Trump revela plano de paz que favorece Israel e irrita palestinos

DIANA LOTT
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O presidente americano, Donald Trump, une-se nesta terça-feira (28) a uma longa lista de líderes mundiais que buscaram termos para resolver o conflito entre palestinos e israelenses.

Trump revelou o plano de paz, que chamou de "acordo do século", após três anos de gestação e muitos adiamentos, parte deles devido à indefinição em Israel que levou à terceira eleição em menos de um ano.

Ao lado do premiê israelense, Binyamin Netanyahu, o presidente americano propôs a criação de um Estado palestino. O plano, no entanto, reflete a postura pró-Israel de seu governo e faz importantes concessões ao país, como o reconhecimento da soberania israelense sobre seus assentamentos na Cisjordânia e sobre o vale do rio Jordão.

Trump afirmou que a capital do Estado palestino seria em Jerusalém Oriental, onde os EUA abririam uma nova embaixada.

A declaração, porém, não é clara, uma vez que, segundo Trump, a cidade será mantida como "capital indivisível de Israel". Para aumentar a confusão, comunicado divulgado no site da Casa Branca afirma que a capital do Estado da Palestina "incluirá áreas de Jerusalém Oriental".

Depois do anúncio conjunto, Netanyahu afirmou a repórteres que a capital palestina ficaria em Abu Dis, um bairro localizado nos subúrbios de Jerusalém, a leste da cidade.

Em troca do Estado palestino, haveria o reconhecimento dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, considerados ilegais por palestinos e por grande parte da comunidade internacional.

Resoluções da ONU têm reiteradamente decidido pela ilegalidade dessa política israelense com base na Quarta Convenção de Genebra, que proíbe "a deportação ou a transferência de partes da população civil" de um país para um território ocupado por ele.

O plano prevê ainda que futuras ocupações sejam congeladas durante quatro anos, enquanto ocorrem as negociações da criação do novo Estado, previsto com o dobro do tamanho da área atualmente controlada pelos palestinos.

O premiê isralense disse que levará à análise de seus ministros já neste domingo (2) um projeto de lei para autorizar o exercício da jurisdição de Israel sobre os assentamentos localizados no vale do rio Jordão, na Cisjordânia e no norte do Mar Morto.

O republicano, aliás, anunciou a divulgação de um mapa com a divisão dos territórios, algo nunca antes autorizado por Israel.

"Hoje, Israel dá um grande passo em direção à paz", disse o americano, muito aplaudido durante a fala, que também incluiu uma espécie de ultimato aos palestinos, para quem, segundo Trump, o plano de paz seria "a última oportunidade". "Minha visão é uma oportunidade em que os dois lados ganham."

Netanyahu classificou o dia do anúncio como histórico e comparou a proposta de Trump à do ex-presidente Harry Truman, em 1948, que reconheceu o estado de Israel. "Neste dia, você se tornou o primeiro líder a reconhecer a soberania de Israel sobre Judeia e Samaria, vitais para nossa segurança e central para nossa herança", acrescentou o premiê, utilizando os nomes bíblicos para a Cisjordânia.

O anúncio desta terça ocorre praticamente à revelia das autoridades palestinas, que cessaram qualquer diálogo com os EUA desde o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e a transferência da embaixada americana de Tel Aviv para a cidade, em 2018.

O status de Jerusalém, reivindicada pelos dois lados como capital, é uma das questões que tornou um acordo de paz na região tão complexo quanto desejado por presidentes americanos, que tentaram ao longo das últimas décadas conquistar o mérito de ter solucionado as tensões no Oriente Médio.

Na Faixa de Gaza, Sami Abu Zuhri, porta-voz do Hamas, grupo considerado uma organização terrorista pelos EUA, afirmou que o plano para Jerusalém não tem sentido.

"A declaração de Trump é agressiva e provocará muito ódio", disse o porta-voz à agência Reuters. "Jerusalém sempre será a terra dos palestinos (...) Os palestinos vão contestar esse acordo e Jerusalém permanecerá uma terra palestina."

Antes do pronunciamento em Washington, milhares de palestinos protestaram em Gaza, e tropas israelenses reforçaram suas posições entre a cidade palestina de Ramalá e o assentamento judeu de Beit El, na Cisjordânia.

O momento do anúncio do plano é oportuno tanto para Trump quanto para Bibi, como Netanyahu é conhecido.

O americano passa por um julgamento de impeachment no Senado, no qual seu partido, o Republicano, tem maioria -razão pela qual as chances de o processo resultar em sua saída do cargo são pequenas.

No entanto, as audiências dão oportunidade e palanque a seus rivais democratas para expor falhas de seu governo, principalmente na condução da política externa -as acusações do processo envolvem tratativas do presidente americano com seu par ucraniano, Volodimir Zelenski.

Nesse contexto, o anúncio do plano é uma forma de Trump retomar o foco do noticiário com uma agenda positiva e sensível a grande parte de sua base dias antes da primeira fase das primárias, nas quais será escolhido o nome democrata que disputará as eleições de 3 de novembro.

Já Bibi, ao mesmo tempo em que enfrenta mais um pleito, prepara-se para ser julgado por acusações de corrupção. Também nesta terça (28), ele retirou um pedido de imunidade que havia feito ao Parlamento israelense -se concedida, a medida teria protegido o premiê até a eleição, em 2 de março. O gesto abre caminho para que ele seja julgado por denúncias de fraude, abuso de poder e quebra de confiança.

NEGOCIAÇÕES LIDERADAS PELOS EUA

O democrata Bill Clinton (1993 - 2001) intermediou em 2000 as negociações de Camp David (EUA), em 2000, vistas como as mais detalhadas já realizadas até então.

Nos encontros, o palestino Yasser Arafat e o então premiê de Israel, Ehud Barak, tentaram chegar a um consenso sobre a forma de implementar pontos dos Acordos de Oslo (1993) -o instrumento rendeu o prêmio Nobel da Paz de 1994 a Arafat e aos ex-premiês israelenses Shimon Peres e Yitzhak Rabin. ​

Embora o diálogo não tenha gerado frutos, Clinton é lembrado por sua contribuição às negociações de paz, principalmente por causa da icônica foto em que Rabin e Arafat se cumprimentam no jardim da Casa Branca ao anunciar os Acordos de Oslo.

O republicano George W. Bush é outro líder americano que, durante seus dois mandatos à frente da Casa Branca, tentou costurar um acordo de paz para o Oriente Médio. Em 2003, ele se tornou o primeiro presidente dos EUA a pedir a criação de um Estado palestino.

O predecessor de Trump, Barack Obama, conseguiu, em 2009, que Israel suspendesse sua política de assentamentos na Cisjordânia pelo período de dez meses -"um significativo primeiro passo na direção da paz", nas palavras de Netanyahu.

Depois de meses de conversas intermediadas pela então secretária de Estado, Hillary Clinton, o premiê israelense e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, não conseguiram avançar nas negociações.

Findo o prazo, Israel retomou os assentamentos e o diálogo foi suspenso.