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Violência com armas de fogo contra jovens vira fardo financeiro para os EUA

A violência causada por armas de fogo entre crianças e adolescentes é um grave problema de saúde pública nos EUA, com contornos sócio-políticos bem definidos, mas cujos gastos financeiros ainda não haviam sido muito explorados no país.

Pesquisadores da Universidade Stanford mudaram o cenário em 23 de junho, com a publicação do primeiro estudo com dados nacionais detalhados sobre o tema.

O levantamento mostra que, em média, os americanos gastam US$ 109 milhões (cerca de R$ 550 milhões) por ano com a hospitalização de pessoas de até 18 anos feridas por armas de fogo –sendo que 57% desse valor é arcado pelo governo federal, via Medicaid, um programa direcionado à população de baixa renda.

Isso porque a maioria das vítimas é de jovens negros (55%) e pobres (53%), o que cristaliza a desigualdade sistêmica americana e acrescenta novo elemento à batalha travada entre democratas e republicanos, que discordam sobre políticas para conter o crime e ampliar a legislação para o controle de armas no país.

O aumento da violência armada nos EUA neste ano trouxe ameaças eleitorais para o partido do presidente Joe Biden, que tenta agir para conter possíveis danos aos democratas na disputa legislativa de 2022, por exemplo.

Hoje, a sigla controla Câmara e Senado com maioria estreita e, caso perca essa vantagem no ano que vem, a agenda do presidente no Congresso passa a ficar quase inviável.

O estudo levou em conta dados de 2003, 2006, 2009 e 2012 e analisou, ao todo, 19.015 pacientes, em 4.100 hospitais de 44 dos 50 estados americanos.

O custo médio por internação foi de US$ 12.984 (cerca de R$ 65 mil), em valores ajustados pela inflação, mas varia, entre outros motivos, de acordo com o tempo de hospitalização e a gravidade das lesões. Entre as causas mais comuns para os ferimentos estão agressão (63%), acidente (26%) e autoflagelo (3%).

Do total de internados, 74% tinham entre 16 e 18 anos, 89% eram do sexo masculino, 55% eram negros e 53% de baixa renda –grande parte com gastos arcados pelo governo.

Os EUA não têm um sistema de saúde único e, portanto, as hospitalizações são pagas ao menos de três maneiras: programas do governo, convênios –adquiridos pelos empregadores para seus funcionários ou, individualmente, por pessoas físicas– ou ainda pelos quase 30 milhões de americanos que não têm nenhum tipo de seguro de saúde e precisam desembolsar enormes quantias a cada emergência.

As despesas relatadas na pesquisa representam apenas a hospitalização inicial e não contabilizam danos sociais e de saúde mental, como tempo perdido no trabalho ou na escola para os pacientes e os pais, gastos com reabilitação e sequelas que podem limitar o acesso à educação e ao mercado de trabalho, o que acontece, ainda de acordo com os pesquisadores, em quase metade dos casos.

O elemento político reaparece em meio à alta nos crimes violentos nos EUA. Em 2020, a taxa de homicídios em grandes cidades subiu 30% em comparação com 2019. No primeiro trimestre deste ano, a alta foi de 24% em relação ao mesmo período do ano passado.

Entre crianças e adolescentes, os dados se tornaram ainda mais desoladores: a nova onda de massacres nas escolas –foram 14 desde março– fez com que o país atingisse a marca de 250 mil estudantes que já sofreram com violência armada desde os tiros em Columbine, que mataram quinze pessoas (incluindo os dois atiradores) em 1999.

De olho no impacto político, Biden anunciou na semana passada o endurecimento na fiscalização da venda de armas e defendeu mais recursos para as polícias. O gesto, porém, aprofundou históricas cisões dos dois lados do xadrez político –e ainda desagradou parte dos ativistas e da ala mais à esquerda de seu partido, que defendem cortes no orçamento policial.

O direito ao porte de armas está na Constituição dos EUA e é uma questão pétrea para os republicanos, que consideram o tema um símbolo da liberdade. Os democratas, por sua vez, acreditam que o acesso amplo e fácil às armas é parte fundamental no aumento da criminalidade, mas não são todos que concordam com menos dinheiro para a polícia.

O movimento ganhou força no ano passado, junto a ativistas nos protestos depois da morte de George Floyd, homem negro assassinado por um policial branco, mas não teve a aderência de Biden.

Parlamentares aliados do presidente admitem que o aumento da criminalidade nas grandes cidades e os apelos para cortar o financiamento policial são as grandes ameaças eleitorais para o ano que vem.

Controle de armas e menos dinheiro para a polícia são pautas distintas, mas serão misturadas por republicanos na hora de retomar o discurso de que os democratas querem enfraquecer o policiamento, abrindo caminho para mais criminalidade, ao mesmo tempo em que tiram o direito dos americanos de se proteger.

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