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Existe limite para a liberdade de expressão?

Por: Francisco Guarisa*

A internet e as redes sociais proporcionaram mudanças profundas nas múltiplas formas de comunicação por meio digital, assim como na produção de conteúdo. Consequentemente, a informação tomou uma dimensão de valor que tem provocado diversos embates, causando divergências extremas de opiniões e interferências nas regras usuais de convivência. Como já citei em outra oportunidade, tal fato fez crescer um sem-número de certezas relativas e verdades absolutas, onde a ponderação, cada vez mais, perde seu espaço nas discussões, gerando uma polarização acirrada e até um novo modelo cultural de cerceamento da liberdade de expressão: a “cultura do cancelamento”. Mas, será que podemos estabelecer um limite para a liberdade de expressão?

O exercício da liberdade de expressão, historicamente, sempre foi meio conturbado, já que os poderes constituídos, desde o Império, sempre tiveram dificuldade de lidar com o livre arbítrio, especialmente os exercidos pela imprensa. Um exemplo importante foi no governo de Washington Luís, então presidente entre 1926 e 1930, que instituiu à época uma lei que permitia o fechamento de veículos de imprensa e sindicatos que divulgassem questionamentos contrários à “ordem e o progresso” vigente. Sem falar, na sequência, da gestão presidencial autoritária de Vargas e no período sombrio da ditadura militar.

Com a promulgação da Constituição de 1988, uma nova janela se abriu e com ela a garantia da livre manifestação de sentimentos e opiniões. Um direito natural do ser humano, que nasce dentro de um sentido amplo de liberdade. Uma Constituição que, teoricamente, assegura a liberdade de expressão como um direito fundamental. O problema é quando essa forma livre de expressar o seu pensamento afeta diretamente a vida privada e, até mesmo, a honra. Liberdade de expressão não pode ser um salvo conduto para manifestações agressivas, que violam a dignidade de qualquer pessoa. Todos têm o direito de se expressar, desde que respeitem alguns princípios básicos de convivência e que não ultrapassem os limites passíveis de punição inseridos no Código Penal Brasileiro.

Um exemplo claro, passível de punição, se dá quando alguém deliberadamente expressa uma opinião que contribui para incitar a violência e/ou faz apologia ao crime organizado. Essas são algumas situações que ultrapassam os limites do aceitável, mesmo sabendo que a Constituição nos confere o direito de se manifestar livremente. Uma pessoa tem o direito de se expressar e, no meu entendimento, não podemos cerceá-la, desde que não falte o bom senso neste ato. Respeitar o contraditório e a ideia oposta precisa, acima de tudo, fazer parte do jogo. O que seria do igual se não existisse o diferente. Porém, acolher a liberdade de expressão é fundamentalmente aceitar as diferenças.

Aliado a todo esse período conturbado recente, destaco um relatório divulgado no ano passado pela organização internacional de direitos humanos, Artigo 19, que analisa a liberdade de expressão em 161 países. E, para minha decepção, o Brasil ocupa atualmente a 91ª posição, atrás de todos os países da América do Sul, excetuando a Venezuela, liderando uma das maiores quedas entre 2009 e 2019. O relatório cita que essa queda se acelerou sensivelmente a partir de 2019, com o início do atual governo e a pandemia, destacando ainda a dificuldade de comunicação dos mais variados segmentos da sociedade e da propagação ostensiva de desinformações, tanto de ordem econômica como sanitária.

O que não falta é polêmica alusiva ao tema nesses últimos tempos. Não quero aqui fazer juízo de valor sobre o que está certo ou errado, mas provoco novamente à reflexão sobre o bom senso na hora de se expressar. Existe hoje uma voracidade na divulgação de informações, na tentativa de prevalecer opiniões pessoais, sem que analisem previamente a coletividade e seus possíveis danos. É preciso entender que o mundo necessita urgentemente de paz, compreensão e mais harmonia. Não dá mais para assistirmos passivamente políticos destilando ódio a tudo e a todos que não coadunam com seus interesses, assim como figuras públicas dos mais variados segmentos da sociedade que manifestam uma intolerância exacerbada a temas como diversidade, racismo e homofobia entre outros.

O universo está em constante mutação e não podemos ficar alheios a isso. Tenho a plena consciência de que ainda é difícil aceitar o diverso e ser mais tolerante às mudanças, em função do conservadorismo ainda existente. Contudo, não podemos esquecer de que nessa nova era tão singular o mundo está cada vez mais plural.

*Consultor e Executivo de Marketing e Gestão

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