Um jeito ‘descolado’ de disputar as eleições

Por Mateus Camillo (Folhapress)

O modo de fazer campanhas eleitorais mudou. Em 2016, nos EUA, e em 2018, no Brasil, as redes sociais ganharam uma importância inédita para a escolha dos candidatos a cargos públicos. Ciente disso, Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York e candidato democrata nas prévias que escolherá o rival de Trump no final do ano, passou a adotar uma tática arrojada para conquistar apoio entre os eleitores de seu partido: o uso deliberado de memes patrocinados que tentam vender a ideia de um candidato cool.

Bloomberg contratou alguns dos maiores “memeiros” dos EUA para ajudar a alavancar sua campanha com uma linguagem moderninha e cheia de graça. Memeiros (meme- -makers, em inglês) são pessoas que trabalham com memes de forma profissional e em escala industrial, produzindo-os o dia inteiro, de forma que alguns (ou muitos) atingirão o objetivo de viralizar.

Surgiu então a Meme 2020, companhia formada por algumas páginas famosas de memes, que somam mais de 60 milhões de seguidores, como @GrapeJuiceBoys, @Tank.Sinatra, @MyTherapistSays, @ WhitePeopleHumor, @TheFunnyIntrovert, @KaleSalad, @Sonny5ideUp, @ShitheadSteve, @adam.the.creator, @ moistbudda, @MrsDowJones, @TrashCanPaul, @cohmedy, @NeatDad, @FourTwenty, @ GolfersDoingings e @MiddleClassFancy.

A estratégia é liderada por Mick Purzycki, CEO da Jerry Media, companhia responsável pela @FuckJerry, com 15 milhões de seguidores, cujo perfil também produz conteúdos para Bloomberg.

A @FuckJerry já se envolveu em algumas polêmicas. Em 2019, esteve no centro do debate sobre roubo de memes e a cultura de não se dar créditos aos autores dessas intervenções humorísticas. Ela foi também uma das promotoras do desastrado Fyre Festival em 2017.

As contas publicam simulações de conversas no Direct (ferramenta para troca de mensagens privadas) do Instagram entre elas e o bilionário candidato democrata:

“Bloomberg: Olá Jerry, meu neto me mostrou essa conta. Seus memes são muitos engraçados. Vocês podem postar um meme que façam todos saberem que eu sou um candidato descolado?

“Fuck Jerry: O que você tem em mente?

“Bloomberg: Imagem de um meme com Bloomberg ‘quando você é o candidato descolado’.

“Fuck Jerry: ooooh isso irá custar algo em torno de US$ 1 bilhão.

“Bloomberg: Qual é seu Venmo [plataforma de pagamentos]?

“Bloomberg: Mr. Tank, estou esperando há tanto tempo meu meme que eu mesmo aprendi a fazê-lo no Photoshop. O que você acha desse? [E então uma foto de Bernie Sanders com a legenda “estou pedindo novamente para fazer com que eu pareça descolado]”.

Patrocinados

Todos os posts avisam que são publicações patrocinadas. Ao “The New York Times”, o fundador do @Tank.Sinatra e diretor de marketing de influência, afirmou que foi o melhor anúncio que já postou, em termos de desempenho: 

- Acho que muito disso tem a ver com as pessoas ficarem confusas sobre se é real ou não.

As reações de seguidores que aparecem em evidência (em geral por ganhar mais likes) não têm sido muito positivas.

O @wafflefantasyleague foi categórico:

- Pare de tentar fazer com que Bloomberg aconteça, não vai rolar.

Para @emerson_cliver, “é mais um motivo na lista de por que não votarei nele. Se importa mais com a percepção pública de sua imagem do que suas próprias políticas”.

Para ajudar a balancear o lado positivo de Bloomberg, contas envolvidas na campanha fazem um cross-over de comentários nas publicações das colegas. No exemplo acima, pelo menos quatro perfis fizeram comentários irônicos.

@mytherapistsays, por exemplo, questionou: “Uma missão impossível?”

Em declaração à imprensa, Sabrina Singh, porta-voz da campanha de Bloomberg, afirmou que “Mike Bloomberg 2020 se uniu a criadores de conteúdo que colaboram com a campanha, incluindo o universo de memes. Enquanto uma estratégia de memes pode ser nova numa corrida presidencial, nós estamos apostando que será um componente efetivo para alcançar as pessoas onde elas estão e competir com a poderosa operação digital de Trump”.

A estratégia da campanha de Bloomberg não para por aí. Ela está pagando US$ 150 para que influenciadores criem conteúdo de apoio ao ex-prefeito de NY na Tribe, uma plataforma que conecta influencers com marcas, conforme revelou o The Daily Beast.

Claro que o próprio perfil oficial de Bloomberg entrou na tática cool e moderninha.

Como tudo em política é imprevisível, é preciso aguardar os próximos capítulos para ver se ele consegue catapultar ou enterrar de vez sua candidatura pelo partido democrata. Bernie Sanders, Pete Buttigieg e Elizabeth Warren estão na frente na corrida interna, por enquanto.