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Boris nega crise e tenta blindar governo com 'conservadorismo otimista'

Os críticos do governo britânico anteveem neste ano um novo "inverno do descontentamento", com escassez de peru e pernil para o Natal, fim do programa de ajuda emergencial e inflação em alta, mas o premiê Boris Johnson vê apenas céu azul pela frente.

Em discurso de 44 minutos nesta quarta (6) na convenção do Partido Conservador, o primeiro-ministro afirmou que, após a pandemia, o Reino Unido não voltará para "seu velho modelo quebrado de baixos salários, baixo crescimento, baixa qualificação e baixa produtividade", que atribuiu em parte à "imigração descontrolada".

Defendeu o brexit, que permitiu ao país "recobrar o controle de suas fronteiras", e prometeu soltar as rédeas do espírito britânico: "ciência, inovação, sociedade aberta e capitalismo".

Mantendo seu estilo performático, Boris discursou gesticulando o tempo todo, alfinetou adversários trabalhistas, políticos europeus e até governos conservadores passados –seu partido está no poder há 11 anos– e arrancou risadas da plateia 26 vezes –mais ou menos duas vezes a cada três minutos.

Mais frequentes ainda foram os momentos de aplauso, 48, ou mais de um por minuto. É certo que o público era formado apenas por correligionários, mas para a boa vontade geral contribui o fato de que as recentes prateleiras vazias e o custo da energia em alta não afetaram –até agora– as preferências dos eleitores britânicos.

Na média das pesquisas de opinião, o Partido Conservador continua à frente do Trabalhista com uma vantagem de seis pontos, recuperando dois pontos perdidos em meados de setembro, quando o temor de falta de combustível e outros produtos era mais alto.

A popularidade do primeiro-ministro, em queda desde junho deste ano, também não se mexeu no último mês: 55% dizem desaprovar seu governo, enquanto 45% o aprovam.

"Conservadorismo otimista" foi a receita apresentada por Boris para superar "a fraqueza estrutural" do país e o "pessimismo crônico dos trabalhistas".

Ele mencionou apenas lateralmente os gargalos recentes provocados pela falta de caminhoneiros, defendendo sua política de imigração e argumentando que o problema tem que ser resolvido com melhores salários e condições de trabalho para os motoristas, e não com a atração de estrangeiros para vagas que continuam precárias.

Em dias anteriores o premiê já havia afirmado que a falta de gasolina nas bombas ou de produtos nos supermercados tinha como verdadeiro motivo uma "recuperação exuberante".

"Boris Johnson está vivendo em um universo paralelo", afirmou o líder dos liberais democratas, Ed Davey, ao comentar o discurso.

"Ele finge que, de alguma forma, longas filas no posto de gasolina e prateleiras vazias no supermercado fazem parte de seu plano astuto e culpa empresas, jornalistas e o público pelos destroços que está causando."

Em seu ambiente natural, Boris manteve suas estratégias retóricas. Repetiu várias vezes o slogan de sua apresentação, "build back better" (reconstruir melhor), assim como fez na campanha do brexit –quando a máxima era "recuperar o controle"—, nas eleições de 2019 –"Vamos fazer o brexit de uma vez"– e nas coletivas da pandemia –"Fique em casa. Salve vidas".

O premiê ressaltou os princípios dos conservadores, prometendo "defender a história da Grã-Bretanha" e se opor às "interpretações revisionistas de heróis conservadores" como o premiê Winston Churchill –que governou de 1940 a 1945 e de 1951 a 1955 e no ano passado foi acusado por ativistas de racismo.

Também afirmou que a rápida oferta de vacinas contra o coronavírus só foi possível graças a empresas privadas, acionistas "e, sim, banqueiros". "Foi o capitalismo que garantiu que tivéssemos esse investimento."

Apesar disso, seu programa de "reconstruir melhor" desvia do ideário conservador, ao propor aumento de impostos para investimentos no sistema público de saúde (NHS). Segundo o premiê, até a "Dama de Ferro" Margaret Thatcher –primeira-ministra neoliberal que governou de 1979 a 1990– aprovaria a ideia.

Além de provocar pessoalmente o líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, chamando-o de "capitain Hindsight" (Capitão Retrospectiva, personagem do desenho "South Park") e comparando-o a um "condutor do ônibus descomposto", Boris mandou mensagens para as regiões norte e noroeste da Inglaterra, antigo território da oposição que na última eleição votou nos conservadores, prometendo "nivelar por cima" investimentos e oportunidades nessas regiões.

Segundo o primeiro-ministro, seus adversários políticos detestam essa ideia e preferem "nivelar por baixo". "Eles adoram que suas crianças apostem corridas em que ninguém é vencedor. Essa é uma péssima preparação para a vida, sem falar nas Olimpíadas", afirmou, num dos momentos em arrancou risadas e aplausos.

Apesar da aclamação nesta quarta, parte dos políticos conservadores manifestaram a jornais britânicos preocupação com o discurso excessivamente otimista de Boris Johnson.

Eles temem uma reedição do que se passou com o primeiro-ministro trabalhista James Callaghan no "inverno de descontentamento", na passagem de 1978 para 1979, em que a inflação atingia 10% anuais –neste inverno, a previsão é que chegue a 4%.

Em entrevista, o premiê discordou de uma pergunta que falava em "caos crescente" na economia britânica, o que lhe rendeu a manchete "Crise? Que crise?", do jornal The Sun. Os problemas do inverno fizeram o Partido Trabalhista despencar nas pesquisas de opinião e ser ultrapassado por larga margem pelos conservadores. Na primavera seguinte, Thatcher chegou ao poder.

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