Relatório de ONG acusa Israel de promover apartheid e perseguir palestinos

Lucas Alonso (Folhapress)

A ONG Human Rights Watch (HRW) publicou nesta terça-feira (27) um relatório em que acusa o Estado de Israel de cometer crimes de apartheid e perseguição contra árabes e palestinos, o que, no direito internacional, equivale a crimes contra a humanidade.

No documento com mais de 200 páginas, intitulado "Um Limite Ultrapassado: Autoridades Israelenses e os Crimes de Apartheid e Perseguição", a HRW aponta restrições impostas por Israel à movimentação dos palestinos e a apreensão de terras para a construção de assentamentos judaicos em territórios ocupados desde a guerra de 1967 como exemplos dos crimes cometidos.

"Autoridades israelenses buscam manter o domínio sobre os palestinos, exercendo controle sobre a terra e a demografia para o benefício dos judeus israelenses", diz a ONG. "Com base nisso, o relatório conclui que as autoridades israelenses cometeram os crimes contra a humanidade de apartheid e perseguição."

A HRW se baseia nas definições de crimes estabelecidas pela Convenção Internacional sobre a Supressão e Punição do Crime de Apartheid, de 1973, e no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998. Segundo esses tratados, o crime de apartheid consiste em três elementos principais: a intenção de manter a dominação de um grupo sobre outro, um contexto de opressão sistemática e a perpetração de atos desumanos. Já o crime de perseguição envolve a privação intencional de direitos fundamentais, com propósitos discriminatórios, por motivos ligados à identidade de um determinado grupo ou coletividade.

"Negar direitos fundamentais a milhões de palestinos, sem justificativa legítima de segurança e unicamente por serem palestinos, e não judeus, não é simplesmente uma questão de ocupação abusiva", avalia Kenneth Roth, diretor-executivo da HRW. "Essas políticas, que concedem aos israelenses judeus os mesmos direitos e privilégios onde quer que vivam, enquanto discriminam os palestinos em vários níveis onde quer que vivam, refletem uma política de privilegiar um povo em detrimento de outro".

O relatório faz uma série de recomendações a Israel, que inclui o fim de "todas as formas de opressão e discriminação sistemáticas" que privilegiam os israelenses judeus em detrimentos dos palestinos, o reconhecimento integral dos direitos humanos dos palestinos e a revogação de leis e provisões legais de conteúdo segregacionista.

À Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e à Autoridade Nacional Palestina (ANP) a HRW recomenda, respectivamente, a adoção de uma estratégia de ativismo centrada nos direitos humanos e o fim das atividades coordenadas com o Exército israelense.

O relatório sugere ainda que a comunidade internacional reavalie a natureza de seu envolvimento com Israel, condicionando, por exemplo, a venda de armas, a assistência militar e os acordos de cooperação a "medidas concretas e verificáveis para acabar com a prática desses crimes".

Para Roth, grande parte do mundo ainda trata a ocupação por Israel, que já dura mais de meio século, como uma situação temporária, que um "processo de paz" irá solucionar em breve, enquanto a opressão dos palestinos cruzou o limite dos crimes contra a humanidade.

"Aqueles que lutam pela paz israelense-palestina, seja por uma solução de um ou dois Estados ou uma confederação, devem reconhecer essa realidade pelo que ela é e usar as ferramentas necessárias de direitos humanos visando dar um fim a essa situação", afirma o diretor.

O presidente da ANP, Mahmoud Abbas, saudou a publicação do relatório e ecoou algumas das recomendações da HRW. "É urgente que a comunidade internacional intervenha, inclusive assegurando-se de que seus Estados, organizações e empresas não estejam contribuindo de alguma forma para a execução de crimes de guerra e crimes contra a humanidade na Palestina."

Já o Ministério das Relações Exteriores de Israel classificou de "falsas e absurdas" as acusações de apartheid e perseguição e atribuiu a publicação do relatório a uma "agenda anti-israelense" da qual a HRW faria parte, há anos, por "promover boicotes contra Israel". Em 2019, Omar Shakir, um dos diretores da HRW e principal autor do relatório publicado nesta terça, foi expulso de Israel sob acusações de apoiar o BDS, movimento que defende "boicote, desinvestimento e sanções" ao Estado de Israel. Shakir nega.

À agência de notícias Reuters o diretor disse que enviará seu relatório ao gabinete da procuradoria do Tribunal Penal Internacional, "como normalmente fazemos quando chegamos a conclusões sobre o cometimento de crimes dentro da jurisdição do TPI".

A embaixada de Israel no Brasil, em nota enviada à reportagem e assinada pelo encarregado de negócios Shmulik Bass, disse que "afirmações fictícias que a HRW inventou são absurdas e falsas".

"Existem árabe-israelenses que se afirmam palestinos trabalhando na Suprema Corte de Israel como juízes, membros do Knesset [o Parlamento de Israel], e representantes dentro das organizações de governo", diz Bass. "Além disso, muitos estudantes e professores das universidades israelenses são de comunidades árabe-israelenses. Eles têm os mesmos direitos e obrigações como qualquer cidadão."

Em março, a procuradora-geral do órgão, Fatou Bensouda, anunciou a abertura de uma investigação formal sobre possíveis crimes de guerra cometidos tanto por israelenses quanto por palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Segundo ela, a investigação será conduzida "com total independência e objetividade" e vai abranger crimes supostamente cometidos -por ambos os lados- desde 13 de junho de 2014 no território.

À época, autoridades de Israel criticaram o anúncio. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu disse que a abertura da investigação refletia "a própria essência do antissemitismo e da hipocrisia", enquanto a ANP a classificou de "necessária e urgente" e se comprometeu a fornecer "toda a assistência" necessária ao TPI.

Nos últimos dias, Israel tornou-se palco de uma série de conflitos envolvendo judeus, palestinos e as forças de segurança do país. Os palestinos, que haviam sido impedidos de realizar reuniões noturnas em áreas próximas às entradas da Cidade Antiga de Jerusalém, foram provocados por ultranacionalistas na semana passada, durante marcha organizada pelo movimento judaico de extrema direita Lahava, em direção ao Portão de Damasco. Eles entoavam gritos de "morte aos árabes" e "morte aos terroristas".

Houve confrontos entre os dois grupos, e a polícia dispersou manifestantes com bombas de gás lacrimogêneo e canhões de água. O saldo foi de ao menos 120 feridos e 50 presos. Disparos de 36 foguetes da Faixa de Gaza contra Israel também interromperam meses de relativa quietude na fronteira.

Netanyahu chegou a convocar uma reunião de emergência e pediu calma a todas as partes envolvidas. O pedido, no entanto, não cessou os enfrentamentos, que se repetiram em diversos bairros de Jerusalém e em cidades na Cisjordânia e ao longo da fronteira entre Israel e Gaza.