Marcha na Argentina pede substituição de juízes e reforma do Judiciário

Por: Sylvia Colombo

Uma marcha contra a Corte Suprema e com pedidos por uma reforma judiciária reuniu centenas de pessoas no centro de Buenos Aires nesta terça-feira (1º). A maioria dos manifestantes que se concentraram em frente ao obelisco da capital argentina para caminhar até a praça Tribunales eram ativistas e apoiadores do peronismo.

A porta-voz do governo, Gabriela Cerruti, afirmou que a gestão "não toma posição" oficialmente em relação aos protestos, mas fez a ressalva de que Alberto Fernández já apresentou propostas sobre o Judiciário que espera ver avançar em sua gestão. A possível reforma não inclui a substituição dos juízes da Corte Suprema e tem mais a ver com a descentralização de tribunais pelas diversas províncias –sem que todas as causas federais precisem ser resolvidas em Buenos Aires.

Pouco antes de partir para uma viagem à Rússia e à China, o presidente afirmou que "a manifestação é legítima e cidadã", e não política. Fernández enfrenta nesta semana o início do que pode ser uma nova crise política em sua coalizão, após o deputado Máximo Kirchner renunciar ao posto de líder do governo na Câmara por discordar do acordo recente costurado com o FMI.

Uma das bandeiras centrais da marcha é a de substituição dos magistrados da mais alta instância da Justiça. Segundo os organizadores, os nomes atuais estão praticando "lawfare", ou seja, determinando condenações com base em interesses políticos. "A principal demanda é acabar com o 'lawfare' na Argentina, e temos de acabar com ele com o povo na rua, tirando à força esses juízes dessa corte miserável", disse o dirigente sindical Luis D'Elia.

Apesar do linguajar, o ativista afirma que o movimento será pacífico. Com ele na organização da marca estão outros representantes do kirchnerismo –não por acaso, todos são alvo de processos.

D'Elia, por exemplo, foi condenado em 2017 a quatro anos de prisão por invadir uma delegacia no bairro da Boca e "atentar contra a autoridade". Está em liberdade condicional. Outro organizador enrolado com a Justiça é Juan María Ramos Padilla, envolvido no escândalo chamado de "cadernos da corrupção", que investiga se durante os anos Kirchner na Presidência –com Néstor e depois Cristina, entre 2003 e 2015– houve entregas ilícitas de dinheiro para subornos.

Hebe de Bonafini, 93, uma das fundadoras da organização das Avós da Praça de Maio, também ligada à marcha desta terça, responde a processo por desvio de verbas para a construção de habitações populares, que teriam ficado na mão da entidade de direitos humanos.

Apesar de não se manifestar em apoio à marcha, a hoje vice-presidente Cristina Kirchner exortou seus funcionários mais fiéis a estimularem a militância a "repensar sua relação com a Justiça e dizer que Justiça querem". Entre essas autoridades estão o ministro da Segurança, Aníbal Fernández, investigado por um esquema de corrupção ligado a desvio de medicamentos, seu vice, Juan Martín Mena, e a chefe do sistema de inteligência, Cristina Caamaño.

A própria Cristina, que desde o início do mandato acumulou algumas vitórias judiciais, com a extinção de processos, ainda tem quatro ações abertas que poderiam complicar sua vida.

A pressão da vice também tem peso no fato de Fernández tentar uma reforma do Judiciário.

Outras bandeiras que estão convocando a população e a militância nesta terça pedem o "fim da impunidade" e que processos corram de modo mais acelerado.

"Estão dando um rótulo político a essa marcha, mas isso é equivocado. Trata-se de uma manifestação convocada pelos cidadãos, que querem uma Justiça independente. A estrutura atual não dá resposta a cidadãos comuns", disse Leopoldo Moreau, deputado da aliança governista.

A CGT (Confederação Geral do Trabalho), principal união de sindicatos do país, afirmou que irá acompanhar a marcha porque "é interesse de todos os trabalhadores ter uma Justiça mais independente", segundo seu presidente, Pablo Moyano.

A oposição fez duras críticas à realização do evento. A aliança Juntos por el Cambio, do ex-presidente Mauricio Macri, afirmou num documento que o protesto tem "suma gravidade institucional".

"É outro passo na política sistemática que o governismo assumiu para atacar os juízes que não se comportam segundo seus desejos", diz o texto. "Trata-se de uma atitude golpista".