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Boris fecha acordo com UE sobre brexit, mas resistência interna pode impedir aprovação

Por FOLHAPRESS

O Reino Unido e a União Europeia (UE) chegaram a um acordo nesta quinta (17) para a saída do país do bloco, dando início a uma corrida contra o tempo para aprovar a proposta até 31 de outubro, data marcada para o brexit.

Eram 10h35 em Londres (6h35 em Brasília) quando o premiê Boris Johnson fez o anúncio esperado havia meses: "Nós temos um acordo que retoma o controle", escreveu ele em uma rede social. A informação foi confirmada simultaneamente pelo presidente da Comissão Europeia (o braço executivo da UE), Jean-Claude Juncker.

A aprovação do projeto, porém, ainda tem um longo caminho a percorrer e há dúvidas se ele terá apoio suficiente para ser confirmado no Parlamento britânico, etapa crucial desse processo.

No final da tarde na Europa (início da tarde no Brasil), os líderes dos 27 Estados-membros da União Europeia (já excluindo Boris) se reuniram em Bruxelas e deram sua bênção ao acordo.

Agora cabe aos legislativos do bloco e do Reino Unido aprovarem a medida, que depois voltará para os chefes de Estado ratificarem.

Enquanto pelo lado europeu não são esperados problemas na aprovação, no Reino Unido ninguém tem ideia do que acontecerá.

Horas após o anúncio de Boris, o partido norte-irlandês DUP, que faz parte da coalizão governista e é considerado o fiel da balança para a aprovação do projeto, anunciou que votará contra o acordo.

"Essas propostas não são, em nossa visão, benéficas para o bem-estar da Irlanda do Norte e minam a integridade do Reino Unido", disse a sigla em nota.

A visão do partido é importante porque o principal entrave nas negociações é a questão de como fica a fronteira entre a República da Irlanda (país independente e membro da UE) e a Irlanda do Norte (Parte do Reino Unido).

O acordo de paz de 1998 que pôs fim ao conflito na região veta a criação de uma barreira física tradicional na divisa.

O problema é que, com o brexit, os dois territórios passariam a ser regulados por regras diferentes (leis europeias do lado irlandês, leis britânicas no norte-irlandês), o que exigira um controle na fronteira.

Para resolver a questão, o novo acordo estabelece algumas soluções. Primeiro, as regulações da UE continuarão a ser aplicadas em todas as mercadorias na Irlanda do Norte, que funcionará como um ponto de entrada no mercado comum europeu.

Assim, não será necessário uma checagem física de produtos na fronteira entre as Irlandas, mas haverá um mecanismo para fazer isso de maneira online.

Também haverá uma checagem alfandegária na fronteira marítima que separa a Irlanda do Norte do resto do Reino Unido -que não seguirá as regras europeias.

Oficialmente, a Irlanda do Norte permanecerá sob o regime alfandegário britânico e as regras comerciais de Londres, como era o desejo de Boris. Na prática, porém, se uma mercadoria chegar de um outro país à Irlanda do Norte por padrão serão pagas as tarifas europeias.

Caso seja provado que o produto em questão é de uso pessoal ou que ele permanecerá apenas em território britânico, sem o risco de cruzar para a Europa via Irlanda, então serão aplicadas as tarifas do Reino Unido. Um grupo com representantes de todos os lados deve analisar esses casos.

O acordo também prevê que em quatro anos o Parlamento da Irlanda do Norte poderá cancelar o mecanismo e abrir uma renegociação da relação com a Europa. A medida contraria a oposição do DUP, que queria ter o direito de vetar a proposta antes que ela entrasse em vigor.

Segundo o texto, todos esses mecanismos entrarão em funcionamento apenas em outubro de 2020, após um período de um ano de transição -assim o Legislativo norte-irlandês só poderá de pronunciar sobre o caso em 2024.

Simbolicamente, o novo acordo também deixa de usar a palavra "backstop" para se referir ao novo plano para a fronteira. O termo tinha sido transformado em um dos maiores vilões da política britânica e usado para atacar a proposta.

Apesar dessas questões, o representante da UE nas negociações para o brexit, Michel Barnier, disse que durante a conversa com Juncker, Boris afirmou estar confiante que a proposta conseguirá a aprovação do Parlamento.

