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Festas de Boris no lockdown são falhas de liderança e erros difíceis de justificar, aponta investigação

O governo do Reino Unido divulgou, nesta segunda-feira (31), o relatório da investigação interna que apura festas e outros eventos realizados em Downing Street, residência oficial do primeiro-ministro Boris Johnson, que teriam violado as regras do confinamento imposto como contenção da pandemia de coronavírus.

O documento de 12 páginas aponta, entre outros tópicos, que houve "falhas de liderança e de julgamento" por diferentes membros do governo ao permitirem a realização dos eventos enquanto o país estava sob duras restrições sanitárias. O relatório também descreve o comportamento acerca das reuniões como "difíceis de justificar".

A investigação abrange um total de 16 eventos distribuídos em 12 datas entre maio de 2020 e abril de 2021. A lista inclui reuniões de funcionários no jardim de Downing Street, despedidas de funcionários, noite de jogos às vésperas do Natal e até uma festa de aniversário para o premiê.

Mais cedo nesta segunda, o premiê havia recebido uma versão do relatório. "Podemos confirmar que Sue Gray forneceu uma atualização sobre suas investigações ao primeiro-ministro", dizia um comunicado divulgado pelo gabinete do líder britânico.

Gray é a funcionária do governo incumbida do inquérito. No relatório, porém, ela afirma que não pôde se aprofundar em alguns detalhes dos eventos investigados devido a um requerimento feito pela Polícia Metropolitana de Londres.

A corporação anunciou na semana passada a abertura de uma investigação criminal sobre parte das festas envolvendo o premiê e seus funcionários. Na sexta (28), a Scotland Yard admitiu ter feito pedidos para que o inquérito de Gray fizesse "referência mínima" aos eventos cobertos pela apuração policial.

Em tese, o objetivo da restrição seria evitar conflitos entre as duas investigações –embora a do governo tenha começado antes–, mas a solicitação levantou rumores de que um dos relatórios poderia conter uma versão maquiada dos escândalos.

A suspeita, agora, provou-se justificada. "Como resultado das investigações da Polícia Metropolitana, e para não prejudicar o processo investigativo da polícia, eles me disseram que seria apropriado fazer apenas uma referência mínima às reuniões nas datas que estão investigando", explica Gray no relatório.

"Infelizmente, isso significa necessariamente que estou extremamente limitada no que posso dizer sobre esses eventos, e não é possível, no momento, fornecer um relatório significativo que defina e analise as extensas informações factuais que consegui reunir".

Segundo Gray, a investigação envolveu uma equipe do gabinete que não está envolvida em nenhum dos eventos controversos. Foram ouvidas mais de 70 pessoas para entender a natureza das reuniões, principalmente os locais em que foram realizadas, quem eram as pessoas presentes e quais eram as finalidades dos encontros. Mas nenhum nome ou detalhe espinhoso foi divulgado no relatório.

"Não cabe a mim julgar se a lei penal foi violada; isso é propriamente uma questão para [as agências de] aplicação da lei", escreve Gray, acrescentando que manteve contato com a polícia ao longo de todo o processo de apuração, iniciado em dezembro de 2021.

"Nenhuma conclusão deve ser tirada, ou inferências feitas a partir disso, a não ser que agora cabe à polícia considerar o material relevante em relação a esses incidentes."

Ainda segundo a relatora, a polícia não pediu que ela omitisse detalhes a respeito dos eventos que não fazem parte da investigação criminal. Mas Gray optou por fazê-lo sob a alegação de que não se sente capaz de publicá-los sem comprometer o equilíbrio geral dos resultados do inquérito.

Ela afirma ainda que cogitou adiar a divulgação do documento e esperar o fim da investigação policial, mas devido ao "amplo interesse público" sobre o tema, preferiu seguir adiante, ainda que com uma versão menos incisiva. Gray explica que não teceu comentários sobre as dúvidas a respeito do desacordo das reuniões controversas e as normas sanitárias em vigor à época. "Não julguei apropriado fazê-lo, dada a investigação policial que está em andamento."

Boris nunca esteve tão ameaçado, mas, apesar do número crescente de pedidos de renúncia, inclusive de membros do seu partido, o premiê vinha respondendo a críticos, jornalistas e parlamentares que aguardassem a divulgação do relatório da investigação.

Gray, segunda-secretária de gabinete, assumiu a condução do inquérito depois que Simon Case, a quem a responsabilidade fora atribuída, deixou o cargo após a imprensa apontar que um dos eventos irregulares teria acontecido em seu escritório.

Boris prometeu fazer uma declaração ao Parlamento sobre o assunto ainda nesta segunda. Questionado mais cedo sobre o caso, o premiê repetiu o que tem sido sua resposta padrão aos jornalistas nas últimas semanas.

"Vocês terão que esperar e ver o resultado das investigações. Mas é claro que mantenho absolutamente o que disse no passado."

Boris foi ao Parlamento para pedir "desculpas sinceras" pela participação num evento de sua equipe que furou as regras de confinamento no país. Depois, dirigiu as mesmas palavras à rainha Elizabeth 2ª por festas no gabinete na véspera do funeral do príncipe Philip, quando o Reino Unido estava em luto.

Pediu desculpas uma terceira vez depois de ser questionado sobre acusações de que não apenas sabia da festa em Downing Street, para a qual os convidados foram instruídos a levar bebidas, como deu aval para o prosseguimento do evento. Boris também teria feito uma festa de aniversário em meio às restrições da Covid, de acordo com informações da imprensa britânica.

Mais recentemente, envolveu-se em outro escândalo segundo o qual teria autorizado o resgate de dezenas de animais do Afeganistão em meio à caótica retirada de tropas ocidentais do país após a retomada do poder pelo grupo fundamentalista Talibã, em agosto. O caso veio à tona em dezembro e gerou críticas de que animais teriam sido priorizados em vez de pessoas. O premiê nega envolvimento na decisão.

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