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Graças e desgraças de um foca

Por Cláudio Murilo Leal*

1954. Rio de Janeiro. Avenida Gomes Freire 471. Correio da Manhã.

Em pé, no estribo do bonde, o vento morno era um bom prenúncio de contratação.

Na espaçosa redação, procurei o José Guimarães, amigo de meu pai, mais conhecido como... Guima, responsável pelo Caderno Cultural e redator da coluna intitulada Aconteceu.

Nos meus 17 anos de idade ousei, orgulhosamente, apresentar-me como “escritor”. Guima me disse que ali não era a Academia Brasileira de Letras, mas um jornal que divulgava as notícias mais importantes do Brasil e do mundo. Ele pronunciou mundo com uma entonação solene de eme maiúsculo. Entendi o recado, mas não desisti da minha vocação de “escritor”.

Conversando, ele soube que eu tinha ido assistir, no Teatro do Hotel da Glória, a convite do Sérgio Porto, a apresentação de Pixinguinha e os 8 Batutas.
–Escreve sobre... –ordenou curto o Guima.

Aprendi que meus textos, dali pra frente, se chamariam “matéria. Pixinguinha saiu na primeira página do Segundo Caderno, com foto dos 8 Batutas: Pixinguinha, Donga, João da Baiana e os demais.

Mas eu queria mesmo era publicar no jornal o meu primeiro romance.

O diagramador chamado Madalena trabalhava na oficina. De vez em quando ia visitá-lo, onde os linotipistas compunham os tipos, isto é, as letras. Madalena colocava letras, frases e períodos num cercado de madeira (que seria a futura página de papel). Um dia, ele pegou uma frase que ultrapassava a medida do cercadinho de madeira e jogou-a no lixo. Diante do meu assombro ele explicou: – o texto é muito grande, ninguém vai ler até o fim.

Na redação, eu conhecia apenas Paschoal Carlos Magno, porque meu avô, Leôncio Correia, prefaciara o primeiro livro de poemas dele. Mas fui convivendo e aprendendo com Antônio Callado, Otto Maria Carpeaux, que Van Jafa dizia que era gago como uma porta e Franklin de Oliveira, que produzia ensaios citando dezenas de autores estrangeiros nunca lidos no Brasil. Os três escreviam numa sala ao lado da redação.

Entre outros, tínhamos Eurico Nogueira França, que escrevia sobre música: ele era pianista e dedilhava a máquina de escrever com rapidez impressionante. José Condé cronicava, Jayme Maurício em artes plásticas. Futebol, teatro, acontecimentos de rua.

Num domingo seria celebrado o dia das Mães. Guima estava gozando uma semana de férias em Caxambu. “Merecidas férias”, apoiavam todos. Numa ousada decisão, me deixou substituindo-o.

Madalena me trouxe um pequeno calendário de folhas destacáveis que, no verso, estavam impressas ingênuas quadrinhas.

Publicamos, com moldura rendilhada:

MÃE
Hoje comemoramos o seu dia.
Linda como uma flor,
você me traz alegria
que eu devolvo com amor.

Guima, furioso, telefonou de Caxambu me despedindo. Quando voltou... generosamente me indultou.

*poeta, ensaísta e professor de literatura

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