Em entrevista coletiva em Bruxelas ao lado do próprio Juncker, Boris afirmou que espera que os parlamentares britânicos "se unam para fazer o brexit acontecer, para aprovar esse excelente acordo".

Pouco depois, Juncker disse em conversa com jornalistas que, com o acordo feito, não haverá um novo adiamento do brexit, dando a entender que caso o Parlamento britânico rejeite a proposta a separação acontecerá de qualquer maneira em 31 de outubro.

Ele, porém, não tem poderes para decidir isso -a decisão é dos 27 chefes de Estado ou de governos dos países membros da UE (Boris não participa nesse caso).

O clima em Bruxelas foi resumido pelo presidente francês, Emmanuel Macron. "Baseado nas experiências anteriores, nós devemos ser moderadamente cautelosos", afirmou ao chegar na capital belga.

Além do DUP, partidos dos dois lados do espectro político se manifestaram de maneira contrária à nova proposta.

Nigel Farage, líder da sigla de ultradireita Partido do Brexit e defensor ferrenho do divórcio com os europeus, criticou a proposta e disse que, caso ela seja aprovada, o brexit não acontecerá.

A oposição trabalhista também não perdeu tempo e se declarou contrária ao projeto. "Pelo que sabemos, parece que o primeiro-ministro negociou um acordo ainda pior que o de Theresa May, que foi amplamente rejeitado", disse o líder da sigla, Jeremy Corbyn.

?Ele se referiu ao acordo anterior feito pela UE com a antecessora de Boris. A proposta foi aprovada pelos europeus, mas acabou rejeitada três vezes pelo Legislativo britânico, o que acabou precipitando a renúncia de May.

O novo acordo de Boris é, na realidade, uma versão modificada deste acordo anterior e o temor é que ele tenha o mesmo destino.

Corbyn ganhou o apoio de Jo Swinson, líder dos liberais democratas, que disse que o novo acordo é uma versão fantasiada do projeto da ex-primeira-ministra e comparou a situação com o conto infantil da nova roupa do imperador. Já o SNP (Partido Nacional Escocês) anunciou que não votará em um "acordo podre".

Para ser aprovada, a medida precisa apenas de maioria simples no Parlamento britânico. A casa tem oficialmente 650 parlamentares, mas na prática apenas 643 de fato atuam (sete cadeiras pertencem a um partido separatista norte-irlandês que se recusa a assumir as vagas).

Além disso, oito deputados não votam (o presidente da Casa, seus três vices e quatro membros que ajudam na contagem). Assim, Boris precisa de 318 votos para garantir a aprovação caso todos estejam presentes. Seu partido conservador tem, porém, apenas 288 cadeiras.

A votação acontecerá já neste sábado (19), em uma sessão extraordinária -a última vez que a Casa se reuniu em um sábado foi em 1982, um dia após o início da Guerra das Malvinas.

Nesta quinta, a Casa aprovou a convocação da sessão extraordinária, mas impôs uma nova derrota a Boris ao autorizar que novas emendas sobre o brexit sejam apresentadas no próprio sábado -o governo queria apenas que os parlamentares votassem apenas se eram a favor ou não do acordo.

Deputados da oposição já afirmaram que devem apresentar uma emenda para a convocação de um referendo sobre o novo acordo.

Uma lei aprovada pelos deputados estabelece que o Parlamento deve aprovar até as 23h locais (19h de Brasília) de sábado um acordo para o brexit. Caso isso não aconteça, o premiê deve pedir um adiamento do brexit para o fim de janeiro de 2020.

O projeto foi aprovado porque os parlamentares queriam impedir o chamado "no deal", ou seja, o divórcio sem acordo. Segundo estudos, uma saída dessa forma poderia derrubar a economia britânica.

Boris, porém, chegou ao cargo prometendo que o Reino Unido deixaria o bloco no dia 31 de qualquer maneira.

Ele já disse que, caso isso não aconteça, vai buscar brechas para descartar um novo adiamento -o que poderia jogar o país em uma crise constitucional entre Executivo e Legislativo. Por isso, a corrida para a aprovação imediata.

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