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Oposição do Paraguai se divide, e indefinição paira sobre afastamento de presidente

Sylvia Colombo
Assunção, Paraguai (Folhapress)

Enquanto manifestantes em Assunção preparam novos protestos para a tarde desta terça-feira (9) em favor da renúncia do presidente Mario Abdo Benítez, nos corredores do Congresso paraguaio a possibilidade de um julgamento político encontra obstáculos. O Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), liderado por Efraín Alegre, entrou com um pedido para a abertura de debates em torno do processo de impeachment do líder do país e de seu vice, Hugo Velázquez, por má gestão da pandemia do coronavírus.

No final da manhã desta terça, porém, o líder do Congresso, Óscar Salomon, membro do partido Colorado -o mesmo do presidente- e terceiro na linha de sucessão, afirmou não ser possível colocar em votação um pedido de afastamento de ambos os chefes do Executivo. "Como é possível afirmar que o vice-presidente fez uma má gestão da pandemia se ele não teve a oportunidade de gerenciar nada? Ou se abre um processo apenas contra Abdo Benítez ou não se abre. Não se pode julgar os dois dentro dessa figura processual", afirmou. As palavras de Salomón causaram divisão no PLRA, que detém 29 cadeiras na Câmara -são necessários 53 votos para aprovar o afastamento. Ainda que a ala fiel a Alegre seja majoritária no partido, ela não concentra todos os votos a favor do impeachment.

De acordo com um membro da legenda, uma das alas dos liberais não aceita apoiar um processo que só se concentre em Abdo Benítez e embarcaria no julgamento político apenas se ele englobar Velázquez. A situação, portanto, é de impasse. Ou o PLRA refaz o pedido ou a pauta nem será debatida, por decisão de Salomon. Enquanto isso, Vélazquez, antigo aliado do ex-presidente Horacio Cartes -hoje ele está afastado do caudilho do Partido Colorado-, afirma que a situação do Executivo é estável.

"Ouvimos e respeitamos a população que saiu às ruas. Sabemos que há um descontentamento em relação à gestão da pandemia, mas vamos corrigi-la. Já começamos, com a troca do ministro da Saúde. Agora vamos atrás das vacinas e dos medicamentos que faltam nos centros médicos em todo o país", afirmou o vice, na manhã desta terça, no Palácio de los López, sede do Executivo paraguaio. Velázquez acrescentou que ele e Abdo Benítez foram "eleitos pelo voto popular e que é preciso respeitar essa decisão". "A maioria nos apoia, e vamos terminar o mandato seguindo a Constituição".

Para o analista político Mario Paz Castaing, o panorama na cúpula do governo é explosivo e "o poder de Marito [o presidente Mario Abdo Benítez], sequestrado por Cartes, já era frágil antes da pandemia". "Pode explodir agora ou em alguns meses. A rua vai definir." Cartes lidera a Honor Colorado, corrente majoritária do Partido Colorado. Por ora, o grupo não apoia o afastamento, e os deputados afirmam que não comparecerão a uma votação pela saída de Abdo Benítez.

Já o epidemiologista Alfredo Boccia diz que o país perde tempo com disputas políticas, enquanto variantes do coronavírus entram no Paraguai, debilitando principalmente cidades do interior, que sequer têm médicos para operar UTIs. Para ele, a única saída é negociar a compra de vacinas mais rapidamente.

O país vinha controlando a disseminação do vírus com a imposição de medidas restritivas, mas desde janeiro a curva de infecções começou a aumentar. Os registros diários de novos casos estão acima de mil desde 15 de fevereiro –nos primeiros meses da pandemia, esse número não chegava a cem.

Na noite de segunda-feira (8), além dos protestos em Assunção, houve manifestações em Encarnación e Ciudad del Este, entre outras cidades. Uma caravana vinda de Ciudad del Este, na fronteira com o Brasil (onde a curva de contágios está crescendo com rapidez), chegou para participar dos protestos na capital.

A insatisfação dos que saem às ruas para protestar contra o governo está relacionada à falta de insumos básicos nos hospitais e centros de saúde, como analgésicos. A oposição questiona o governo por ter solicitado empréstimo internacional de US$ 1,6 milhão para comprar insumos que, por ora, não chegaram. Também não foi apresentado um plano nacional de vacinação -chegaram ao Paraguai apenas 4.000 doses do imunizante russo Sputnik V e 20 mil doses da chinesa Coronavac vendidas pelo governo chileno. Pouco para os 7 milhões de habitantes do país. A vacinação ainda não chegou nem a 0,1% da população.

Ainda assim, comparada a outras cidades da região, Assunção mantém protocolos de segurança cuidadosos. Logo ao chegar, no aeroporto, o visitante encontra pias ao lado da fila de migração, com água, sabonete e álcool em gel. Nos comércios, há termômetros, e o uso de máscaras é obrigatório nas ruas e em espaços fechados. Há um toque de recolher entre 0h e 5h, e, até junho, a medida começava às 20h. Para viajar a Assunção por via aérea é preciso um teste tipo PCR negativo realizado até 72 horas antes do embarque –a depender do objetivo da viagem, é necessário realizar quarentena.

O recém-empossado titular da Saúde, Julio Borba, parte de uma reforma ministerial para acalmar a população, disse avaliar flexibilizar medidas de restrição enquanto negocia a compra de vacinas.

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