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Manifestantes desafiam polícia e apoiam opositor de Putin na Rússia

Igor Gielow (Folhapress)

Algumas horas depois de o presidente Vladimir Putin fazer seu discurso anual do Estado da Nação, ruas das principais cidades russas foram tomadas por manifestantes apoiadores do líder oposicionista Alexei Navalni.

Os atos, a julgar por relatos de jornalistas independentes e vídeos em redes sociais, levaram muita gente à rua -não tanto quanto no começo do ano, quando Navalni foi detido ao voltar ao país, mas de forma notável dada a proibição total para sua realização.

A polícia de Moscou estimou em 6.000 os manifestantes no centro da cidade, em marcha, e a de São Petersburgo, 4.500. Segundo os organizadores virtuais do manifesto, foram dezenas de milhares.

A repressão foi relativamente contida, em comparação com os atos de fevereiro passado. Segundo o monitor de direitos humanos OVD-Info, até as 21h40 locais (15h40 em Brasília) havia 459 presos em todo o país.

Navalni foi detido em 17 de janeiro, quando aterrissou em Moscou vindo da Alemanha, onde se tratou de um caso grave de envenenamento. Ele acusa o FSB, o serviço secreto russo, de ter promovido o ataque com o agente neurotóxico Novitchok (novato), em agosto de 2020 enquanto ele trabalhava em dossiês contra políticos alinhados ao Kremlin em Tomsk (Sibéria). Putin nega envolvimento e já brincou sobre o tema, dizendo que se o FSB quisesse matar o ativista, o teria feito.

Ainda assim, o Judiciário russo, alinhado ao Kremlin, manteve Navalni preso por ter violado uma condicional -ele havia recebido uma sentença suspensa por fraude, que ele diz ser forjada. Ele terá de completar mais dois anos e meio de sua pena. Houve grandes protestos em janeiro e fevereiro na Rússia contra a prisão, mas a repressão a seguir tirou fôlego dos manifestantes.

Com a saúde debilitada, ele começou uma greve de fome há 21 dias, e nesta semana foi levado a um hospital para tratamento. Seus advogados consideram que ele corre o risco de morrer. "Não temos direito de vê-lo", disse sua porta-voz, Kira Iarmich, em postagem de redes sociais.

Nesta manhã de quarta (21), ela foi detida sob acusação de promover os atos em favor de Navalni. Na Rússia, protesto sem autorização do governo local é motivo para processo judicial. Ela estava em casa, em prisão domiciliar.

Para os opositores do Kremlin, o fato de terem conseguido fazer o protesto já é uma vitória. O governo iniciou uma campanha na semana passada para tornar ilegais as ONGs associadas a Navalni, a começar pelo seu Fundo Anticorrupção.

Baseado no YouTube e outras plataformas digitais, o fundo tem feito campanha sistemática de denúncias de casos de desvio e abusos por parte do Kremlin. Jornalisticamente, usualmente são peças duvidosas, mas logram grandes audiências por tocarem em algo que é visto como lugar comum na classe média russa: a corrupção endêmica em várias esferas de poder.

Desde 2017, Navalni vem atraindo uma audiência jovem para protestos no estilo "flash mob", rápidos, mas isso evoluiu para grandes atos espalhados pelo país -algo que nenhum de seus antecessores, como o enxadrista Garry Kasparov, havia conseguido.

Na capital russa, os atos se concentraram no centro da cidade. Na segunda maior cidade, São Petersburgo, a polícia interveio com gás lacrimogêneo. Houve protestos em locais distantes, como Vladivostok, sete fusos horários à frente de Moscou.

Putin, em seu discurso, não citou Navalni. O presidente americano, Joe Biden, já determinou sanções a pessoas envolvidas com a prisão do ativista, e o Departamento de Estado dos
EUA afirmou na segunda (19) que "haverá consequências" caso ele morra na cadeia. De forma paradoxal, Navalni não é um heroi popular russo. Sua aprovação sempre ficou abaixo dos 5%, segundo institutos independentes de pesquisa. Mas ele aposta na catalisação do sentimento anti-Putin a partir do trabalho em eleições locais, o que já deu certo parcialmente, e visava mexer com o establishment no pleito parlamentar de setembro.

Diferentemente da imagem ocidental, apesar da ossificação das estruturas políticas, surpresas podem acontecer em eleições na Rússia. Putin sempre deu um verniz democrático a suas ações, mas parece determinado a coibir a organização de Navalni, que pleiteia apoio a qualquer candidato que não seja dos partidos alinhados ao Kremlin. Agora, sob pressão direta do Ocidente devido à crise na Ucrânia, tudo o que não deverá fazer será ceder a Navalni ou ao seus, sob risco de alienar ainda mais a classe média que prosperou nos primeiros de seus 21 anos de poder.

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