e seus 14 mil mortos recebem adições em fogo brando de tempos em tempos –nesta segunda, foram mais dois soldados ucranianos mortos.

Em novembro passado, Putin deslocou mais de 100 mil soldados e armamentos para regiões próximas da fronteira, levando à acusação dos EUA e da Otan (aliança militar ocidental) de que pretendia invadir a Ucrânia.

Na realidade, tudo indica que o russo resolveu sacar a carta militar para tentar forçar uma negociação, no que teve sucesso. A questão é que ele quer resolver o problema em seus termos, tendo emitido um ultimato no qual quer um compromisso da Otan de retirar tropas de países-membros ex-comunistas e de se expandir, englobando antigas repúblicas soviéticas como a Ucrânia, Geórgia ou Moldova.

Nada disso é aceitável, já havia dito o presidente Joe Biden e repetiu Sherman em Genebra.

Riabkov, por sua vez, emulou Putin e disse que não havia nenhuma intenção de invasão, apesar de o presidente russo falar em "linhas vermelhas" que teriam sido cruzadas pelo apoio que a Otan dá a Kiev com o fornecimento de armas.

"Precisamos de um avanço", disse Riabkov. "Tivemos a impressão de que o lado americano recebeu as propostas russas muito seriamente e as estudou profundamente", completou.

Para Putin, o restabelecimento de um cordão de distanciamento de seu território das forças ocidentais é um imperativo estratégico. Sherman foi menos efusiva. "Empurrar propostas de segurança são um não-começo para os EUA. Não vamos deixar ninguém fechar a política de portas abertas da Otan", afirmou ela.

Tudo isso era previsível, mas ambos falaram genericamente sobre manter conversas sobre a política de instalação de mísseis na Europa e sobre a natureza de exercícios militares. Foram as deixas colocadas de lado a lado, pelo que transpareceu nas duas entrevistas coletivas.

Sherman disse ter falado a Riabkov que desescalar a crise significaria devolver as tropas para suas bases ou deixar claro que tipo de exercícios estão sendo feitos. O russo havia dito que as movimentações de soldados eram apenas de rotina, o que não condiz com a retórica do Kremlin até aqui.

Outra fresta de negociação diz respeito a mísseis com capacidade nuclear de alcance intermediário, que a Rússia acha que a Otan quer instalar na Ucrânia ou em suas fronteiras leste, apesar da negativa da aliança.

Concorre para tal suspeita o fato de que os EUA rasgaram, em 2019, o acordo do fim da Guerra Fria que impedia tais armas de serem empregadas na Europa. Ainda que obsoleto, dado que há outras alternativas de lado a lado se quiserem começar uma guerra, o tratado fornecia estabilidade e mecanismos de escrutínio mútuo que garantem confiança e afastam o risco de conflitos.

Sherman disse que ainda "há um longo caminho" para se pensar em um novo acordo, mas que a conversa segue. Isso pode ser suficiente neste momento.

Apesar desses dois atalhos para algum tipo de compromisso, a insistência dos presentes em manter suas posições mantém a tensão alta no Leste Europeu. Embora seja improvável, até pelo exemplo de 2014 há quem tema que a situação descambe para uma guerra.

As conversas continuam. Na quarta, a delegação russa irá se sentar com uma da Otan em Bruxelas, no âmbito de um conselho que havia sido criado em 2002 e que não se reúne desde 2019. Desde o ano passado, inclusive, os dos laços romperam contatos diplomáticos e expulsaram seus últimos representantes de lado a lado.

Só o fato de a reunião ocorrer já pode ser moderadamente celebrado. Na quinta, por fim, todos se sentarão em um fórum mais amplo, que reúne justamente o país mais interessado na conversa, a Ucrânia. Trata-se de uma reunião da Organização para Segurança e Cooperação na Europa, em Viena.

A Rússia chegou aos encontros numa reunião de força, tendo feito uma intervenção militar de sua aliança ex-soviética no Cazaquistão, onde ajudou o autocrata local a restabelecer a ordem após os distúrbios da semana passada.

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