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O último brilho de Marília Pêra

Por Affonso Nunes

Chega às plataformas digitais o álbum “Por Causa de Você”, que traz os últimos registros fonográficos da atriz e cantora Marília Pêra, morta em 2015. O trabalho dá sequência ao single “A Cara do Espelho”, lançado em janeiro de 2018. Marília registrou as vozes guias (que servem de base para a gravação definitiva) em seis canções e, no dia em que começaria a gravar as definitivas, sua saúde piorou e ela não voltou mais ao estúdio.

Em acordo com a gravadora Biscoito Fino, a família de Marília concordou em prestar essa homenagem póstuma e liberar as versões existentes para “A cara do espelho” (Nelson Motta / Guto Graça Mello), “Duas Contas” (Garoto), “Não me deixes mais”, uma versão do poeta Fausto Nilo para a clássica “Ne Me Quite Pas” ( Jacques Brel) e “Lua e Flor”, que Oswaldo Montenegro compôs para a peça “Brincando em cima daquilo”.

Parentes e amigos de Marília Pêra gravaram as outras seis canções que completam o álbum, numa verdadeira empreitada de amor.

- Quando a falta de saúde traiu minha irmã, quando ela silenciava corajosa seus temores, a Kati apareceu e perguntou: “Marilinha, vamos fazer um disco?”. Aquela pergunta, acendeu outra vez a chama da paixão pelo trabalho, a possibilidade de ficar de pé e poder cantar, mesmo que ficar de pé lhe trouxesse muita dor - relembra, emocionada a também atriz Sandra Pêra, irmã de Marília.

Diante do entusiasmo de Marília, Kati começou a recrutar gente para participar dividir músicos para o trabalho, como José Milton que assumiu a direção musical. 

Pelas mãos de José Milton viria o grande Cristóvão Bastos, que pilotou os teclados e fez os arranjos com uma delicadeza digna de Marília. Completam, o time de músicos a participar da gravação Jorge Helder e Jamil Joanes (baixo), João Lira (violões), João Castilho (guitarra), Paulo Braga e Jurim Moreira (bateria), Bebe Kramer (acordeon), Jessé Sadoc (flugel e trompete), Zé Canuto e Marcelo Martins (saxofones) e Antonio Rocha (flauta).

- Com este time, começamos a feliz tarefa de fazer o disco, escolher músicas. De cara, a certeza de que “Chinelinho Chinfrim” estaria no repertório - conta Sandra, referindo-se à única letra composta pela irmã, em parceria com Guilherme Lamounier logo após o nascimento da filha Nina. - Na época eu fazia parte das Frenéticas, e Marília achava que nós gravaríamos. O desejo de Marília realizou-se e Sandra a interpreta em “Por causa de Você” com participações especiais de Ney Latorraca e Zezé Motta.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Sandra Pêra fala dos critérios que culminaram na escolha das 12 músicas do álbum:

- Pensamos nas músicas que fizeram parte de alguma maneira da sua vida, da sua carreira, e fomos separando “A Cara do Espelho”, de um LP gravado em 1975 (“A Feiticeira”). Liguei para Nelsinho (Motta) e perguntei se ele tinha alguma música interessante para nos mandar. “Lua e Flor”, que Oswaldo Montenegro compôs especialmente para a peça de grande sucesso protagonizado por ela, “Brincando em Cima Daquilo”.

A valsa “Dona Felicidade” (Benedicto Lacerda / Nestor Tangerini) também tem motivos afetivos para ter sido selecionada.

- A letra é de nosso tio (Nestor Tangerine). Essa música faz parte da história da nossa família. Pinçamos músicas que ela cantou em tantos shows que fez neste Brasil, como “Risque” (Ary Barroso) e “Faz-me Rir” (Francisco Yoni / Edmundo Arias /Versão: D. Teixeira).

Fabiano Canosa sugeriu à Marília a inclusão de “Mulher” (Sadi Cabral e Custódio Mesquita) e José Milton trouxe a versão de Fausto Nilo para “Ne Me Quite Pas” (“Não Me Deixes Mais), que possui uma expressiva gravação de Fagner.

- Ela ficou louca com a possibilidade de gravar “Rio Antigo” (Chico Anysio). Marília e Chico eram dois monstros que se amavam, se identificavam muito. E na quele desfile de preciosidades, ela também escolheu “Duas Contas” e “Por Causa de Você” (Tom Jobim / Dolores Duran). 

Num certo momento, lembra Sandra, Nelson Motta deixou de dar notícias e faltava uma faixa para completar o álbum.

- Liguei e ele mandou imediatamente três versões: de uma canção italiana, de uma valsa do Lírio Panicalli e outra de “As Time Goes By” (Herman Hupfeld). Marília ficou muito, muito feliz por Nelsinho ter mandado essas versões e escolheu a terceira. Tínhamos seis vozes guias e, no dia em que estava marcada para começar a colocar a voz definitiva, quando ela estava pronta pra sair, sua saúde piorou e ela não conseguiu mais voltar ao estúdio.

Apesar do estado de saúde de Marília ir se agravando, dia após dia, Sandra tem boas recordações desse processo:

- Eram momentos muito agradáveis na casa dela, tirando o tom com Cristóvão. Momentos em que eu via minha irmã saudável, únicos momentos em que ela sorria. Era música na veia. Entramos no estúdio da Biscoito Fino com aqueles músicos feras, com a Paula (Leal) filmando tudo. Enquanto eu massageava sua perna, acreditando que faria a dor sumir, ela colocava a voz guia - emociona-se.

Quando Marília nos deixou, em 5 de dezembro de 2015, Sandra lembra ter recebido da gravadora os CDs com as vozes guia.

- Não pude sequer abrir o envelope. Estávamos convivendo intensamente com a dor que a acompanhava dia e noite, a dor do corpo e a da alma. O que ouvíamos saindo da sua garganta era lindo, mas muito frágil, não achava que pudesse estar bom, principalmente sabendo como era dura e exigente com ela mesma. Guardei aquele embrulhinho e jurei não mexer.

Um ano e meio depois, sandra tomou coragem:

- Paula, José Milton, Kati e eu nos enfiamos no estúdio para ouvir. Pensei que fosse morrer, eu ouço a saliva dela e para nossa surpresa, ouvimos uma voz afinadíssima. Nos acabamos de chorar. Sim, uma voz frágil, mas a voz dela em seus únicos momentos de alegria, nos últimos tempos conosco. Claro que só concordamos em lançar o CD depois de sabermos que ela não estaria exposta de forma alguma, seria uma traição.

TERMINAR O INICIADO

Mas só havia seis vozes guias e partiu de Kati a ideia de convidar os amigos e a família para gravar as faixas restantes.

- A Marília sempre trabalhou assim. Ela gostava disso. E assim tentamos terminar o que ela começou, com o as músicas que escolheu e rodeada de gente que a amava profundamente. Amora, minha filha, neste mutirão familiar, ficou encarregada dos arranjos vocais e coro. José Milton, produtor inigualável, com seu coração de anjo, nos conduziu com gentileza e talento nesta empreitada literalmente de amor.

Uma audição do álbum mostra, de fato, uma Marília fragilizada pela doença, mas cantores genuínos vivem suas canções até as últimas consequências. Onde faltou a técnica que Marília Pêra tanto prezava e exigia de si mesma sobra emoção, sensibilidade, amor. A entrega da artista em seus últimos momentos, um registro necessário.

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