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União Europeia pretende criar plano bilionário de reconstrução no pós-pandemia

Com um lançamento de títulos de dívida histórico, que levantou 20 bilhões de euros, a União Europeia (UE) deu nesta quarta (16) o pontapé inicial em seu programa de recuperação da crise causada pela Covid-19.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia (Executivo da UE), foi a Portugal e à Espanha dar pessoalmente aos governos locais a notícia de que seus projetos de investimento e reformas foram aprovados. Na quinta, será a vez da Grécia e da Dinamarca e, na sexta, de Luxemburgo.

O esquema é uma vitória política da Comissão, que no ano passado obteve autorização dos 27 países da UE para fazer o empréstimo conjunto, tendo como base garantias de seus estados-membros e propostas de novas fontes de arrecadação.

A estratégia permite que, sob aval do conjunto de nações, países mais pobres obtenham crédito a juros mais baixos, além de verbas a fundo perdido.

A contrapartida desses recursos também fortalece politicamente o Executivo europeu: os planos apresentados precisam cumprir uma série de condições, entre elas o de destinar no mínimo 37% do valor recebido para medidas de combate à mudança climática e não menos que 20% em ações de digitalização.

Os países também precisam patrocinar reformas estruturais recomendadas pela Comissão Europeia, adotar passos práticos para reduzir disparidades de renda e desigualdade de gênero e nenhum dos programas financiados pelo dinheiro da UE pode representar risco sério aos pilares de sustentabilidade do bloco, como biodiversidade, economia circular e combate à poluição.

Na prática, portanto, a Comissão poderá influenciar as políticas orçamentárias de seus membros, além de aumentar seu controle sobre como são aplicados os recursos. "Estaremos muito vigilantes para garantir que essa implementação seja rigorosa", afirmou Von der Leyen.

O lançamento dos títulos de dez anos, feito nesta terça, foi uma das maiores ofertas de dívida já feitas no mercado internacional e atraiu uma demanda de 142 bilhões de euros, pouco menos que os 145 bilhões de uma oferta feita em 2020 também pela UE, para financiar seu programa de proteção de empregos. Os juros ficaram abaixo de 1% (0,86%).

Segundo analistas, o resultado mostrou forte confiança do mercado de que vai receber o dinheiro de volta, além de apetite por um tipo de título raro, de classificação AAA - ou seja, baixíssimo risco. Além disso, também supre uma lacuna de mercado, segundo o fundo de investimentos escandinavo Nordea. Até então, os títulos alemães eram a referência nas emissões europeias. A nova alternativa ajuda a melhorar o funcionamento dos mercados financeiros europeus, segunda instituição escandinava.

O bloco pretende emitir ao menos mais 80 bilhões de euros neste ano. No total, os 800 bilhões de euros para financiar a retomada devem ser levantados até 2026. Somados aos cerca de 100 bilhões de euros levantados para a proteção de empregos, o montante levantado pela Comissão vai representar 5,5% do PIB do bloco europeu.

Cerca de 30% da recuperação será financiada por títulos verdes, que financiam projetos ambientalmente corretos - a UE trabalha agora na estrutura desses papéis, que deve ser divulgada em setembro. Também no segundo semestre devem ser lançados títulos de curto prazo.

Os recursos dessa primeira venda vão cobrir 13% dos planos de recuperação dos países, como pré-financiamento. No caso de Portugal e Espanha, aprovados hoje, isso corresponde a 2,16 bilhões de euros e 9,04 bilhões de euros, respectivamente. Os primeiros repasses devem ocorrer entre julho e agosto, após aprovação dos 27 ministros das Finanças e Economia, no Conselho Europeu.

A Comissão também vai propor novas taxas, sobre plástico e negócios digitais, por exemplo, para dar sustentabilidade aos títulos.

Mas, para elevar a garantia de que haverá recursos suficientes para devolver os empréstimos, está passando o projeto dos Estados-membros por um crivo fiscal. No caso de Portugal, por exemplo, a meta é cumprir as barreiras de endividamento e déficit até 2025. A Espanha tem entre seus próprios programas de retomada reformas tributária, previdenciária e administrativa.

Dos 14 países que apresentaram seus planos de recuperação até agora, cinco solicitaram mais de 150 bilhões de euros em empréstimos.

O plano de recuperação de Portugal prevê um repasse de 2,7 bilhões de euros em empréstimos e 13,9 bilhões de euros em subvenções/doações. O espanhol prevê apenas doações, num total de 69,5 bilhões de euros - o governo não descarta pedir empréstimos numa segunda etapa.

De cada 100 euros recebidos, 40 serão gastos pela Espanha em projetos de combate à mudança climática. As principais áreas são mobilidade eficiência energética.

Portugal vai destinar 38 euros de cada 100 recebidos a medidas ambientais, também com prioridade para mobilidade, onde prevê investir quase 1 bilhão de euros.

Adotar fontes de energia limpa nas indústrias deve consumir cerca de 700 milhões de euros e reformar residências para que gastem menos eletricidade, 300 milhões de euros.

Entre os programas sociais, uma das prioridades portuguesas é aumentar o número de mulheres formadas em engenharia e tecnologia, além de programas habitacionais.

Para o comissário de Economia da UE, Paolo Gentiloni, as reformas previstas por Portugal devem fortalecer sua economia e reduzir desigualdades em áreas como educação, formação profissional e saúde. Segundo estimativas da Comissão, o impacto do investimento no PIB deve ser de cerca de 1% no primeiro ano e chegar a 2,5% em 2026, sem contar o potencial das reformas estruturais previstas – que podem representar um ganho de 10% do PIB em 20 anos, segundo a Comissão.

A previsão é semelhante em relação à Espanha, com impacto de 1,4% em 2021 e 2,5% em 2024. O país prevê investimentos de 3,4 bilhões de euros na infraestrutura de turismo, uma de suas principais fontes de renda.

Inteligência artificial, redes de 5G e cibersegurança também estão nas prioridades.

No total do bloco europeu, o Fundo Monetário Internacional calculou um impacto de no mínimo 0,75% no PIB por ano, porcentagem que pode chegar "ao dobro ou mais que isso" se as reformas forem bem feitas e o dinheiro for bem gasto.

Por Ana Estela de Sousa Pinto, de Bruxelas (Folhapress)

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