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Presidente do Iêmen entrega governo a aliança anti-rebeldes em meio a negociações de paz

O presidente em exílio do Iêmen, Abd-Rabbuh Mansour Hadi, renunciou nesta quinta-feira (7) em favor de um conselho com oito pessoas em meio a negociações de paz lideradas pela ONU que garantiram um cessar-fogo na guerra que assola o país há sete anos.

País mais pobre da Península Arábica e vizinho da poderosa Arábia Saudita, o Iêmen é palco de um conflito entre forças leais ao presidente iemenita eleito em 2012 e os rebeldes do grupo político dos houthis, apoiados pelo Irã, que assumiram o poder em 2014 ao tomar o controle da capital Sanaa.

Desde 2015, a Arábia Saudita lidera uma coalizão militar anti-houthis, o que provocou uma guerra por procuração que envolve duas das principais potências do Oriente Médio e que causou o que a ONU (Organização das Nações Unidas) considera uma das crises humanitárias mais grave do mundo.

"Delego irreversivelmente ao Conselho Presidencial meus plenos poderes de acordo com a Constituição", disse Hadi, à TV estatal. Exilado na Arábia Saudita, no entanto, ele já tinha pouca autoridade no país.

Hadi também demitiu o vice-presidente, Ali Mohsen al-Ahmar, no que foi visto como um aceno aos esforços de paz. O vice, general ligado aos grupos políticos islâmicos, é alvo dos houthis por campanhas militares que liderou contra os rebeldes e por seu papel na guerra civil entre os antigos estados do Iêmen do Norte e Iêmen do Sul, em 1994.

No entanto, Mohammed Abdulsalam, negociador-chefe dos houthis, chamou a renúncia de farsa e de uma "tentativa desesperada de reestruturar as fileiras de mercenários para forçar uma maior escalada [nas tensões]", disse.

Isso porque a delegação dos poderes ao novo conselho presidencial foi vista também como uma forma de unificar as fileiras anti-houthis, dando espaço no comando do país a diferentes correntes políticas.

O conselho, composto por oito membros, será liderado por Rashad al-Alimi, ex-ministro do Interior que tem laços estreitos com a Arábia Saudita e com o principal partido iemenita, o islâmico Islah. O príncipe saudita Mohammed bin Salman apareceu ao lado do novo conselho em vídeo exibido na TV estatal.

O órgão inclui ainda líderes de grupos apoiados pelos Emirados Árabes Unidos, como Aidarous al-Zubaidi, do separatista Conselho de Transição do Sul, opositor do Islah e que tem interesse no controle de Áden, cidade portuária no sul do país onde funcionam refinarias de petróleo.

Gregory Johnsen, que participou do painel de especialistas da ONU sobre o Iêmen, afirmou que este é "talvez um último esforço de constituir próximo a uma unidade dentro da aliança anti-houthi", escreveu no Twitter. "O problema é que não está claro como esses vários indivíduos, muitos dos quais têm visões diametralmente opostas, podem trabalhar juntos."

"Em teoria, entendo como isso supostamente deve funcionar: reunir várias unidades militares sob um guarda-chuva gigante para derrotar os houthis. Mas na prática não vejo como esses atores vão conseguir deixar de lado suas muitas, muitas diferenças para se unir contra um inimigo comum", concluiu.

Elisabeth Kendall, pesquisadora da Universidade de Oxford, afirmou à agência de notícias AFP que "uma grande mudança teve que ocorrer para trazer as partes em conflito para um processo político", porque, segundo ela, "o status quo não estava chegando a lugar nenhum". "Muitas vezes pensamos que ser contra os houthis significa estar com o governo.

Mas durante o mandato de Hadi não foi assim. Seu governo era fraco, incompetente e sem legitimidade", disse ela.

Hadi nunca conseguiu prevalecer sobre o Iêmen depois que chegou ao poder em 2012, com 99,8% dos votos, em eleições nas quais foi o único candidato, dentro de um plano de transição apoiado pelos países do Golfo após protestos que derrubaram o presidente Ali Abdullah Saleh durante a Primavera Árabe.

A mudança de governo acontece em meio ao cessar-fogo acordado na última semana, que estabeleceu uma trégua de dois meses, desde o último sábado (2), no primeiro acordo do tipo desde 2016, que foi visto como um dos avanços mais importantes em anos nas negociações de paz.

Em paralelo, diálogos de paz apoiados pela ONU têm acontecido em Riad, mas sem a presença dos houthis, que se recusaram a entrar em território "inimigo". Em seu discurso nesta quinta-feira, Hadi afirmou que o novo conselho tem a tarefa de "negociar com os houthis para um cessar-fogo duradouro".

O conflito no Iêmen provocou centenas de milhares de mortes diretas e indiretas. Nesta quinta, países do golfo anunciaram US$ 3 bilhões em ajuda financeira ao novo governo, que assume uma economia devastada pela guerra. O banco central se dividiu sob autoridades rivais, e a desvalorização do rial iemenita, a moeda do país, tirou os bens básicos do alcance de muitos.

A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos anunciaram que vão injetar US$ 1 bilhão no Banco Central do Iêmen, além de investir mais US$ 1 bilhão no setor petrolífero do país.

Riad também anunciou mais US$ 300 milhões em doação para a ajuda humanitária da ONU, que em março conseguiu arrecadar menos de um terço dos US$ 4,27 bilhões solicitados.

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