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Ucrânia pede ajuda à Otan contra a Rússia, que dá recado militar

Igor Gielow (Folhapress)

Em mais uma escalada na crise no leste da Ucrânia, o presidente do país disse que apenas sua admissão na aliança militar ocidental poderá encerrar a guerra que matou 13 mil pessoas desde 2014. Ao mesmo tempo, o ministro da Defesa da Rússia, país cuja movimentação de tropas na fronteira ucraniana gerou o atual alarme no Ocidente, determinou uma inspeção de preparo de combate das Forças Armadas de Vladimir Putin. São tambores de guerra usualmente rufados quando essas crises acontecem, mas dão a indicação do grau de tensão que registrou desde que a situação voltou a se deteriorar na região do Donbass.

O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, ligou nesta terça (6) para o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg. Após o telefonema, ele publicou no Twitter que a Ucrânia espera ser convidada neste ano a se unir ao Plano de Ação de Filiação da Otan. "A Otan é o único meio de acabar com a guerra no Donbass. O plano para a Ucrânia seria um sinal real para a Rússia", escreveu.

Nos últimos anos, a aliança ocidental tem dito que as Forças Armadas e o Estado ucraniano precisam de reformas antes de aceder ao clube. "Reformas sozinhas não vão parar a Rússia", escreveu Zelenski. Na verdade, o Ocidente não trouxe a Ucrânia para a Otan, ou para a União Europeia, porque sabe que isso incitaria uma reação mais forte da Rússia. A barra foi elevada por Putin em 2014, quando ele respondeu à derrubada de um governo pró-Kremlin em Kiev com a anexação da Crimeia e o apoio aos separatistas que iniciaram a guerra no Donbass -hoje ainda congelado, o conflito gestou duas repúblicas autônomas em torno das cidades de Donetsk e Lugansk.

Na retórica, Stoltenberg afirmou em comunicado que a "Otan apoia firmemente a integridade territorial e a soberania da Ucrânia". "Nós permanecemos comprometidos com nossa parceria próxima", disse.

O silêncio da Casa Branca, ao ser questionada por repórteres sobre a ideia, é mais eloquente. O presidente Joe Biden tem se notabilizado por uma retórica dura contra os russos e cobrou explicações para o envio de soldados, tanques e blindados para a fronteira e também para a Crimeia. Mas daí a acelerar a absorção da Ucrânia há uma distância. Zelenski, um comediante que chegou de forma improvável ao poder em 2019, tentava uma saída negociada com Putin. Como vem perdendo popularidade (pesquisa recente diz que só 22% votariam nele de novo), cedeu à pressão do establishment local e aderiu ao discurso de confronto.

A inspeção determinada pelo ministro Serguei Choigu, por sua vez, também vem na linha de mostrar os dentes. O Kremlin já afirmou que não há nada de anormal no movimento de tropas e negou querer atacar a Ucrânia.

Por outro lado, sinalizou que deseja comprometimento do Ocidente com os Acordos de Minsk, que em sua última versão de 2015 estabeleceram condições nas quais as repúblicas rebeldes ficam com Kiev, mas com grande autonomia. Os acordos foram copatrocinados pela Rússia e pelo Ocidente, mas a liderança ucraniana não os aceita por considerar que inviabilizam a integridade territorial do país. "Nós duvidamos muito que isso [entrar na Otan] vá ajudar a Ucrânia a resolver o seu problema doméstico. Do nosso ponto de vista, só vai piorar a situação. Filiar-se à Otan é inaceitável para que mora nas repúblicas", disse Dmitri Peskov, o porta-voz do Kremlin.

Após relativa calmaria desde 2015, o conflito voltou a esquentar neste ano. Houve escaramuças nos 500 km de fronteiras entre ucranianos e rebeldes, matando 23 soldados de Kiev e um número incerto de separatistas. No ano passado todo, morreram cerca de 50 pessoas em embates. Moram na região estimadas 3,8 milhões de pessoas, a maioria russa étnica, entre os 44,3 milhões de habitantes de toda a Ucrânia.

Na cartilha geopolítica de Putin, o Ocidente traiu a Rússia após o fim da Guerra Fria, em 1991, expandido suas estruturas a leste em vez de ajudar a reconstrução do país que liderava a União Soviética. Com efeito, 11 países ex-comunistas foram absorvidos pela União Europeia desde então, e 14 pela Otan.

Desde a guerra na Geórgia (2008), Putin vem deixando claro que o movimento teria de parar. Em 2014, deixou o Ocidente atônito ao anexar a Crimeia e incitar a revolta no Donbass.
Em comum a esses três lugares é a existência de áreas com maioria étnica russa. Quando Putin famosamente disse que o fim da União Soviética era o maior desastre geopolítico do século 20, falava da perda de um cinturão de defesa em sua periferia e, nominalmente, citava os russos que ficaram nos novos países livres. Isso gera a crível desconfiança sobre as intenções russas. Se poucos analistas acreditam em uma guerra, é bom lembrar que toda vez em que Putin estava questionado, apostou em ações externas, como na própria Crimeia ou na Síria (2015).

E o líder russo, que acaba de regulamentar a possibilidade tentar ficar no cargo até 2036, está no pior nível de popularidade de suas duas décadas de poder (ainda que na casa de confortáveis 60%). Ucrânia e Belarus, ditadura que apoia, são os principais anteparos entre suas fronteiras e as hostis nações da Otan no Leste Europeu. "Putin representa o que a elite russa pensa. Querem ser ocidentais, mas com a devida distância", diz Konstantin Frolov, analista independente russo.

A anexação do Donbass não é desejada pelo Kremlin pelo alto custo econômico embutido –na Crimeia, foram mais de US$ 5 bilhões em obras desde 2014. O que interessa a Putin é deixar a Ucrânia fora da Europa. Há ainda outras questões que podem disparar um conflito. Os ucranianos vêm cortando o abastecimento de água da Crimeia, que recebe 85% do que consome do seu antigo país. Nesta terça, Zelenski ordenou um treinamento especial de reservistas na região de fronteira dos dois territórios.

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